Anterior ao surgimento da dança moderna, a dança clássica era a maior expressão artística do movimento corporal nos palcos do mundo com sua estética de elevação, equilíbrio, harmonia, elegância e graça, utilizando passos preexistentes. Ao contrário, a dança moderna vem produzir uma estética de movimentos baseada nas ações cotidianas do homem contemporâneo, considerando seu histórico sociocultural e afetivo.
Assim, ela surgiu como uma ruptura nos padrões rigorosos do academicismo, pesquisando-se novos caminhos pela arte para a expressão humana através do movimento corporal. Os dois maiores precursores da dança moderna foram Émile Jaques-Dalcroze e François Delsarte.
Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950) foi professor de música, nascido na cidade de Viena na Áustria. Dalcroze desenvolveu um sistema de treinamento de sensibilização musical, denominado eurritmia, no qual tinha a função de transformar o ritmo em movimentos corporais, uma ginástica rítmica. Jaques-Dalcroze afirmava que toda atividade visual ou auditiva começa com um simples registro de imagens e sons, e as faculdades receptoras do olho e do ouvido vão somente desenvolver uma atividade estética quando o sentido muscular estiver suficientemente desenvolvido para converter sensações registradas em movimento, pretendendo usar movimentos corporais para demonstrar a percepção e compreensão do ritmo, afirmando que o som podia ser percebido por qualquer parte do corpo. Teve como seus maiores discípulos Rudolf Von Laban e Mary Wigman.
No início do século XX, Rudolf Von Laban (1879-1958), lança as bases de uma nova dança, elaborando os componentes essenciais do movimento corporal: espaço, tempo, peso e fluência. Ele propôs um espaço tridimensional diferente daquele plano limitado pela platéia, servindo de referência para o dançarino, organizando o movimento em volume com diversas direções, em forma de um icosaedro. Em sua teoria, o espaço é concebido a partir do corpo do bailarino e dos limites do seu entorno, desta forma o dançarino poderia se movimentar livremente no espaço, independente do seu deslocamento, guiando-se, então, pela kinesfera, que é a demarcação dos limites de extensões dos membros do corpo humano em relação ao próprio eixo. Seu estudo possibilitou desvencilhar o movimento corporal da arte dramática, da música e das demais possibilidades de passos preestabelecidos. Laban define duas formas de ações corporais básicas, em que todo movimento as possui, estas formas são: Recolher e Espalhar. O movimento de Recolher parte da periferia do corpo para o seu centro, denominado movimento centrípeto, e, o movimento de Espalhar, que parte do tronco para as extremidades é denominado movimento centrífugo. Laban influenciou artistas como Mary Wigman e Kurt Jooss.
François Delsarte (1811-1871) foi precursor e descobridor dos princípios fundamentais da dança moderna. Foi um cantor que não sentiu o gosto do sucesso, desta forma passou a refletir mais sobre suas experiências passadas e a relação entre a alma e o corpo, e as manifestações corporais que traduzem o que o corpo está sentindo interiormente. Seu trabalho começa com a catalogação de gestos e estados emocionais em cena, examina diferentes casos patológicos, observa a manifestação de loucura e a dissecação de cadáveres. Aos poucos, constata que a uma emoção, a uma imagem cerebral, corresponde a um movimento ou, ao menos, uma tentativa de movimento. Surge, então, a chave da dança moderna: A intensidade do sentimento comanda a intensidade do gesto. Delsarte subdividiu o corpo sistematizando o gesto e a expressão humana em três categorias: gestos excêntricos, concêntricos e normais, estabelecendo também três zonas de expressão: cabeça, tronco e membros.
Conseqüentemente conclui que: todo o corpo é mobilizado para a expressão, principalmente o torso, que todos os dançarinos modernos, de todas as tendências consideram a fonte e o motor do gesto; A expressão é obtida pela contração e relaxamento dos músculos: tension e release, que futuramente serão as palavras-chave do método de Martha Graham; A extensão do corpo está ligada ao sentimento de auto-realização, enquanto que o sentimento anulação se traduz por um dobrar do corpo.
As idéias de François delsarte foram passadas oralmente em suas conferências sendo somente sistematizadas após sua morte por um de seus discípulos Alfred Giraudet, em 1895: Physionomie et gestes. Méthode pratique d’après le système de François Delsarte (Paris). Nos Estados Unidos as idéias de Delsarte foram expostas por um ator americano chamado Steele MacKaye, que havia trabalhado com ele e considerado, pelo próprio Delsarte, o seu herdeiro espiritual. Três discípulos de François Delsarte encaminharão suas idéias diretamente à dança moderna: Isadora Duncan, Ted Shawn e Ruth Saint-Denis.
