Legítima Defesa

Por Vandeler Ferreira da Silva
Categorias: Direito
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O ato de legítima defesa se origina, de forma natural no âmago do ser humano nos mais distantes primórdios dos tempos. Até porque a defesa do ser humano e de seu bens, um deles dos mais caros que é sua própria vida, independe de um poder civilizatório e de uma estruturação social, é quase puramente instintivo.

A sociedade estruturada pode oferecer uma forma sistematizada e limitadora da ação de defesa, para legitimar revide ou contraposição, com base em padrões relativamente aceitáveis em cada civilização.

Ocorre que, de acordo com as civilizações e a cultura de cada povo, se define aquilo que efetivamente se configura uma agressão, que eventualmente tenha que ser combatida por legítima defesa. Isto porque o conceito de “legítima”, exatamente irá decorrer de uma definição prévia de agressão injusta, a partir da qual pode ser legitimada uma defesa para obstar a ação nociva. Em alguns países são aceitas determinadas condutas que em outros são inadmissíveis, e por isso mesmo devem ser reprimidas pelo Estado ou nalgumas situações pelo próprio cidadão, sempre considerando a peculiaridade de cada situação no espaço/tempo.

Neste contexto, a legítima defesa também se enquadra naquilo que o direito define como situações que possibilitam a atuação do ofendido para sua defesa própria, na falta de atuação do Estado. O exemplo mais evidente da possibilidade de utilização da legítima defesa ocorre nos atos que colocam em risco a integridade física do indivíduo. Momento em que o ofendido poderá utilizar os recursos disponíveis para neutralizar a ação danosa que lhe foi direcionada. Aqui é o ponto nevrálgico da legitimidade de uma defesa: a neutralização. Isto porque a questão não é exacerbar no revide e sim neutralizar a ação originariamente perniciosa, de forma suficiente mas moderada.

Um exemplo prático é uma pessoa que atacada fisicamente por terceiro com um soco, se defende com arma de fogo e atira sem maiores cuidados, no peito do ofensor. No primeiro momento não se considera legítima defesa, se a pessoa ofendida também possuía porte físico para contenção do agressor sem a necessidade da utilização de uma arma de fogo. A lógica correta da legítima defesa seria a obstrução do golpe, com defesa corporal e eventualmente um ataque também através de uso do corpo do ofendido para conter a ação delituosa do ofensor.

Sendo a lógica genérica da legítima defesa, a contenção e obstrução da ação do ofensor na mesma medida e na mesma intensidade, a grande dificuldade reside nas variantes que decorrem da própria convivência humana e seus contornos, nuances e motivações.

Houve um assassinato passional no Brasil, cujo processo foi à época bastante divulgado, com a defesa patrocinada pelo renomado jurista Evandro Lins e Silva, cuja tese utilizada para absolvição do réu foi a legítima defesa da honra. Isto para trazer um exemplo dos contornos que surgiram sobre o tema. Tese que hoje não se coaduna com os preceitos constitucionais mas que num momento da nossa história forense prevaleceu. No caso prático das questões de honra, existem outros dispositivos ou institutos penais da injúria, calúnia ou difamação, que podem ser utilizados para requerer ao Estado a penalização do delinqüente.

Outro fator importante a ser considerado para a configuração da legítima defesa, é que somente pode ser utilizada quando não existir a possibilidade do Estado atuar no momento em que o individuo está sendo agredido ou ofendido no seu direito de vida ou propriedade, bem como seus desdobramentos. Um exemplo prático é o fato da polícia militar de uma determinada região, estar utilizando a sua autoridade para desalojar posseiros de uma propriedade e o proprietário também compreender, equivocadamente, que também pode reagir para retirar os posseiros em conjunto com a polícia militar, que representa o Estado. Isto não é legítima defesa. È uma ação isolada do proprietário sem justificativa legal.

A legitimidade da defesa se configura com os seguintes pressupostos básicos: obstar a ação danosa na mesma intensidade, na mesma medida, se possível com os mesmo recursos, privilegiando a preservação da vida como um bem maior, e dentro do espaço de tempo no qual a agressão ou ofensa esteja ocorrendo. Este último para evitar as denominadas vinganças pessoais.

Porque a defesa que se analisa refere-se tanto do bem maior que é a vida mas também bens materiais que se detém a posse ou propriedade de forma legítima (dentro da legalidade), existem situações que a legítima defesa pode ser exercida para defender terras, residências, a vida ou a integridade física de uma pessoa ou grupo, devendo-se observar, no caso prático, a aplicabilidade das atenuantes que podem ser utilizadas, bem como os critérios acima indicados, notadamente quanto a mesma intensidade e mesmo instrumento no revide.

O nosso Código Penal traz nos seus artigos 23 e 25, importantes definições para melhor compreensão, com destaque para o Parágrafo único do artigo 23, que trata de eventual excesso na defesa :

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

II - em legítima defesa

Excesso punível

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Legítima defesa

 

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

O conceito de legítima defesa não deve ser compreendido apenas no campo interno das relações entre os entes nacionais, mas também no contexto internacional, porque algumas guerras ou situações de conflito poderiam ser minimizadas se houvesse a correta compreensão do que é legítima defesa, inclusive nas relações entre distintas nações.

Enfim, fica para registro os requisitos básicos da legítima defesa: reação a uma agressão humana, desde de que agressão injusta, atual ou eminente, seja em defesa de direito próprio ou alheio, sempre com uso moderado dos meios necessários para obstar a ofensa bem como a clara intenção de defesa.

Fontes
BRASIL. Código Penal - Decreto Lei 2848 de 07.12.1940.

FILARDI LUIZ, Antonio.Curso de Direito Romano.São Paulo: Atlas, 1999.

FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo e FUHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo de Direito Penal. 22a. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

VADE MECUM / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes – 4a. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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