Recebeu o nome de Estado livre do Congo (de acordo com o equivalente em holandês) ou Estado Independente do Congo (o equivalente em francês) o território onde atualmente se encontra a República Democrática do Congo (RDC). É sob tal denominação que pela primeira vez surge um território com as configurações da atual RDC, mas, contrário ao que o nome possa sugerir, tal entidade era de fato uma colônia pessoal do rei Leopoldo II da Bélgica, sendo mundialmente conhecida pelas condições terríveis as quais eram submetidas seus cidadãos, um verdadeiro caso pioneiro na questão dos Direitos Humanos.
A história do Estado livre do Congo tem início muito antes de 1 de julho de 1885, data de sua fundação. Desde que subira ao trono do pequeno reino belga, Leopoldo II demonstrara o desejo de entrar na corrida colonial. A Bélgica como reino tinha pouco mais de 40 anos, uma jovem nação, portanto, e seu monarca tinha a consciência de estar chegando atrasado na divisão de territórios entre as potências. Depois de procurar na Ásia e Pacífico, Leopoldo fixou sua atenção no vasto espaço em branco no meio do continente africano, que naquela época ainda permanecia desconhecido, por se tratar de mata densa e fechada, similar às condições da floresta amazônica. Sabendo que a empreitada não seria fácil, Leopoldo inicia uma campanha publicitária enfatizando o teor humanista de seu interesse na África, visando permitir sua conquista do Congo, eliminando os interesses e oposições das várias outras potências europeias.
O rei belga chega mesmo a enviar o famoso explorador norte-americano Henry Morton Stanley para explorar o enorme território, catalogá-lo e fazer tratados com os vários chefes locais, garantindo a soberania belga sobre aquelas terras. Stanley teria ainda que derrotar um grande chefe militar e comerciante de escravos baseado em Zanzibar (na Tanzânia), chamado Tippu Tip, que atuava em várias partes do Congo.
Realizada a missão, Stanley garante formalmente a soberania belga sobre o que hoje é a RDC. A ratificação deste controle irá acontecer na famosa Conferência de Berlim de 1885, onde Leopoldo convence as outras potências a reconhecê-lo como soberano daquela porção da África.
Leopoldo irá se utilizar de institutos de fachada, criados nominalmente para favorecer interesses culturais e humanitários, sendo o primeiro a AIA - "Association Internationale Africaine", depois o CEHC - "Comité d´Etudes d´Haut-Congo"; e finalmente a AIC - "Association Internationale du Congo".
O problema com a administração pessoal do rei (a colônia pertencia ao rei belga, e não ao Estado belga) é que, buscando retorno financeiro da sua aventura colonial, Leopoldo começa a utilizar de meios violentos para conseguir a cooperação dos habitantes da floresta, que possuíam vida completamente diferente daquela preconizada pela Revolução Industrial. Os belgas irão escolher a borracha como principal produto a ser cultivado na colônia, e logo se inicia a exploração escravagista da população local. Os africanos eram convocados sob a mira de armas, trabalhavam turnos de até 18 horas e tinham a mão direita cortada caso não atingissem a cota estabelecida. Consequentemente, suas pequenas lavouras eram abandonadas, e sem alimentos, logo uma crise de fome se segue. Aliás, a prática de mutilação das mãos correu o mundo através de fotografias publicadas nos jornais, tornando-se o símbolo da terrível administração belga.
No início do século XX, a situação parece ir de mal a pior. A matança e mutilação de indivíduos estava fugindo ao controle, mesmo para padrões considerados normais para as potências colonialistas. São fundadas associações humanitárias pregando o fim da colonização belga, e a campanha na imprensa toma uma dimensão nunca antes vista. É no auge das preocupações com a situação no Congo que surge o lendário romance de Joseph Conrad, "Heart of Darkness", com uma história que replicava com bastante fidelidade as condições de barbárie vividas na colônia belga (o livro seria adaptado para o cinema no filme "Apocalipse Now").
A pressão se torna insuportável, e em 1908, chega ao fim o Estado livre do Congo, com a entrega dos direitos da colônia ao Estado belga. A partir daí, surgiria o chamado Congo Belga, com uma administração também rígida, mas menos brutal que a exercida por Leopoldo.
O caso do Estado Livre é significante por ser talvez o primeiro onde se pode enxergar violações que seriam combatidas pela matéria de Direitos Humanos.
Bibliografia:
Histoire de la colonisation belge du Congo (em francês). Disponível em <http://www.cobelco.info/>. Acesso em: 17 set. 2011.