A palavra "heresia" provém da expressão grega haíresis, significando ‘escolha’. Portanto, escolher uma postura diferente da assumida por uma doutrina oficial, negar os seus principais dogmas, constitui uma heresia. O Cristianismo já foi, por sua vez, considerado uma heresia, no momento em que ainda predominavam os cultos religiosos romanos, que professavam o Paganismo, então oficializado pelo Governo de Roma.
No interior da religião cristã, toda recusa de princípios supostamente revelados pelos Evangelhos, transformados em verdades inegáveis, é concebida como herética, tais como a virgindade de Maria, Jesus considerado como Deus e a existência do Espírito Santo, cristalizados como dogmas pela Igreja Apostólica Romana. Porém, é preciso compreender que não só o Catolicismo acusou os adversários de hereges, mas qualquer religião cristã cujos postulados básicos são contestados elege os seus heréticos.
As heresias surgem sempre quando brota uma atmosfera de inquietação espiritual, contexto propício para os questionamentos, críticas e o nascimento de novos conceitos. Sob o ângulo católico, de acordo com seu Direito Canônico, aqueles que foram batizados no seio da Igreja e passam a rejeitar os axiomas que ela defende como revelações divinas, são interpretados como hereges. Estes são distintos dos cismáticos – grupo de crentes que se nega a aceitar o poder papal -, embora se confundam de certa forma com eles, pois a não aceitação da autoridade do chefe da Igreja define em si mesma uma heresia. Já o apóstata é o que abjura de sua fé, deixa de ser cristão, enquanto os outros continuam a seguir os ensinamentos de Jesus, apenas interpretados de forma diversa por eles.
No Cristianismo sempre houve um desejo muito forte de manter a unidade, mas na verdade nem mesmo durante a perseguição aos cristãos existia essa uniformidade. Grupos já divergiam quanto à interpretação dos preceitos legados por Jesus e também com relação às regras que deveriam pautar a estruturação de sua Igreja, a qual deveria congregar todos os crentes em torno de si e da figura do apóstolo Pedro, o primeiro Papa. Várias associações em Roma, no Oriente e no Norte da África, sob o poder de outras filosofias espirituais, como o helenismo, o zoroastrismo e outras crenças, desejavam moldar o Cristianismo a sua maneira, como uma espécie de sincretismo religioso precoce. Entre eles, a gnose instituída por Marcion, considerado o primeiro crítico da Bíblia; o Donatismo; o Nestorianismo; Paulo de Samósata, entre outros.
A Igreja respondia prontamente a estas heresias, procurando sempre combatê-las com os meios disponíveis, seja através da publicação de textos oficiais, como os de Tertuliano e os de Ireneu, quanto por intermédio de Concílios, como o de Nicéia, constituído pelo Imperador Constantino para tentar resolver controvérsias sobre a natureza de Jesus – humana ou divina, homem ou Deus. Assim, os dogmas começaram a ser instituídos, a partir do ano de 325, sempre renovados e somados a outros por novos Concílios. A primeira pessoa a ser condenada e executada como herege foi o sacerdote espanhol Prisciliano de Ávila, em 385. Uma das vertentes heréticas mais consideradas como crime religioso era a que negava a divindade completa de Jesus. Esta discussão sobre a real natureza do Messias foi a que provocou maiores discórdias ao longo da História, e até hoje esta questão é debatida ardorosamente por teólogos e especialistas religiosos de diversas religiões cristãs. Divino ou Humano, a mistura de ambos, a predominância de um ou de outro, são os pontos que suscitam dúvidas, lado a lado com o dogma da Trindade – um único Deus em Três Pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ou seja, trata-se de uma intrincada tese teológica que condenou muitos que tentaram contestá-la, principalmente quando eles colocavam em perigo a unidade do Catolicismo.
Quando alguém afrontava a Igreja, era excomungado. Se permanecesse nesta condição por mais de um ano, era então concebido como herege, processado por esse crime e normalmente entregue à Justiça dos homens. Todos esses procedimentos ficaram registrados ao longo do tempo em documentos eclesiásticos, principalmente depois da criação do Tribunal do Santo Ofício, instituído pelo Concílio de Verona, sob o papado de Gregório IX, no contexto da Contra-Reforma, com o povo contestando os dogmas católicos. A princípio ele foi criado apenas com o objetivo de garantir a aplicação das leis, não para executar pessoas. Mas, quanto mais a Igreja se sentia ameaçada, maiores eram os poderes conferidos a esta instituição, que perseguiu, condenou e eliminou aqueles que eram considerados hereges.
A Inquisição, unida às Cruzadas – cavaleiros cristãos armados que pretensamente visavam defender sua religião da dominação dos infiéis –, exterminou grupos considerados heréticos, como os cátaros de Albi, sul da França – massacrados pela Cruzada Albigense -, uma das heresias historicamente mais importantes. Suas fontes principais eram o gnosticismo e o maniqueísmo, eles professavam a castidade, a realização de jejuns e a alimentação vegetariana; os cátaros se dividiam entre fiéis e perfeitos – estes praticavam rituais que englobavam a imposição das mãos. A Alta Idade Média foi rica em movimentos concebidos como heréticos, e foi também o auge dos Autos de Fé da Inquisição. Em meio a uma intensa crise social, ressurgiu a imagem do Messias que viria libertar os homens, inclusive do poder eclesiástico, pois a Igreja vinha cometendo abusos religiosos, econômicos, morais, que se tornavam inaceitáveis para a população; era o clima propício para a fermentação de grupos contestadores.