O longo processo evolutivo originou uma variada gama de espécies e características distintas, dentre as quais pode-se destacar o sistema sonoro de localização de morcegos e alguns mamíferos marinhos, como uma das adaptações mais sofisticadas do reino animal. Denominado Ecolocalização, este mecanismo tornou-se fonte de inspiração para a criação de tecnologias empregadas por outros mamíferos: os seres humanos.
A ecolocalização consiste, basicamente, na utilização de ondas sonoras para identificação de objetos e outros seres vivos que possam estar “invisíveis” (i.e. muito pequenos), ou que encontrem-se situados à longas distâncias (i.e. fora do campo de visão do observador). Como consequência, esta ferramenta desempenha um papel essencial na orientação de seus portadores, auxiliando também em sua busca por alimento, além de cumprir um importante papel nas interações sociais entre mamíferos. Descrita como uma adaptação aos nichos ecológicos de baixa luminosidade, a ecolocalização está presente em mamíferos da ordem Cetacea que habitam águas turvas e profundas nos oceanos, assim como em morcegos e pequenos mamíferos similares a ratos (conhecidos em inglês como Shrew), ambos mais ativos durante o período noturno. Além destes mamíferos, este mecanismo de localização também já foi observado em alguns pássaros: Steatornis caripensis, conhecido popularmente como Guácharo, habita cavernas na América do Sul, enquanto que espécies dos gêneros Aerodramus e Collocalia são encontradas em cavernas na Ásia e Austrália.
Como funciona
Em geral, a ecolocalização (ou bio-sonar) consiste na produção de som e recepção de ecos, criados a partir do encontro com objetos e outros seres vivos (geralmente presas). Através da comparação entre o pulso de saída (o som emitido pelo animal) e seus ecos (versões modificadas do pulso), o cérebro consegue produzir imagens do ambiente. A precisão deste mecanismo é tão alta, que permite não só a localização do alvo, como também indica sua distância e direção em relação ao observador: a primeira seria determinada pela diferença de tempo entre a emissão do som e o eco de retorno, enquanto que a direção do objeto pode ser determinada em ambos os planos vertical e horizontal, através da diferença de intensidade do som que chega em cada ouvido. A potência do eco também permite inferências sobre o tamanho do objeto, e alterações em sua frequência (i.e. picos e quedas) podem informar sobre a textura de superfície do ambiente.
Apesar do funcionamento básico do sistema ser igual em todos os animais que utilizam a ecolocalização, certas diferenças podem ser encontradas entre grupos. As espécies que utilizam este mecanismo emitem pulsos curtos em frequências relativamente altas, que variam de 1.000 Hz em pássaros até 200.000 Hz em baleias; os morcegos, por outro lado, emitem sons entre 30.000 e 120.000 Hz. Os pulsos de frequência também variam de acordo com a atividade exercida por estes animais: em um simples voo, os morcegos geralmente emitem 1 pulso por segundo, enquanto que durante a caça de alimento, este pode alcançar até 100 repetições no mesmo intervalo de tempo.
Na ordem dos Cetáceos, apenas as baleias da subordem Odontoceti (i.e. baleias com dentes) utilizam a ecolocalização; em relação aos morcegos, todas as espécies da subordem Microchiroptera (i.e. morcegos pequenos; insetívoros) e do gênero Rousettus (i.e. morcegos grandes; frutíferos) possuem este sistema. Tanto as baleias quanto os morcegos produzem os sons a partir da laringe, e nos cetáceos um sistema complexo de cavidades (incluindo o espiráculo) também auxilia nesta produção. Os morcegos utilizam este sistema principalmente para detectar pequenas presas como traças, emitindo sons de alta frequência (80.000 Hz), enquanto que os cetáceos produzem uma série de cliques rápidos que podem variar entre 50.000 a 200.000 Hz. Estes mamíferos marinhos utilizam a ecolocalização principalmente para navegação, comunicação e caça, e as altas frequências dos sons emitidos estão relacionadas à velocidade do som na água, cinco vezes maior do que no ar; desta forma, o comprimento das ondas sonoras é maior na água, sendo necessária uma frequência mais alta (i.e. ondas sonoras mais curtas), para que não haja distorção nos sons produzidos. Nestes animais, os cliques são gerados em uma série de passagens interconectadas situadas atrás do melão, órgão que atua como lente, ampliando e direcionando o som produzido pelos Odontocetos. Quando o eco retorna, é receptado por outro órgão, situado na mandíbula inferior destes mamíferos, sendo então conduzido até seu ouvido, gerando uma imagem no cérebro destes animais; após este processo, outro clique é produzido, dando sequência ao mecanismo de ecolocalização. Os morcegos, por outro lado, apresentam orelhas grandes e altamente sensíveis que recebem os ecos de retorno. Entretanto, estes animais apresentam um comportamento seletivo em relação aos ruídos captados, não respondendo a sons de frequência menor que 10.000 Hz.
Uso pelos humanos
Inspirados pelo trabalho do zoologista Donald Griffin, que documentou a ecolocalização em morcegos, cientistas desenvolveram a ecolocalização artificial, criando dispositivos que revolucionaram a aeronáutica, marinha e medicina. O radar, encontrado em aviões e aeroportos, utiliza ondas eletromagnéticas para detectar objetos à longas distâncias, enquanto os sonares, presentes em navios e submarinos, fazem uso de ondas infra a ultrassônicas. Os aparelhos de ultrassonografia, por sua vez, operam apenas em frequências ultrassônicas, e contribuem para diagnósticos e tratamentos médicos.
Referências bibliográficas:
Biologia Marinha. Pereira, R. C., & Soares-Gomes, A. (2002). Rio de Janeiro: Interciência, 2, 608.
Brinkløv, S.; Fenton, M. B.; Ratcliffe, J. M. (2013). Echolocation in Oilbirds and swiftlets. Frontiers in physiology, 4.
Cell Press. Current Biology, vol. 15 (3): http://www.cell.com/current-biology/pdf/S0960-9822(05)00686-X.pdf