O foro especial por prerrogativa de função, usualmente conhecido como foro privilegiado, é um mecanismo que estabelece um procedimento jurídico especial em virtude do cargo de um indivíduo. No Brasil, ele contempla os principais cargos públicos de todas as esferas (União, Estado, município) e estabelece o julgamento de uma ação por Tribunais de instâncias superiores. O foro privilegiado liga-se ao cargo, não ao indivíduo, e em tese não merece a classificação de "privilégio", pois deixa de valer para um indivíduo assim que ele cessa suas funções. Como os cargos passíveis de foro especial são entendidos como fundamentais à administração pública, justifica-se a medida como uma garantia do equilíbrio de poderes e da estabilidade do funcionalismo. Infelizmente, com o inchaço do Estado brasileiro, a sobrecarga e letargia do Poder Judiciário e o crescente número de cargos abarcados, o foro rapidamente virou símbolo de impunidade e proteção às elites políticas, motivando ações e apoio popular pelo seu controle ou extinção.
O foro privilegiado foi instituído no Brasil pela primeira constituição republicana (1889), sendo aprimorado ou limitado com o tempo até chegar às prerrogativas consideravelmente mais vastas da Constituição de 1988 (Nova República). Na Constituição de 1889, ele contemplava os membros do Supremo Tribunal Federal (STF) nos crimes de responsabilidades (julgamento pelo Senado), e os juízes federais de penúltima instância, o Presidente da República e os Ministros de Estado pelos crimes comuns e de responsabilidade (julgamento pelo STF). Com a Constituição de 1988, a lista de contemplados expandiu-se enormemente, estando prevista nas competências privativas de cada Tribunal. Em geral, infrações penais comuns, que com os demais cidadãos são julgadas em primeira instância (juízes de direito), são julgadas em segunda instância (Tribunais de Justiça) com prefeitos, deputados estaduais e outros cargos designados pelas Constituições Estaduais; em terceira instância (Superior Tribunal de Justiça) com governadores, desembargadores dos TJ's, membros dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, etc; e em última instância (STF) com Presidente e Vice da República, Ministros do Estado, membros dos tribunais superiores, senadores e deputados federais, entre outros.
Ao todo, estima-se em 22 mil os profissionais com foro privilegiado no país. Para defensores, a medida gera paridade de poderes: cidadãos comuns são julgados em instância comum, cidadãos em cargos públicos são levados às cortes equivalentes. Acusados com foro também não podem sofrer prisão preventiva ou temporária, indo para a cadeia apenas com a condenação ou se pegos em flagrante por crime inafiançável. Em nações com mecanismos similares, o foro parece cumprir sua função estabilizadora quando restrito aos cargos mais essenciais. No Brasil, contudo, sua liberalidade resultou na sobrecarga das instâncias judiciais superiores: com já inúmeros processos de outras naturezas e vários servidores sob sua jurisdição, não poucos isentos de crimes, os Tribunais de Justiça, Tribunais Superiores e STF recebem mais ações do que são capazes de julgar.
Deste modo, a atual constituição do foro emperra a Justiça brasileira, sendo ele utilizado como "instrumento de fuga" por servidores que desejam alongar ao máximo o tempo do julgamento: segundo Luís Roberto Barroso, ministro do STF, o Supremo leva mais de 600 dias para receber uma denúncia, contra uma semana com um juiz de primeira instância. Além deste caráter elitista, o foro tem sua constitucionalidade questionada por muitos acadêmicos, pois abre uma exceção no preceito de que todos os cidadãos são iguais perante a lei (art. 5o, CF/88). Em 2016, havia ao menos três projetos de emenda constitucional (PECs) visando a restringir ou extinguir o foro privilegiado: os PECs 130/07 (extinção completa), o 168/07 (mantém o foro somente para crimes de responsabilidade) e o 470/05 (extingue o foro apenas para senadores e deputados).
Referências bibliográficas:
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