Catarismo

Por Ana Lucia Santana
Categorias: Cristianismo
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O catarismo foi uma seita medieval cristã condenada pela Igreja Católica, que a considerava uma perigosa heresia. Proveniente do grego katharos, com o sentido de ‘puro’, nasceu no sudoeste da França, na região do Languedoc, mais precisamente no Limousin, em fins do século XI. Seus integrantes, os cátaros, exercitavam um sincretismo religioso, mesclando princípios cristãos, gnósticos e maniqueístas, na prática de uma vida ascética radical.

Este grupo era essencialmente dualista, cultivando a oposição entre espírito e matéria, bem e mal. Embora seus adeptos, incluindo alguns nobres, não oferecessem riscos a ninguém, pois eram partidários da paz, foram perseguidos implacavelmente pelo clero católico, que não suportava versões alternativas dos ensinamentos evangélicos tradicionais. Assim, esta suposta heresia foi condenada pelo Papa Inocêncio III, durante o 4º Concílio Lateranense, em 1215. Logo depois, foi aprovada a incursão da Cruzada Albigense contra eles, a qual foi decretada na cidade de Albi e exterminou praticamente todos os participantes deste movimento, com a cruel contribuição da Inquisição, oficializada em 1233.

A influência dos cátaros no Languedoc, que já se expandia para outros recantos da Europa, ameaçava a hegemonia da Igreja Católica, que temia ser substituída pelo catarismo. Estudiosos do Vaticano consideram este grupo como o mais poderoso que a Igreja já enfrentou antes do advento da Reforma. Eles recusavam os sacramentos católicos e consideravam como ato religioso válido apenas o batismo do espírito, conhecido como consolamentum. Os que se submetiam a este ritual eram chamados de ‘perfeitos’, praticavam uma austera castidade e tanto homens como mulheres podiam receber esta dádiva cristã.

Já os crentes eram considerados ‘homens bons’, e detinham responsabilidades menos severas. Estes tinham o direito de obter o consolamentum no instante da morte. Embora aparentemente houvesse uma certa hierarquia, qualquer um disposto a vivenciar estados de consciência transcendentes e seguir as regras necessárias para se tornar ‘perfeito’, podia conquistar este grau, não havendo outros pré-requisitos.

Quase tudo que hoje se conhece sobre o catarismo tem como fontes documentos da Igreja, e não são, portanto, objetivos como deveriam ser os textos históricos. Sabe-se que eles eram reencarnacionistas, panteístas, acreditavam em Deus como um ser não só masculino, mas também feminino, uma entidade que transcende a compreensão do homem, concepção essencialmente platônica e pitagórica. Como o Homem é criatura divina, a duplicidade masculino-feminino é essencialmente complementar, ou seja, estes pólos não se opõem. Eles seguiam particularmente o Evangelho de João e outro texto – alguns supõem que este seja, na verdade, a própria obra de São João -, conhecido como o Evangelho do Amor.

Para os cátaros, era importante a fé como vivência mística sem intermediários, coroada pela prática evangélica. Assim, promoveram um intenso trabalho social na época em que viveram, sendo por isso muito admirados pela população local. A comunhão mística do catarismo, intrinsecamente transpessoal, era celebrada como uma gnosis, ‘conhecimento’ em grego. Desta forma, esta experiência direta dispensava a existência de um clero, de uma hierarquia. Daí este culto ser tão temido pela Igreja.

Dizem algumas lendas que os cátaros detinham a posse do Santo Graal e que, perseguidos por seus inimigos, alguns conseguiram escapar e levaram consigo o cálice sagrado. O território de Rennes-le-Château, também atingido pelo sangue cátaro, foi palco de um desdobramento destas histórias lendárias, através do sacerdote Bérenger Sauniére. Este padre, estudioso da cultura cátara, conhecedor destas narrativas sobre o Graal, entrou em contato com vários documentos que se referiam a este culto, e então deu início a uma verdadeira onda de pesquisas e estudos com o objetivo de distinguir o que é do campo da lenda e o que é real nestes relatos.

Apesar dos esforços da Igreja, o catarismo nunca esteve tão vivo. Os cátaros vivem até hoje, graças à preservação dos seus ensinamentos e da sua história, pois quando se insiste em contar e recontar sua jornada existencial, a memória de seus feitos revive. Assim sendo, eles permanecem mais que nunca atuantes no cenário religioso, com seus conhecimentos, seus testemunhos, sua prática do Cristianismo puro.

Quanto à intolerância e ao fanatismo, Voltaire é genial quando afirma:

"On entend par fanatisme, une folie religieuse, sombre et cruelle; c'est une maladie qui se gagne comme la petite vérole."
Voltaire

Vejo o fanatismo como uma festa religiosa sombria e cruel; é uma doença que se propaga como a varíola”. (livre tradução)
Voltaire

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