[...] o Tratado de Madri, assinado em 1750, impôs uma nova agenda à administração colonial portuguesa em relação às suas colônias na América, particularmente àquelas conquistadas no século anterior. Debatendo-se com a escassez de recursos, própria do período, a Metrópole teve de encontrar alternativas para povoar e tornar economicamente interessantes as vastas áreas que compreendiam todo o território ao Norte e a Oeste da América Portuguesa. (Coelho, 2016).
Da assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494) à assinatura do Tratado de Madri (1750), os contornos do território português na América cresceram significativamente. Apesar da expansão agropecuária na região nordestina, foi a busca por metais preciosos e mão de obra indígena na região Centro-Oeste e a busca pelas chamadas Drogas do Sertão e mão de obra indígena na Amazônia que se constituíram elementos centrais da expansão territorial lusa em direção ao interior do vasto território. As operações de Entradas, Bandeiras, Guerras Justas, Resgates e Descimentos de Índios, empreendidas pelos portugueses desde o início da colonização, desempenharam papel central neste fenômeno. Além desses fatores, a evangelização dos índios foi um fenômeno igualmente importante. Muitos aldeamentos se tornaram verdadeiras instituições de fronteira.
Deste modo, o Tratado de Madri (1750) pode ser pensado com a oficialização do processo de expansão territorial portuguesa iniciado pouco mais de duzentos anos antes. Firmado em Madri, na Espanha, pelos monarcas D. João V (Portugal) e D. Fernando VI (Espanha) tal tratado geopolítico teve como principal objetivo o fim das disputas territoriais entre os Estados Ibéricos. Os novos limites demarcatórios foram baseados no Mapa das Cortes (1749), elaborado especialmente para servir de base ao Tratado. Montanhas e rios serviram como indicadores das demarcações de limites, a partir de uma espécie de delimitação por fronteiras naturais. Além disso, o princípio romano do uti possidetis, que pode ser traduzido pela ideia de que “o território é de quem nele habita” foi utilizado pelos portugueses para reivindicar aqueles espaços.
A assinatura do Tratado de Madri reflete um importante processo de demarcação territorial iniciado no contexto do Período Pombalino (1750-1777). Os contornos geopolíticos do atual território brasileiro foram dimensionados por este tratado (apesar de não se resumirem a ele). Pode-se dizer que ele evidencia um processo de (re)definição das fronteiras coloniais. Para pesquisadores como Mauro Cezar Coelho e Nádia Farage, a assinatura do Tratado de Madri concorreu para o redimensionamento da função dos povos indígenas no processo de manutenção e defesa do território português na América. Tal tratado dialogava com a política pombalina, justamente por resultar de uma estratégia de defesa e consolidação dos limites territoriais. O principal interesse dos portugueses era assegurar os territórios do Mato Grosso e Grão-Pará, potencializando a exploração dos recursos que ali haviam, nos quais se incluía a força de trabalho indígena.
Conforme aponta Íris Kantor, surgiram desse processo dois grandes problemas. O primeiro eram os diferentes nomes dados à lugares estratégicos das demarcações, como aldeias, vilas e lugares. O segundo eram as populações indígenas que, muitas vezes, não tinham nenhum contato com os colonizadores. Para resolver tais problemas, os demarcadores renomearam lugares, dando-lhes nomes portugueses de modo a homogeneizar a toponímia da região; transformaram aldeamentos missionários em povoações civis; empreenderam novos projetos de integração das populações indígenas, transformando-os em vassalos da Coroa Portuguesa; deram-lhes sobrenomes portugueses e financiaram a miscigenação entre índios e colonos através de casamentos; proibiram as línguas indígenas e atribuíram aos novos súditos a função de defesa das fronteiras coloniais. Bem, se havia necessidade de defesa das fronteiras, isto significa que os conflitos geopolíticos não foram resolvidos com a assinatura daquele tratado.
Leia também:
Bibliografia:
Fonte: Mapa das Cortes de 1749 disponível em: http://www.scielo.br/img/revistas/anaismp/v17n2/05f01.gif; Acesso em: 25 set. 2017.
CINTRA, Jorge Pimentel. O Mapa das Cortes: perspectivas cartográficas. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, v. 17, n. 2, p. 63-77, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v17n2/05.pdf; Acesso em: 25 set. 2017.
COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para o mar: um estudo sobre a experiência portuguesa na América: o caso do Diretório dos Índios (1750-1798). São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016.
FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1991.
KANTOR, Iris. Cartografia e diplomacia: usos geopolíticos da informação toponímica (1750-1850). Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, v. 17, n. 2, p. 39-61, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v17n2/04.pdf; Acesso em: 25 set. 2017.
REIS, Arthur Cézar Ferreira. Os tratados de limites. In. HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). A época colonial. Do descobrimento à Expansão Territorial. História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
UGARTE, Auxiliomar Silva. Alvores da conquista espiritual do alto Amazonas (século XVI-XVII). In. SAMPAIO, Patrícia Melo; ERTHAL, Regina de Carvalho. Rastros da memória: histórias e trajetórias das populações indígenas na Amazônia. Editora da Universidade Federal do Amazonas, p. 13-47, 2006.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/historia/tratado-de-madrid-1750/