Tipos de sistemas circulatórios

Por Rafael Barty Dextro

Mestre em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCAR, 2019)
Bacharel em Ciências Biológicas (UNIFESP, 2015)

Categorias: Anatomia animal, Sistema Circulatório
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O sistema circulatório é aquele especializado no transporte de nutrientes, gases e resíduos metabólicos através do corpo. Ele varia grandemente dentre os animais, especialmente em relação a sua formação, organização e complexidade.

Organismos sem sistema circulatório

Todos os organismos marinhos simples, como esponjas e rotíferos, não possuem sistema circulatório. Esses animais não possuem tecidos ou órgãos verdadeiros, tendo seus corpos formados simplesmente por poucas camadas de células. Assim, o fluxo de água no oceano é o suficiente para banhar suas células através da difusão, irrigando-as com oxigênio e nutrientes, além de carrear para longe as excretas. A difusão é um processo físico que ocorre a nível celular, baseado em gradientes de concentração. Deste modo, as moléculas se movem de um meio mais concentrado para um menos concentrado, atingindo um equilíbrio dinâmico. Os Filos Porífera (esponjas), Cnidária (hidras, medusas, corais e anêmonas) e Ctenophora (águas-vivas) representam esse tipo de animal, com plano corporal simples e que consegue sobreviver sem um sistema especifico de circulação de substâncias graças ao fluxo de água externo que banha suas células.

Os demais grupos de animais, com maior complexidade corporal, possuem distintos modos de transportar gases e nutrientes em seu corpo. O filo Platyhelminthes (vermes achatados) representado pelas planárias, não possui sistema circulatório diferenciado. Em sua embriologia, estes animais são acelomados, ou seja, não possuem cavidades no interior de seus corpos, apresentando somente células mesodérmicas que formam uma matriz de preenchimento entre a epiderme e o sistema gastrointestinal. Essa matriz é o parênquima, tecido que facilita a difusão de nutrientes absorvidos na alimentação para o corpo todo. Conforme os planos corporais dos animais multicelulares se tornam mais complexos, o surgimento de cavidades corporais que suportam a formação de tecidos específicos requer a formação de um sistema circulatório para nutrir todas as células de maneira igualitária.

O Filo Nematoda, constituído por vermes cilíndricos, possui um pseudoceloma corporal, que são uma série de cavidades preenchidas por fluido extracelular responsáveis pelo fluxo de nutrientes e gases entre os tecidos. O surgimento do celoma é o marco evolutivo para a formação do sistema circulatório. Esta cavidade corporal permite o desenvolvimento de órgãos e sistemas, irrigados através da circulação. Os animais passam a ter algum fluído circulatório característico e coração, um órgão responsável por bombear estes fluídos pelo corpo.

Sistema circulatório aberto

O sistema circulatório dos animais é categorizado em aberto ou fechado. O sistema circulatório aberto ocorre em animais invertebrados, como insetos, crustáceos e moluscos não-cefalópodes. Nestes organismos, o celoma tem uma origem embrionária distinta daquela dos vertebrados, se formando através da migração de massas de células do mesoderma. No sistema aberto, o fluído é bombeado de um ou mais corações para o interior de cavidades corporais (chamadas hemoceles) que banham os órgãos. Como existe a mistura entre fluído sanguíneo e líquido extracelular, o “sangue” recebe o nome de hemolinfa. O movimento corporal faz com que a hemolinfa se mova em todas as direções, nutrindo todos os tecidos. Aberturas cardíacas nomeadas óstios permitem o retorno da hemolinfa para o coração, que bate de maneira sincronizada e rítmica. Como a hemocele não possui musculatura lisa associada, o fluxo de hemolinfa é lento e de baixa pressão, o que explica o movimento vagaroso de crustáceos e lesmas. Todavia, insetos conseguem manter uma alta taxa metabólica deslocando-se com rapidez, pois sua hemolinfa não transporta oxigênio, apenas nutrientes e resíduos do metabolismo. O sistema respiratório traqueal dos insetos permite a oxigenação efetiva de todos os tecidos através de dutos microscópicos ao longo do corpo. Em invertebrados de grande tamanho corporal, como as lagostas, podem ser encontrados vasos similares a artérias que carreiam a hemolinfa para as extremidades do corpo. A hemolinfa pode possuir uma série de pigmentos responsáveis pelo transporte de oxigênio, dependendo do grupo animal. Em artrópodes e moluscos, por exemplo, pode ser encontrada a hemocianina, um pigmento azulado que, diferentemente da hemoglobina, possui átomos de cobre em sua estrutura.

O Filo Echinodermata, composto por pepinos-do-mar, estrelas-do-mar e ouriços, representa uma exceção no reino animal quanto ao sistema circulatório. Apesar de serem organismos celomados, eles não possuem sistema circulatório diferenciado. O transporte de nutrientes e de excretas é realizado através do sistema ambulacrário ou hidrovascular, no qual um canal circular central se conecta a canais radiais que possuem ampolas em contato direto com os tecidos do corpo. Este sistema também é responsável por auxiliar na movimentação do corpo e na percepção sensorial do meio ambiente.

