A jurisdição é o poder do Estado de aplicar a lei e administrar a justiça. Segundo o jurista italiano Giuseppe Chiovenda, a função jurisdicional se une à legislativa e à administrativa para consolidar a soberania do Estado, sendo indispensável para a organização das sociedades modernas. Junto com a ação e o processo, ela é um dos elementos fundamentais da Teoria Geral do Processo, que estuda as características processuais comuns dos vários direitos (penal, civil, internacional...), e talvez seja o mais crucial, visto que somente por ela é que ação e processo são possíveis. Trata-se de um conceito abstrato que, à luz das modernizações na processualística brasileira, gera interpretações conflitantes entre acadêmicos; mesmo assim, grande é o consenso quanto aos princípios (territorialidade, publicidade, definitividade, investidura, juiz natural, indelegabilidade, inércia e inevitabilidade) e características (inércia, lide, substutividade, imparcialidade, monopólio, unidade, definitividade) que lhe dão forma.
Em algum ponto na evolução das sociedades, os seres humanos desenvolveram instrumentos que lidassem com a crescente complexidade de seu meio. Para o antropológo Jared Diamond, métodos hierarquizados e centralizados para resolução de conflito tornam-se críticos na transição de uma tribo para uma chefatura (chiefdom) e amadurecem na transição final de chefaturas para Estados. Sem tais métodos, as populações ficam presas à "justiça com as próprias mãos", gerando ciclos intermináveis de vinganças que minam qualquer change de complexidade organizacional (milhares de indivíduos nas chefaduras, centenas de milhares nos Estados). De modo simples, a jurisdição é o ingrediente que cementa a justiça fria e imparcial, transferindo dos indivíduos ao Estado a administração dos conflitos.
Na teoria processual, é jurisdição é o que possibilita tanto a ação quanto o processo. Quando um indivíduo agravado procura a autoridade para iniciar a resolução do conflito (litígio), isso caracteriza a ação, enquanto o processo é toda a estrutura de procedimentos que movem o litígio da ação à conclusão. Sem ação, não há processo, portanto nenhuma utilidade para a jurisdição; sem processo, não há instrumentos que movam a ação para a resolução; e, sem jurisdição, ambos são fúteis, pois não há o poder soberano que garanta uma condução impacial do litígio. Assim, se o processo é o corpo e a ação é a vontade, a jurisdição é alma que sustenta todo o organismo.
Por princípios entendem-se os elementos que originam e movem o poder jurisdicional: a territorialidade é o limite territorial das jurisdições, o âmbito onde o poder soberano do Estado pode atuar; publicidade refere-se à natureza pública das atividades judiciais, que são abertas a todos os cidadãos; definitividade é o caráter imutável de uma sentença quando concluído o processo; a investidura estabelece que os processos só podem ser conduzidos por autoridades formalmente investidas com este poder, a exemplo do juíz natural, e a indelegabilidade garante que tal poder jamais será passado a outrem; já a inércia institui que a jurisdição jamais age por iniciativa própria, mas somente pela ação das partes interessadas; uma vez provocada, porém, sua autoridade age independente da vontade destas, o que constitui a inevitabilidade.
Os princípios geram características, que são os conceitos mais visíveis da atuação jurisdicional: a inércia exige que algum interessado motive a jurisdição, e a lide é justamente o litígio abordado; a substutividade, elaborada por Chiovenda, é a transferência da resolução dos conflitos para a autoridade soberana; a imparcialidade presume o desinteresse das autoridades nas motivações de qualquer parte da lide, caracterizando um processo isento; o monopólio é o poder total e insubstituível da autoridade, e a unidade é sua não divisão ou repartição; por fim, a definitividade garante que, encerrado o processo, as decisões são absolutas e imutáveis, devendo ser respeitadas a todo custo.
Referências:
BRAUN, Paola Roos. MACEDO, Elaine Harzheim. "Jurisdição segundo Giuseppe Chiovenda versus jurisdição no paradigma do processo democrático de direito: algumas reflexões". ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET, Curitiba PR - Brasil. Ano VI, nº 12, jul-dez/2014. Disponível em: <http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima12/ANIMA-12-JURISDICAO-SEGUNDO-GIUSEPPE-CHIOVENDA-versus-JURISDICAO-PARADIGMA-DO-PROCESSO-DEMOCRATICO-DIREITO.pdf>.
DIAMOND, Jared. "The World Until Yesterday: What Can We Learn from Traditional Societies?", pp. 01-79. Nova Iorque: Penguin Books, 2013.
LIMA, DE. Wesley. "Uma nova abordagem da jurisdição no Processo Civil contemporâneo". Âmbito Jurídico, Rio Grande. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5290>.
MEZZOMO, Marcelo Colombelli. "Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna". Âmbito Jurídico, Rio Grande. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5293>.
SILVA, DA. André Rodrigues Pereira. "A natureza da jurisdição perante a arbitragem e outros meios alternativos de solução de controvérsias". Jus Navigandi, Teresina, fev. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7923/a-natureza-da-jurisdicao-perante-a-arbitragem-e-outros-meios-alternativos-de-solucao-de-controversias>.