Terras ociosas ou improdutivas

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Os problemas existentes no meio rural brasileiro são históricos, com origem no processo de colonização portuguesa, que criou uma classe privilegiada. Tal classe se beneficiava da proximidade com o poder para defender seus próprios interesses, resultando na formação de uma estrutura fundiária muito desigual.

Esse cenário foi consolidado ao longo do tempo, ora pela falta de legislação adequada, ora pela falta de sua aplicação, e o resultado foi o descontentamento daqueles excluídos do processo. As primeiras manifestações importantes foram os atos das Ligas Camponesas que atuavam no Nordeste, que sucumbiram após o golpe militar de 1964, devido à forte repressão. Duas décadas mais tarde, tal movimento serviu de estímulo para a criação, em 1984, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

O latifúndio improdutivo vem merecendo a atenção de todos os setores da sociedade brasileira. De um lado, há uma abundante legislação agrária, e do outro, uma ferrenha obstrução à aplicação desta legislação por setores do campo interessados na manutenção de um status quo responsável por um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo. De faro, o assunto do latifúndio passou por quatro períodos distintos dentro da legislação brasileira:

As sesmarias

Transplantado da metrópole para a colônia, o regime de sesmarias envolvia a doação gratuita de grandes extensões de terras a quem tivesse os meios de cultivá-la. O sistema sesmarial, na sua concepção original, foi projetado para solucionar uma crise de abastecimento no reino português. Portugal cedeu terras a quem quisesse e pudesse cultivá-la, mas a parte da legislação que coibia o latifúndio improdutivo nunca foi aplicada. A abundância de terras e os objetivos da colonização fizeram com que uma legislação concebida para a metrópole fosse aplicada à colônia. O resultado, no entanto, foi a formação de grandes latifúndios improdutivos. Isto ocorria devido ao caráter predatório da agricultura praticada na colônia, que esgotava rapidamente o solo e predominava graças à incapacidade da metrópole de exercer um controle estrito sobre a colônia. Antes de declarada a Independência o sistema sesmarial já estava morto graças ao decreto do príncipe regente de julho de 1822.

Apesar da extinção das sesmarias, a prática de concentração de terras persistiu, principalmente pela ausência de uma legislação que normatizasse o acesso à terra, da independência até 1850, somado à  continuidade do padrão de exploração colonial, que envolvia agricultura predatória e trabalho escravo.

A lei de terras

Em meados do século XIX, o Império elaborou a primeira legislação agrária de longo alcance, que ficou conhecida como a Lei de Terras de 1850. Ela pretendia instalar os princípios da política de intervenção governamental no processo de apropriação territorial e representou uma tentativa do poder público de retomar o domínio sobre as terras chamadas devolutas, tendo em vista a vertiginosa ocupação pela iniciativa privada.

A lei de 1850, porém, não atingiu um dos seus objetivos básicos, a demarcação das terras devolutas, porque a regulamentação da lei deixou a cargo dos ocupantes das terras a iniciativa do processo de delimitação e demarcação, e a lei também não era clara na proibição da posse.

Assim, a lei serviu para regular a posse e não a estancá-la. Com a república e a passagem das terras devolutas para o domínio dos estados, o efeito perverso da lei de 1850, se multiplicou. A situação social no campo, neste período, caracterizada pela presença do "coronelismo", garantiu a permanência do modelo altamente concentrado de apropriação territorial.

O governo formado com a Revolução de 1930 promulgou uma série de decretos-lei proibindo o usucapião nas terras públicas e, ao mesmo tempo, encerrou a vigência da lei de 1850, transferindo a exclusividade da expedição de títulos de propriedade para a justiça comum. Durante o Estado Novo, Vargas favoreceu projetos de colonização que visavam a disseminação da pequena propriedade por meio de terras públicas na Amazônia e no Oeste, no que foi chamada "marcha para oeste". Nos anos 1950-60 a grande mobilização social em torno das reformas de base deu à discussão do latifúndio uma feição diferente. A reforma agrária, vista como um processo social amplo, deveria dar novo impulso ao processo de industrialização. A luta pela reforma agrária reuniu uma parcela importante dos trabalhadores rurais do Nordeste nas Ligas Camponesas e era parte do amplo processo de mobilização popular pela transformação democrática da sociedade brasileira.

Apesar de toda a mobilização a favor das reformas, esta modificação constitucional não foi votada e o golpe de 1964 pôs fim à visão democrático-reformista da questão agrária.

O Estatuto da terra

A partir dos governos militares, a atenção centrou-se novamente no destino das terras devolutas. O resultado foi a promulgação do Estatuto da terra (lei nº4504 de 30/11/64), resultado da pressão internacional norte-americana, pois obedecia aos princípios estabelecidos na Carta de Punta del Este de 1961, que trazia uma nova diretriz para a política fundiária da América Latina, estimulada e apoiada pelos Estados Unidos. Assim, o reconhecimento da necessidade de reformar a estrutura agrária brasileira pelos militares precisou ser precedida do afastamento dos principais interessados do processo.

Nesta época, as diretrizes da reforma agrária estavam associadas à preocupação dos governos militares com a integração da Amazônia e os objetivos sociais ficam subordinados aos objetivos estratégicos. A criação e extinção de sucessivos organismos destinados a implementar a política fundiária - INIC, SUPRA,INDA, IBRA, GERA, INCRA, etc, evidencia uma coleção de fracassos.

A constituição de 1988

O princípio da função social da propriedade rural do Estatuto de Terra foi levado para a Constituição de 1988, figurando entre os artigos 184 e 186.