Sistema circulatório fechado

Os animais com sistema circulatório fechado possuem vasos responsáveis por transportar os fluídos, sem que estes saiam dos vasos. O fluxo, neste caso, ocorre com maior pressão e velocidade e de modo unidirecional cíclico (do coração para o corpo e de volta para o coração). Este tipo de sistema circulatório é encontrado em anelídeos, moluscos cefalópodes (lulas e polvos) e nos vertebrados, onde o celoma se forma de dobras embrionárias e ocorrem cavidades corporais verdadeiras. Os vasos sanguíneos possuem um endotélio fino que permite a passagem de nutrientes e gases. Além disso, suas paredes possuem tecido elástico e musculatura, contribuindo para a movimentação continua do fluído em seu interior. O filo Annelida diferencia-se dos demais por apresentar uma série de “corações” ou arcos aórticos paralelos ao longo do corpo do animal. Cada metâmero, ou subunidade corporal, apresenta um destes arcos. O movimento do sangue ocorre de modo peristáltico, caracterizando também o movimento destes seres, como nas minhocas. Seu sangue apresenta hemoeritrina ao invés de hemoglobina. Apesar deste pigmento sanguíneo também possuir em sua estrutura átomos de ferro como captadores de O2 (o que lhe concede coloração avermelhada), ele é menos eficiente que a hemoglobina.

Nos vertebrados, o sistema circulatório fechado pode ser simples ou duplo.

Em peixes, por exemplo, o sangue flui através de um circuito simples único, em que o coração bombeia o sangue pobre em oxigênio para as guelras, onde este é reoxigenado e redirecionado para nutrir o corpo, voltando ao coração. A anatomia cardíaca dos peixes contribui para este circuito circulatório simples, pois seu coração é constituído apenas por um átrio e um ventrículo.

Sistema circulatório dos peixes. Ilustração: OpenStax.org / CC-BY 4.0

Em aves, repteis crocodilianos e mamíferos, nos quais o coração possui 4 cavidades distintas (átrios direito e esquerdo e ventrículos direto e esquerdo) ocorrem dois circuitos circulatórios: o pulmonar e o sistêmico. No primeiro, o sangue que vem do corpo, chamado venoso (pobre em O2), entra pelo átrio direito, passa para o ventrículo direito e é bombeado para os pulmões através das artérias pulmonares. Nos capilares dos alvéolos pulmonares ocorre a troca gasosa, liberando CO2 e captando oxigênio. O segundo circuito sanguíneo se inicia quando esse sangue rico em O2 (ou arterial), retorna para o átrio esquerdo através das veias pulmonares. Ele segue para o ventrículo esquerdo e depois é bombeado para todo o corpo através da aorta e das artérias de grande calibre. Este é o fluxo que irá prover nutrientes e oxigênio para todas as células do corpo, por isso esse circuito é nomeado sistêmico.

Sistema circulatório dos mamíferos. Observe as quatro cavidades do coração e separação completa do sangue venoso e arterial. Ilustração: OpenStax.org / CC-BY 4.0

No caso de anfíbios e repteis não-crocodilianos, o coração possui 3 cavidades: um ventrículo e dois átrios. Deste modo, ocorre mistura entre os sangues venoso e arterial e como consequência estes animais possuem menor eficiência respiratória e de potencial físico. É importante destacar, no entanto, que répteis não-crocodilianos possuem um septo no interior do ventrículo, reduzindo consideravelmente esta mistura.

Sistema circulatório dos anfíbios. Ilustração: OpenStax.org / CC-BY 4.0

Sistema circulatório de répteis não-crocodilianos. Observe a presença de um septo no coração, que quase divide os ventrículos totalmente. Ilustração: OpenStax.org / CC-BY 4.0

Todos os vertebrados possuem seu sistema circulatório formado por coração, veias, artérias e capilares sanguíneos. O coração é o órgão central, responsável pelo bombeamento ritmado do sangue. As veias e artérias são os vasos sanguíneos de maior calibre, diferindo entre si pela sua composição e função. Enquanto as veias são mais elásticas, as artérias possuem mais musculatura associada a suas paredes. Além disso, veias transportam o sangue venoso, pobre em oxigênio e repleto de resíduos metabólicos, enquanto que as artérias carregam o sangue arterial, rico em O2 e nutrientes. Normalmente, as artérias mantem um fluxo interno sob maior velocidade e pressão. Por fim, os capilares são os vasos de menor calibre, responsável pela troca efetiva de gases e substâncias. Eles estão presentes em todos os tecidos e órgãos e irrigam abundantemente a pele, o tecido mais superficial do corpo.

O sangue dos vertebrados é composto por plasma (porção liquida que contêm proteínas, glicose, lipídios, fatores coagulantes, eletrólitos e hormônios) e pelas células sanguíneas das séries branca (sistema imunológico) e da série vermelha. As hemácias transportam o oxigênio graças a presença da hemoglobina, molécula que contem ferro e colore o sangue de vermelho. As hemácias de peixes, anfíbios, aves, répteis e alguns mamíferos (como do camelo) são nucleadas, possuindo material genético. Neste caso, essas células são capazes de se dividir por mitose, diferentemente das hemácias humanas e dos demais mamíferos, que são anucleadas e se originam da divisão de células da medula óssea. A vantagem das hemácias anucleadas se dá pelo fato de que estas utilizam um metabolismo anaeróbio para produzir ATP, o que lhes permite ser mais eficientes no transporte de gases do que as hemácias nucleadas.

Referências:

Bourne, G. B., Redmond, J. R., & Jorgensen, D. D. (1990). Dynamics of the molluscan circulatory system: open versus closed. Physiological Zoology63(1), 140-166.

Mayr, E. (1969). Principles of systematic zoology. Principles of systematic zoology.

Monahan‐Earley, R., Dvorak, A. M., & Aird, W. C. (2013). Evolutionary origins of the blood vascular system and endothelium. Journal of Thrombosis and Haemostasis11, 46-66.

Schmidt-Nielsen, K. (1997). Animal physiology: adaptation and environment. Cambridge University Press.

Snyder, G. K., & Sheafor, B. A. (1999). Red blood cells: centerpiece in the evolution of the vertebrate circulatory system. American zoologist39(2), 189-198.

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