A fase prebiótica da Terra não durou muito tempo na história do planeta - apenas 500 milhões de anos - mas nesse tempo todas as moléculas necessárias para o metabolismo, a propagação de informação em um gene primordial e a auto-montagem de uma membrana para a protocélula ficaram disponíveis. Isso mostra que o ambiente químico prebiótico era complexo, com o planeta fornecendo as condições ideais em sua superfície para a geração de moléculas necessárias à vida. São condições muito mais favoráveis do que as no meio interestelar para essa geração, como temperatura, densidade, água no estado líquido, relâmpagos e atividade vulcânica. A Terra prebiótica pode ser tratada como um sistema aberto, em que energia e matéria estão sendo continuamente adicionadas - mas ainda assim em equilíbrio térmico local.
Existem duas teorias acerca da produção de todas as moléculas necessárias à vida durante a fase prebiótica. Uma delas se baseia em uma produção exógena das mesmas, ou seja, que as moléculas prebióticas já são formadas em meteoróides e que os mesmos enriqueceram a Terra com elas ao caírem na mesma. Esta teoria é fundamentada principalmente nas análises orgânicas de meteoritos e no fato de que a taxa de queda desses corpos na Terra era muito grande naquela época.
A segunda teoria se baseia em uma produção endógena das moléculas prebióticas, assumindo que elas foram sintetizadas em larga escala no planeta. A primeira e mais conhecida evidência para esse tipo de produção é o Experimento de Urey-Miller (Figura 1), no qual moléculas necessárias à vida foram formadas a partir de uma mistura de gases que se acreditava representar a atmosfera primordial da Terra.
Urey e Miller partiram do pressuposto de que a atmosfera primordial deveria ser livre de oxigênio e teria uma composição parecida com a de Júpiter, formada principalmente por H2, CH4 e NH3, além de vapor d’água: uma atmosfera redutora. Das principais fontes de energia - radiação solar, relâmpagos e atividade vulcânica - os dois cientistas simularam inicialmente apenas os relâmpagos, utilizando descargas elétricas na mistura dos gases. O resultado foi a produção de todos os 20 tipos de aminoácidos, além de hidroxiácidos, pequenos ácidos alifáticos, uréia e outras moléculas orgânicas - todas importantes para a vida.
A formação de aminoácidos no Experimento de Urey-Miller é quase certamente via Síntese de Strecker (Figura 2). Nela, um aldeído reage inicialmente com NH3 para dar um intermediário imina, no qual depois é adicionado HCN em uma adição nucleofílica. A α-amino nitrila resultante sofre hidrólise, com a formação de uma carboxila no lugar do grupamento nitrila, completando então a síntese. O mecanismo mostra que os aminoácidos não são formados a partir da descarga elétrica, mas sim em reações que ocorrem após a condensação da água. Ou seja, por esse processo, haveria um acúmulo de aminoácidos nos oceanos ao longo do tempo. Dessa forma, a produção de aminoácidos parece ser simples tanto na teoria exógena quanto na endógena.
Entretanto, o modelo mais atual da atmosfera primitiva mostra que a mesma não seria tão redutora quanto a simulada por Urey e Miller. Primeiramente, o experimento não levou em conta as emissões de gases a partir da atividade vulcânica. Na década de 80, foi proposto que a atmosfera primordial seria composta de CO2, N2, H2O e menores quantidades de CO e H2. Além disso, o H2 é um gás leve, sendo então gradualmente perdido pelo planeta. Por outro lado, naquela época a luminosidade do Sol era cerca de 25% menor que a atual. Sem um grande efeito estufa, haveria um congelamento dos oceanos. Esse fato fez com que o nível previsto de CO2 na atmosfera primordial aumentasse drasticamente. E utilizando essa nova mistura, a produção de aminoácidos e outras moléculas prebióticas foi bem menor, o que comprometeu bastante a teoria endógena.
Por fim, em 2005, De Sterck e colaboradores mostraram que o escape do H2 da atmosfera primordial deve ter acontecido duas ordens de grandeza mais devagar que o proposto anteriormente. O balanço entre o escape de H2 e a emissão do mesmo gás pelos vulcões e oceanos manteve a concentração do gás em cerca de 30%. Com essa atmosfera, a produção de moléculas prebióticas de forma endógena volta a ser considerável.
Referências
[1] Shaw, A. Astrochemistry: From Astronomy to Astrobiology. Ed. Wiley and Sons, Inglaterra, 2006.
[2] Tian, F., Toon, O. B., Pavlov A. A. & De Sterck, H. A Hydrogen-Rich Early Earth Atmosphere. Science, 308, 1014, 2005.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/biologia/quimica-prebiotica/