Na convivência humana, ao longo do tempo, o conhecimento sobre determinados fatos ou assuntos, a produção de pensamentos ou idéias, que de alguma maneira poderia produzir benefício privado ou coletivo, resultou quase sempre da possibilidade do descobridor ou criador, autorizar, de forma gratuita ou onerosa, o acesso ou a utilização do “bem” produzido ou descoberto, ocorrendo por vezes, a obtenção desses “bens” através da força de terceiros interessados. Ocorreu, provavelmente, com a descoberta do fogo, da pólvora, da imprensa, das engenharias próprias de cada civilização, nas criações científicas, consoante o grau de interesse na obtenção das informações ou idéias e da forma de transferir tais conhecimentos.
É certo que, na medida em que houve evolução das formas e instrumentos de comunicação entre as pessoas, maior a facilidade de transmissão, conjugada, em contrapartida, com maior volatilidade e riscos na retenção do poder de autoria, tanto mais quanto em meios físicos novos e diferenciados.
Milhares de anos após as primeiras descobertas, em pleno século XXI, ainda temos algumas dificuldades que possuíamos nos primórdios, acrescido de que as novas tecnologias, independentemente de trazerem rapidez e acessos simultâneos e modificáveis, recebem tratamento do mesmo interventor que as manuseava antigamente: o homem. E neste particular mantém as possibilidades de aplicação benéfica ou maléfica, de acordo com a atuação humana, limitada por normativos sociais de cada época.
Nos últimos anos, tem sido comum a compilação de informações sem muitos escrúpulos, de forma quase assaltada, de textos e publicações na rede virtual, e sem os devidos cuidados de pedido de autorização e citação da fonte autora ou possuidora do domínio ou proprietária do direito autoral.
No Brasil, existem as leis 9.279/96 (Lei da propriedade Industrial), 9.609/98 (Lei de Software) e 9.610/98 (Lei sobre direitos autorais), que definem os parâmetros e aplicação da propriedade intelectual, que mesmo defasadas pelo tempo de publicação, ainda possuem qualidade para atuar na inibição e na punição de pessoas ou empresas que, não respeitando o direito alheio, ferem os direitos intelectuais dos usuários da rede mundial de computadores, ou de outra forma.
As referidas leis que tratam de direitos autorais, em conjunto com alguns artigos do Código Penal, instituídos em tempos recentes, e as normas colaterais existentes no que tange ao INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial, e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI, sincretizadas com as legislações estrangeiras e sob o manto da Constituição Federal, além de vinculadas aos conceitos do novo Código Civil de 2002/2003, devem servir de amparo à aplicabilidade coercitiva de sanções, àqueles que não atentarem para os princípios básicos de boa fé e eticidade no trato das relações sociais, independentemente de que tais fatos e atos ocorram ou se realizem tanto na esfera física, concreta e palpável, como na esfera virtual.
A apropriação indébita de autorias de terceiros devem ser coibidas de toda forma, e o direito brasileiro, ainda que não possua mecanismos detalhistas legais mais específicos, para tratamento e intervenções judiciais, o que se verifica é que, o conjunto de normas existentes já possibilita a aplicabilidade mínima da atuação judiciária na limitação de excessos e prejuízos aos autores prejudicados. Isto tudo porque a jurisprudência e os julgados, gradativamente estão evoluindo para uma interpretação sistemática e teleológica (social), considerando que ninguém pode se beneficiar, de forma criminosa, de direitos que pertencem a terceiros, sabendo o juiz não pode deixar de julgar por simples alegação de falta ou lacuna de lei.
Por exemplo, temos no Código Penal os crimes tipificados de falsidade ideológica, de ameaça, extorsão, apropriação indébita e outros descritos que bem podem ser aplicados sem necessidade de modificações legislativas, porque os delitos já estão qualificados no tipo penal, que não diferencia se tais crimes ocorrem em ambiente físico concreto ou virtual.
Especialmente no artigo 184 do Código Penal existe o crime tipificado de violação de direito autoral, que pode gerar a penalidade de detenção de 3(três) meses ou multa até quatro (quatro) anos de reclusão. Também já houve a inserção de outros tipos penais vinculados à nova era da informática, tais como o ser crime de modificação ou alteração de informações em base de dados, através de agente público, quando efetivado sem embasamento legal ou documentação própria, artigos 313-A e 313-B.
Abaixo se transcreve, até para termos presentes tais dispositivos, alguns tipos penais exemplificativos, aplicáveis também na esfera denominada virtual:
DO ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES
Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. § 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.
DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL
Violação de direito autoral
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.
Inserção de dados falsos em sistema de informações
Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações
Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.
No que toca a Lei 9.610/98, abaixo relacionamos as produções protegidas consoante texto legal, com destaque para os incisos I, V e VI, por serem àqueles que mais estão sendo atingidos por ações delituosas:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III - as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII - os programas de computador;
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
§ 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.
§ 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras.
É preciso enfatizar que são muitos os exemplos do noticiário recente quanto a questões de crimes praticados no mundo virtual, notadamente as fraudes bancárias e financeiras, divulgação e incitação à pedofilia e apologias criminosas, bem como crimes de ameaça, estelionato e tantos outros.
O que se infere é que a legislação atualmente existente, apesar de alguns autores entenderem a necessária a produção de normativos adicionais, já é bastante razoável para aplicação da justa punição àqueles que, despreocupadamente, abusam do direito e provocam prejuízos a terceiros, sob toda forma de atuação criminosa, incluindo aqui a temática dos direitos autorais.
Se navegarmos pelas leis dos direitos da propriedade e da autoria, citadas neste artigo, e conjugarmos, de forma sistemática, com os princípios da boa fé objetiva e da eticidade, constantes no Código Civil de 2002, permeados pelos tipos legais já definidos no Código Penal, com suas recentes alterações, sempre em conformidade com a nossa Constituição Federal, pode-se dizer que existe um conjunto enfeixado de normas e princípios que, são minimamente razoáveis para inibir e penalizar ações delituosas também na esfera da WEB.
Não se justifica a falta de penalização sob a alegação de inexistência de leis específicas, o que não é verdade, porque elas estão postas e apenas devem ser ajustadas a cada caso concreto. Mesmo que considerados insuficientes por alguns autores, o Poder Judiciário não pode deixar de apreciar eventual pedido de reparação ou lesão ao direito, decorrentes de fatos ocorridos na rede mundial de computadores, somente porque realizado num universo denominado virtual. O universo da INTERNET somente poderia ser considerado virtual e inócuo na acepção da palavra, se as ações desenvolvidas não tivessem repercussão na vida e nos bens das pessoas físicas ou jurídicas.
O que se observa exatamente são as resultantes da divulgação, interferências, inserção de dados e informações, gerando conseqüências diretas e indiretas nas pessoas envolvidas e até pela amplitude de acesso, maior alcance em seus efeitos, com resultados materiais e morais de toda ordem, inclusive a terceiros.
Portanto, visto que o conceito de virtualidade deve ser modulado pelos motivos aqui expostos, é minimamente desejável que a justiça seja realizada independentemente de normativos detalhistas e específicos.
Fontes
Brasil. Lei 9.609 de 19 de fevereiro de 1998 - Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências.
Brasil. Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 - Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.
Brasil. Lei 9.279 de 14 de maio de 1996 – Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.
Brasil. Decreto-Lei 2.848 de 07 dezembro de 1940 – Código Penal com suas alterações.