Bioeletricidade

Por Rafael Barty Dextro

Mestre em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCAR, 2019)
Bacharel em Ciências Biológicas (UNIFESP, 2015)

Categorias: Bioquímica, Citologia, Fisiologia
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A bioeletricidade é o estudo dos fluxos elétricos produzidos no interior dos corpos dos seres vivos em diferentes porções e com funções particulares. Os nervos, por exemplo, transmitem comandos de ação e estímulo do sistema nervoso para todos os outros sistemas através de sinais bioelétricos que são essenciais para a manutenção da saúde e da homeostase. Enquanto a eletricidade comum, utilizada para fazer aparelhos eletrônicos funcionarem, ocorre através do movimento dos elétrons, a bioeletricidade está relacionada com a geração de corrente elétrica graças ao fluxo de íons carregados entre membranas ou células distintas.

A pele humana possui atividade bioelétrica constante. Seu potencial é baixo (na ordem de microvolts, mV) e sua capacidade condutora varia de acordo com o grau de hidratação, nível de estresse e quadros patológicos. A pele possui bioeletricidade graças a capacidade das células na epiderme internalizarem cátions (íons com carga positiva), fazendo com que o meio externo fique saturado com ânions (íons negativos). Esta diferença de potencial é conhecida como o a resistência galvânica da pele. A medição das correntes elétricas produzidas no corpo humano já é usada a muitas décadas pela medicina para diagnosticar doenças. Exames como eletrocardiogramas e eletroencefalogramas medem os potenciais bioelétricos na superfície da pele para mensurar os níveis de estímulos em órgãos específicos como o coração e o cérebro.

As células do sistema nervoso são conhecidas por sua capacidade de comunicação através de estímulos elétricos e químicos. Isto ocorre tanto entre neurônios como entre os nervos e as células musculares. Estímulos elétricos podem percorrer toda a extensão do corpo em menos de um segundo, induzindo contração muscular ou causando a liberação de substâncias (como hormônios) para regular funções corporais.

Concepção artística de um neurônio transmitindo impulsos elétricos por meio de seu axônio e dentritos. Ilustração: whitehoune / Shutterstock.com

Outras funções associadas a bioeletricidade já foram descritas em diferentes grupos animais. Sabe-se, por exemplo, que a capacidade regenerativa de tecidos em répteis e anfíbios está diretamente relacionada com estímulos elétricos. Nestes animais, gradientes de voltagem parecem ser capazes de direcionar o padrão de crescimento de células tronco multipotentes sem que haja remodelação ou edição do DNA. Experimentos com gírios mostraram o controle do fluxo dos íons H+ e Na+ como sendo crucial na geração de um potencial elétrico que estimula a regeneração de caudas completas, compostas por pele, músculos e cordão espinhal. O consenso geral é que as células envolvidas na reconstrução dos tecidos migram e se dividem em um sentido estabelecido por eletrostática, sendo o tecido danificado um polo carregado positivamente.

Estudos de biofísica demonstraram que a bioeletricidade da pele humana também está envolvida com os processos de reparo de machucados. Uma corrente elétrica direta se estabelece entre a pele e os tecidos mais profundos do corpo quando há danos superficiais, sendo que esta corrente unidirecional é interrompida quando o ferimento for reparado. Assim, nos locais feridos ocorre uma alteração do potencial elétrico normal, o que causa a atração de macrófagos, fibroblastos e induz a excreção de fatores de proliferação celular.

Mas recentemente, pesquisadores tem explorado o papel da comunicação elétrica celular como alvo potencial no combate ao câncer. Durante a metástase de tecidos cancerígenos há uma alteração no potencial bioelétrico, especificamente relacionado a despolarização do potencial de repouso. Radiação ultravioleta, medicamentos e indução de expressão gênica de canais iônicos pode levar a hiperpolarização das membranas, o que parece ter um efeito supressor de tumores. As descobertas da polarização de membrana também têm levado ao desenvolvimento de mecanismos de detecção de cânceres de forma não-invasiva, através da medição de potenciais elétricos de tecidos corporais alvo.

Referências:

Gardner, S.E., Frantz, R. A., Schmidt, F.L. Effect of electrical stimulation on chronic wound healing: a meta-analysis.  Wound Rep Reg 1999; 7: 495-503

Pullar, C. E. (2016). The physiology of bioelectricity in development, tissue regeneration and cancer. CRC Press.

Tseng, A. S., & Levin, M. (2012). Transducing bioelectric signals into epigenetic pathways during tadpole tail regeneration. The Anatomical Record: Advances in Integrative Anatomy and Evolutionary Biology295(10), 1541-1551.

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