Se fosse possível metaforizar a ficção e a realidade respectivamente com o sol e a sombra poder-se-ia afirmar que a obra de Fernando Namora, Diálogos em Setembro, traz uma dose grande das qualidades deste autor. Essa obra nasceu das crônicas efetuadas em Genebra em um dos colóquios internacionais para o qual o escritor fora convidado, porém a obra recebeu o brilho do romance, deixando de lado resíduos jornalísticos.
Essa crônica romanceada é então dedicada a equacionar alguns dos problemas do homem, verdadeiras confidências do autor. Assim, nasce das discussões de artistas, filósofos e cientistas dentro da temática ‘homem-robô-máquina’, questões atuais dos anos 60 do séc. XX, como até hoje. Essa agudeza do escritor repete-se, polida, em Um Sino na Montanha, no qual o homem e sua rotina são mostrados desde a perspectiva de quem conhece as misérias do corpo e da alma, crônica das grandes urbes.
Deve-se essa sagacidade à sua fusão de escritor e médico e aos exercícios de quase ficção em Retalhos da Vida de um Médico, crônicas do campo. Este escritor português ultrapassa o território da literatura, e consegue sobrepor o homem Namora ao escritor Namora, continuamente, pois se aproxima mais diretamente com o público de forma mais íntima, de confidenciar o que suas personagens nem sempre puderam fazer.
Desveste-se de significantes ambíguos e seu texto é clarificado. Constrói um encontro com países em Os Adoradores do Sol, livro que pertence à série ‘Cadernos de um Escritor’, consagrando a primeira parte do livro à Suécia e à Dinamarca, países em que o sol é algo que se reverencia com muito respeito, assim como se uma adoração fosse, convertendo o título em um emblema principal. A segunda parte dessas largas e profundas impressões de viagem recebe a contemplação russa do Mar Báltico, configurada na cidade de Leningrado, na Rússia. Exaltou seus museus, o gosto pela arte, os espetáculos, sem deixar de atribuir valor à longa espera a que eram obrigados a passar os que ali queriam entregar como se estivessem todos estigmatizados pela ilegalidade.
Essa crônica romanceada tem sabor de algo que haja sido observado de uma escotilha, pela perspicácia e objetividade, diagnosticando o que acontece em países altamente civilizados, ‘o mal do século’, ou seja, ‘a doença da abastança’, o que faz com que sua literatura cruze a fronteira da sociologia. Os tópicos desenvolvidos sobre a juventude na Escandinávia, os problemas quanto ao sexo, erotismo, e à pornografia, a estrutura social burguesa, mostram que o escritor se debruçou sobre os problemas que angustiaram o homem, pela poluição não causada pelo erotismo e sim pela pornografia.
Os jovens, ali, pensavam em construir uma sociedade na qual o sexo fosse puro, sem pecado e a contaminação alcançou-os pela pornografia. Mostra assim, com agudeza e serena capacidade para fazer diagnóstico de corpos e almas doentes que, apesar das transformações serem a marcha da história, ainda não estamos preparados para reutilizar os valores paradisíacos. Sua obra Casa da Malta é uma das obras primas da literatura portuguesa e documento importante da época em que foi publicado.
Seus primeiros documentos poéticos são reunidos em 1937 sob o título Relevos, e sob a epígrafe de Marketing, brinda o público leitor com suas poesias desenvolvidas entre 1959 e 1969, no qual perde o provincianismo ruralista e brinda-nos com o urbanismo. Porém é com Terra, que ingressa publicamente no grupo do Novo Cancioneiro, órgão do neo-realismo, apresentando poemas que provocam certa alteração do ritmo interior como deve ser o código poético.
Fonte:
MENDONÇA, F. A Literatura Portuguesa no século XX. Assis, SP: HUCITEC, FFCL de Assis, 1973.