Nascida nos Estados Unidos da América, Isadora Duncan (1878-1927) foi a pioneira na dança moderna. Sua dança na infância foi marcada pela técnica acadêmica até que aos quatorze anos ela acha natural começar a dar aulas de dança em sua casa. Há, no entanto, um princípio essencial em sua vida: “A dança é expressão de sua vida pessoal”. Isadora inspirava-se na contemplação da natureza, podendo sentir e transformar-se em elementos desta rica natureza. A música clássica é sua fonte de emoções traduzidas em movimentos corporais. Seus modelos estéticos são os gregos, figuras de vasos e esculturas. Sempre se apresentava de túnica grega, descalça e com sua echarpe inseparável. Procurava ter ao fundo de suas apresentações uma cortina preta para tornar seus gestos mais legíveis. O plexo solar era sua fonte principal de movimento, assim como Delsarte e Dalcroze. Este princípio foi utilizado por muitos pioneiros de escolas de dança moderna, tanto nos Estados Unidos como na Europa. Antes da sua trágica morte, em 1927, estrangulada por sua própria echarpe, presa na roda de seu carro em movimento, escreveu suas memórias, My Life, que narra toda a sua vida intensa. Às idéias de François Delsarte cabe ressaltar a Denishawnschool, escola fundada e dirigida por Ruth Saint-Denis e Ted Shawn, em Los Angeles em 1914. Com uma grande participação teórica de Ted Shawn, ele reivindica a ruptura completa com a dança tradicional, recorrendo as danças orientais, assimilando apenas seu espírito e não a técnica exatamente; no plano mental, considera que são liturgias que colocam o dançarino em contato com a divindade. Daí uma concentração fervorosa que é a primeira atitude que exige dos alunos. Tecnicamente, utiliza todo o corpo, considerando o tronco, e não mais os membros inferiores, como ponto de partida de qualquer movimento, buscando reforçar a impulsão nervosa situada no plexo solar, de modo que cada músculo esteja imediatamente disponível para traduzir o impulso interior. Esta é a idéia essencial de toda a dança moderna.
Martha Graham (1894–1991) entrou para a Denishawnschool em 1916, quando começou a carreira solo em 1926, no ano seguinte formou sua escola e em 1929 sua própria companhia de dança com alunos de sua escola. Antes, em 1923, Martha ruma para Nova York dedicando-se ao ensino. Entre pesquisas e reflexões ela estabelece os fundamentos de sua dança. Rejeita a relação de Isadora Duncan com os ritmos da natureza, afirmando que não quer ser flor, árvore, onda ou nuvem. Ela também passa a rejeitar as idéias da denishawnschool, dizendo estar farta de deuses indianos e rituais astecas. Sua busca passa a ser expressar a cultura norte americana à problemática do século XX, no qual a máquina interfere no ritmo do gesto humano e a guerra chicoteia as emoções, desencadeando os instintos. Para ela a origem da dança está no rito, aspirando de todos os tempos à imortalidade. Graham se interessou pelas teorias freudianas, buscando nas profundezas da alma, o movimento do espírito para mergulhar no desconhecido do ser. Toda a sua dança provém do duplo princípio da vitalidade do movimento: tension-release (contrair-relaxar). Eis alguns fundamentos da escola de Martha Graham: O plexo solar é considerado fonte de energia para o movimento; O tronco concentra as forças vitais que se irradiam para os membros; A região pélvica como ponto de apoio e representante da sexualidade; A força do gesto acontece em função da força da emoção.
Martha Graham acrescenta que um praticante de dança moderna precisa durante as aulas saber respirar, porque a intensidade do movimento, duração e efeito, se condicionarão de acordo com o ritmo da inspiração-expiração. A aula precisa começar com exercícios sentados no chão, pois nessa posição o dançarino pode controlar melhor todos os músculos do tronco em alongamento e contração, tornando o aquecimento mais eficiente, e em seguida, exercita-se de pé, preferencialmente em círculo, evitando o espelho por uma maior conscientização muscular, pois esta consciência deverá independer da visão. Martha Graham influenciou, diretamente, nos estudos Lester Horton, e Mercê Cunningham. Duas personalidades que irão contribuir para o surgimento da dança pós-moderna, influenciando artistas como: Alwin Ailey, Paul Taylor e Twyla Tharp.
Fontes
BOURCIER, Paul. História da dança no ocidente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
DUNCAN, Isadora. Minha vida. São Paulo: Círculo do Livro, ---
FARO, Antônio José. Pequena História da Dança. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
LABAN, Rudolf. Dança Educativa Moderna. São Paulo: Ícone. 1990.
MENDES, Míriam Garcia. A Dança. São Paulo: Ática, 1987.
PORTINARI, Maribel. História da dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.