Percorrendo longas (ou curtas) distâncias ao redor do globo, os peixes migratórios são movidos por um importante propósito: garantir a sobrevivência e continuidade de suas populações.
Na natureza é possível observar diferentes padrões de migração exibidos pelos animais: no ambiente terrestre, pode-se citar os lemingues, que formam grandes grupos migratórios, enquanto no ar, as aves representam a classe animal migratória dominante, deslocando-se por longas distâncias para escapar de condições ambientais severas, se reproduzir e procurar novas fontes de alimentação. No ambiente aquático, os peixes sobressaem como um dos mais importantes grupos migratórios, ao lado de grandes mamíferos como baleias e golfinhos.
Diversas espécies de peixe são conhecidas por seu comportamento migratório, dentre as quais destaca-se o salmão. Estes animais chegam a migrar por até 5500 km entre suas zonas de alimentação (nos oceanos) e desova (na cabeceira de rios e lagos), movimentos que ocorrem entre as costas leste e oeste dos oceanos Atlântico e Pacífico. Quando iniciam sua jornada em ambientes dulcícolas, estes peixes interrompem sua alimentação, utilizando-se apenas das reservas energéticas para enfrentar as correntes ribeirinhas rumo à nascente dos rios, onde depositam seus ovos. Em alguns casos, o desgaste por causa de tais migrações é tão grande, que algumas espécies como o salmão do Pacífico, perecem logo após a desova.
As distâncias percorridas pelos peixes migratórios podem variar: espécies como o salmão, a truta e o dourado, são caracterizadas como migradores de longa distância (acima de 100 km), enquanto lambaris, tabaranas e grande parte das espécies tropicais de água doce, percorrem distâncias mais curtas (até 100 km) para realizar a desova. Além disso, as migrações realizadas pelos peixes podem ser sazonais, anuais ou até mesmo diárias (verticalmente na coluna d’água). Embora grandes distâncias não sejam o principal obstáculo deste último tipo de deslocamento, espécies que migram verticalmente enfrentam mudanças de densidade na camada d’água, incluindo a presença de termoclina.
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Por que os peixes migram?
Em geral, os peixes migram com fins reprodutivos, alimentares ou para escapar de condições ambientais severas e predadores. Em relação aos deslocamentos reprodutivos, pode-se citar a Piracema (em tupi, subida do rio), processo que apresenta grande significado biológico para os peixes. É durante esta migração que as gônadas sexuais (testículos e ovários) se desenvolvem e a maturação dos gametas ocorre, através da influência de dois fatores: a disposição genética e parâmetros abióticos como luminosidade, temperatura, hidrologia e qualidade d’água. Os estímulos ambientais são considerados, inclusive, importantes gatilhos dos processos de vitelogênese (incorporação de vitelo nos óvulos femininos) e ovulação das espécies.
Em relação à alimentação e fuga de predadores, cientistas observaram migrações diárias de algumas espécies de peixe, como forma de potencializar a partição de nicho em um mesmo ambiente, visto que diferentes espécies poderiam utilizar os mesmos recursos em períodos distintos do dia, além de utilizar a maior/menor incidência de luz como uma estratégia para evitar predadores. Desta forma, migrações alimentares não estariam relacionadas exclusivamente à escassez de alimentos.
Classificação dos peixes migratórios
A migração dos peixes é um fenômeno biologicamente complexo, para o qual foram adaptadas diferentes estratégias. Desta forma, com base no deslocamento realizado pelas espécies, estas podem ser classificadas em:
- anádromas: quando permanecem em regiões marinhas pela maior parte de seu crescimento e desenvolvimento (período de recrutamento), retornando ao ambiente dulcícola para efetuar a desova (ex. salmão);
- semi-anádromas (ex. Tenualosa toll): quando apresentam ciclo similar às espécies anádromas, porém não adentram rios para realizar a desova, que ocorre em regiões menos salinas de estuários (alto-estuário);
- catádromas: quando habitam ecossistemas dulcícolas durante a maior parte de seu ciclo de vida, migrando para áreas oceânicas em época de desova (ex. Anguilla mossambica);
- semi-catádromas: caracterizadas pelo crescimento e desenvolvimento (recrutamento) em água doce, e desova em áreas salinas de estuários (baixo-estuário; ex.: Lates calcarifer).
Os peixes migratórios também podem ser classificados como anfídromos, quando deslocam-se entre rios e oceanos, movimentando-se independentemente da temporada reprodutiva (ex.: Sardinella melanura); pomatódromos, quando seus movimentos encontram-se restritos à água doce (ex.: Tilápia); e, por fim, oceanódromos, quando as migrações restringem-se ao ambiente marinho (ex.: Lutjanus colorado).
Histórico e ameaças
No Brasil, os primeiros registros científicos relacionados à migração de peixes foram realizados entre 1927-1929 por Rodolpho Von Ihering, no rio Mogi Guaçu. Neste mesmo rio, na década de 1950, novas marcações em grande escala foram efetuadas pelos ictiólogos Manuel Pereira de Godoy e Otto Schubart, em espécies como o curimbatá e o dourado, entre outras. De lá para cá, várias metodologias surgiram para registrar o fluxo migratório de peixes, entre as quais pode-se citar a radiotelemetria, sistema de rastreamento que transmite informações através de um radiotransmissor implantado no peixe.
As migrações consistem em eventos extremamente importantes e energeticamente custosos para os peixes, que, além de superar inúmeros obstáculos naturais, também precisam enfrentar desafios impostos pelo homem, dentre os quais destaca-se a fragmentação e a perda de hábitat resultante de alterações antrópicas no ambiente natural (ex.: barragens, construções, dragagens, plataformas de petróleo, etc). A instalação de barragens para criação de reservatórios em hidrelétricas representa um sério problema para a ictiofauna brasileira, levando o governo a adotar uma série de leis a fim de mitigar os efeitos desses empreendimentos sobre a biodiversidade. Entre estas, tornou-se obrigatória a implantação de sistemas de transposição nas barragens, ajudando a assegurar as migrações e, portanto, a continuidade das populações de peixes, que representam uma importante fonte alimentar e de renda para populações ribeirinhas (pesca artesanal).
Referências bibliográficas:
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Elliott, M.; Whitfield, A. K.; Potter, I. C.; Blaber, S. J.; Cyrus, D. P.; Nordlie, F. G.; Harrison, T. D. (2007). The guild approach to categorizing estuarine fish assemblages: a global review. Fish and Fisheries, 8(3), 241-268.
Scientific American Brasil: Piracema. Disponível em: http://www.umc.br/artigoscientificos/art-cient-0089.pdf
Vasconcellos, R. M.; Araújo, F. G.; De Sousa Santos, J. N.; De Araújo Silva, M. (2010). Short‐term dynamics in fish assemblage structure on a sheltered sandy beach in Guanabara Bay, Southeastern Brazil. Marine Ecology, 31(3), 506-519.