Para efetivá-lo, a carta magna abrigou um conjunto de limitações, dentre as quais a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária. Foi concedida à União a competência para promover a expropriação sempre que o imóvel rural não respeite os requisitos econômico, ecológico e trabalhista previstos no artigo 186 da Lei Fundamental.

Todavia, o artigo 185, II, tornou o imóvel produtivo insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária, ainda que não respeite o cumprimento da função social da propriedade rural. Essa exceção traz um evidente descompasso com os demais dispositivos relacionados à matéria.

A demora na regulamentação e as imperfeições contidas na lei constituiu ainda um bloqueio ao processo de reforma agrária, pois a aplicação de vários dispositivos em vigor, de outras leis revogadas, ficou dependendo de regulamentação por lei complementar. O efeito disso foi que os assentamentos de trabalhadores que já ocorria num processo lento, estancaram.

Hoje, seu caráter absoluto não pode mais ser considerado, frente a novas concepções do direito civil. A sociedade como um todo impõe uma série de limitações ao seu exercício. O instituto da propriedade como bem absoluto do homem perdeu todo o seu sentido e todo o seu direito e tomou nova forma, sem perder o caráter privado. Um reflexo disso são as indenizações pagas pelo estado em função das desapropriações de imóveis rurais para fins de reforma agrária.

A propriedade rural recebe classificações estabelecidas tanto no plano constitucional quanto no plano infraconstitucional. A constituição de 1988 introduziu três classificações: pequena propriedade, média propriedade e propriedade produtiva. Estão no artigo 185 e são definidas como insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária. O mesmo entendimento consta do artigo 4º e 6º da Lei nº 8.629/93, que regulamentou os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária. O artigo 185 também traz que a propriedade produtiva não será desapropriada para fins de reforma agrária. Ela terá ainda tratamento especial, de acordo com o parágrafo único seguinte.

A propriedade rural, sob o aspecto econômico, é um bem de produção porque tem como utilidade natural a produção de bens necessários à sobrevivência humana. Logo, se ela é mantida inerte ou inaproveitada, não exerce sua função econômica e não gerando bens à sociedade. Por isso, sua importância fez com que merecesse uma parte exclusiva na nossa Lei Suprema.

A lei n°8.629 de 1993 definiu a produtividade dos imóveis rurais em seu artigo sexto. São classificados como produtivos os imóveis que tenham grau de utilização da área aproveitável igual ou superior a 80% e grau de eficiência na exploração da terra superior a 100%. Os índices são estabelecidos pelo governo e as áreas consideradas produtivas pagam menos ITR (imposto territorial rural) que as improdutivas. Os §§ 3º, 4º e 5º do artigo sexto da Lei 8.629/93 tratam da área efetivamente utilizada, e o modo como esta é calculada.

A função social da propriedade

Outro aspecto de grande relevância a ser definido pela constituição foi o de propriedade produtiva, ou seja, a que cumpre a sua função social e, como as pequenas e médias propriedades, é insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária.

Com efeito, a função social não se manifesta sempre da mesma forma. Ela se encontra na propriedade produtiva em virtude da contribuição que esta dá ao desenvolvimento da sociedade, reduzindo os custos de vida e ampliando o acesso aos bens de consumo pela população. O mesmo raciocínio se aplica ao caso das pequenas e médias propriedades rurais que possuem uma função social independente da produtividade por serem uma garantia de proteção do núcleo familiar.

Urge entender como a função social pode ser assegurada nos termos da Constituição. A desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, está prevista no artigo 184 da constituição.

Por este dispositivo, a União fica autorizada a desapropriar, para fins de reforma agrária, imóveis rurais que não cumprem a função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária. Mais adiante a Constituição enumerou os requisitos necessários para que a propriedade rural se compatibilize com o bem-estar social em seu artigo 186. Importante lembrar que os requisitos mencionados devem estar presentes concomitantemente.

Todavia, o art. 185, II da Carta Magna permite, aparentemente, uma proteção diferenciada à propriedade rural produtiva uma vez que afasta, de sua órbita, a possibilidade de perda indenizada para fins de reforma agrária. Nessa esteira, uma análise literal de seu texto leva facilmente a conclusão de que um imóvel rural que se tornou produtivo ofendendo a legislação trabalhista e ambiental não seria atingido por essa forma de desapropriação.

Embora esse entendimento seja aceito por boa parte da doutrina e da jurisprudência, existem muitos posicionamentos contrários, que merecem igualmente uma devida atenção. Há outros que entendem que apenas a propriedade que se tornar produtiva respeitando os três elementos componentes da função social, expressamente previstos no artigo 186 da Constituição Federal, encontra-se excluída da reforma agrária.

O dever atribuído ao Poder Público de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental não impede, contudo, quando necessária, a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de realização da função social da propriedade rural, expressamente proclamado pela lei nº 8629/93 (artigo 9º, II e seu §3º) e enfatizado pelo artigo 186, II, da Carta Magna consiste, precisamente, na submissão do domínio à necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de preservar o equilíbrio do meio ambiente, sob pena de sofrer a desapropriação referida no artigo 184 da Lei Fundamental.

Bibliografia:
SILVA, Lígia Maria Osório. Terra, direito e poder - O latifúndio improdutivo na legislação agrária brasileira. Disponível em: < http://www.sergioprofgeo.xpg.com.br/geografia/questaofundiarialegislacaobrasil.pdf >

Arquivado em: Agricultura
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