Teoria da recapitulação

Por Júlia de Almeida Costa Montesanti

Mestre em Ecologia e Evolução (Unifesp, 2015)
Graduada em Ciências Biológicas (Unifesp, 2013)

Categorias: Evolução
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A teoria da recapitulação, hoje desacreditada, postula que a série de transformações pelas quais um organismo passa desde sua origem até a fase adulta, a ontogenia, corresponde (recapitula) à filogenia da espécie, isto é, a sua história evolutiva. “A ontogenia recapitula a filogenia” é uma expressão bastante conhecida que resume esta teoria.

Embora diversos cientistas já tivessem feito conexões entre desenvolvimento e evolução anteriormente (como Fritz Müller) e diversas variações da teoria da recapitulação já tenham sido propostas, ela é atribuída especialmente ao biólogo alemão Ernst Haeckel, que propôs a chamada lei da biogenética em 1866, inspirado ainda pelas ideias de Charles Darwin no livro A origem das espécies, que destacou as similaridades entre os embriões de diferentes espécies como evidências de sua ancestralidade comum. Apesar dessa influencia de Darwin, Haeckel, interpretou as evidências de maneira distinta e via o processo evolutivo como progressivo, partindo de organismos inferiores para superiores. Para ele, os estágios embrionários das espécies que existem atualmente representariam os organismos adultos de seus ancestrais e a evolução ocorreria pelo acréscimo sucessivo de novos estágios no final do desenvolvimento.

Um exemplo bastante utilizado para ilustrar esta teoria são estruturas presentes em determinados estágios embrionários de seres humanos que não estão presentes nos organismos adultos. Ao longo de seu desenvolvimento embrionário, seres humanos (e outros mamíferos) desenvolvem estruturas transitórias que se assemelham a fendas branquiais. Mamíferos e, naturalmente, seres humanos possuem um ancestral comum com os peixes e, segundo a teoria da recapitulação, a aparência transitória de fendas branquiais ao longo do desenvolvimento embrionário dos seres humanos seria um reflexo de sua evolução a partir de um estágio ancestral de peixe.

No entanto, embora existam casos em que estruturas perdidas durante o processo evolutivo estão presentes em determinados estágios do desenvolvimento embrionário, isso não é uma regra. Isto é, não há uma correspondência exata entre a filogenia e a ontogenia, portanto a recapitulação não deve ser tratada como uma lei. Os estágios de desenvolvimento de uma galinha ‒ que assim como os mamíferos compartilham um ancestral comum com os peixes ‒ não correspondem às formas de seus ancestrais adultos como se esperaria pela teoria da recapitulação.

Outro exemplo que contraria a teoria da recapitulação é o axolote mexicano (Ambystoma mexicanum). Esta espécie chega à maturidade sexual num estágio de desenvolvimento que seria anterior ao esperado: diferentemente da maioria das salamandras, que na fase adulta desenvolvem pulmões e possuem hábitos terrestres, os axolotes permanecem na água e preservam suas brânquias para a respiração. Por “descartar” passos da ontogenia, o axolote enfraquece a ideia de evolução atuando sempre por acréscimo de novos estágios ao final do desenvolvimento.

Haeckel, em suas comparações entre embriões de diferentes espécies, se ateve muito mais às semelhanças e ignorou diferenças marcantes, fato que contribuiu para que sua teoria fosse bastante criticada. Além disso, foi acusado de alterar seus desenhos para apoiar sua teoria, omitindo, entre outras características, membros nos primeiros estágios de desenvolvimento de equidnas para que se assemelhassem a outras espécies de mamíferos.

Referências:

Ernst Haeckel's Biogenetic Law (1866). The Embryo Project Encyclopedia. 2014.

Evolução e Desenvolvimento primitivos: Ernst Haeckel (1/2). Entendendo a Evolução - IB-USP.

Ontogenia e Filogenia. Entendendo a Evolução - IB-USP.

Ontogeny and Phylogeny (1977), by Stephen Jay Gould. The Embryo Project Encyclopedia. 2014.

Parceiro de Charles Darwin. Scientific American. 2009.

Ridley, Mark. Evolução. 3ª Edição. Porto Alegre: Artmed. 2006

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