O Ato Institucional nº 5 (AI-5) tornou-se o maior símbolo da repressão durante o regime militar. Chamado de “golpe dentro do golpe” pelo jornal Correio da Manhã, esse decreto marca o período denominado “anos de chumbo”, que vai do governo de Costa e Silva até o fim do Governo Médici.
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O crescimento da oposição e a reação dos militares
Em um contexto de greves operárias – como as ocorridas em Contagem (MG) e Osasco (SP) – em virtude da política de arrocho salarial – e de manifestações estudantis – como a Passeata dos Cem Mil –, Costa e Silva passou a enfrentar enorme pressão para o endurecimento do regime. A linha-dura acreditava ser necessário conter esses movimentos, visto por eles como sinais de avanço do comunismo no país. O surgimento de movimentos de guerrilha urbana e rural nos primeiros anos da ditadura também foram fatores motivadores para a edição do AI-5.
O estopim do AI-5
Entretanto, o estopim para a edição do decreto correu especificamente em 13 de dezembro de 1968 e está relacionado a um acontecimento específico, ocorrido um dia antes. No contexto das manifestações estudantis devido a morte do estudante Édson Luís Souto durante uma manifestação contra o atraso das obras no restaurante estudantil Calabouço (RJ), a Polícia Militar (PM) invadiu a Universidade de Brasília (UNB). Em reação, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, discursou no Congresso sugerindo a população o boicote ao desfile de 7 de Setembro e que as mulheres não namorassem oficiais que fossem coniventes com a violência operada pelos militares. Ofendidos, os militares precisavam suspender a imunidade parlamentar do deputado para processá-lo, o que foi negado pelo Congresso em 12 de dezembro de 1968. No dia seguinte, foi editado o AI-5, que passou por cima da Constituição elaborada pelos próprios militares e deu amplos poderes ao Executivo para perseguir e punir seus opositores retirando-lhes qualquer garantia constitucional.
As medidas decretadas pelo AI-5
Em seu preâmbulo, o AI-5 manteve a convicção de que o golpe de 1964 representou uma revolução que refletiu os anseios do povo brasileiros. Investidos do poder que emana do povo e que lhes foi delegado por este, os militares novamente colocam na conta da esquerda socialista seus atos contrários aos direitos e garantias individuais, "no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção" [...]. Para isso, buscaram os meios que julgavam necessários à realização da reconstrução da pátria. Além disso, o texto reforçou que o processo revolucionário seria continuado (AI-2) e, para isso, seria necessário eliminar grupos oriundos dos setores políticos e culturais, assim como "processos subversivos e de guerra revolucionária", em alusão aos grupos de resistência armada que vinham promovendo diversas ações para desestabilizar o regime militar, tais como expropriações em bancos e sequestros.
Além da já conhecida prerrogativa de decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores a qualquer tempo, medida já presentes em atos institucionais anteriores, o AI-5 deixa claro que o retorno às atividades desses órgãos também dependeria de convocação do Presidente da República. Também permitiu que o Presidente da República pudesse decretar intervenção nos estados e municípios sem limitações constitucionais.
O AI-5 também reforçou a prerrogativa do Presidente da República, orientado pelo Conselho Nacional de Segurança, de suspender por dez anos os direitos políticos e cassar mandatos eletivos em todas as esferas (municipal, estadual e federal) de qualquer cidadão. A suspensão de tais direitos cessaria privilégio de foro devido à função exercida - o que atingia o deputado Márcio Moreira Alves e permitiu sua cassação - e impediria o cidadão de votar e ser votado em eleições sindicais. Proibia também manifestação de assuntos de natureza política e poderia até chegar a proibição de frequentar determinados lugares.
Quanto à decretação de estado de sítio, o prazo anterior de 180 dias foi relativizado para o prazo fixado pelo Presidente da República. Além dessa medida claramente ditatorial, também foi suspenso a garantia ao habeas corpus em casos de crimes políticos contra a ordem econômica, social e contra a segurança nacional.
Novamente, a redação do AI-5 garantia a exclusão de apreciação judicial para qualquer ato praticado de acordo com os Atos Institucionais ou Atos Complementares.
Consequências do AI-5
Na madrugada de 13 de dezembro já começaram as ações militares contra os inimigos do regime militar. Os jornais Estado de São Paulo e Correio da Manhã foram ocupados pela polícia e suas edições impedidas de circular. Antes mesmo que o AI-5 fosse divulgado através da Hora do Brasil, a polícia já havia prendido milhares de pessoas consideradas um perigo para a segurança nacional.
A partir do AI-5 o país viveria uma censura aos meios de comunicação jamais vista no país. Novelas, peças de teatro, livros e até mesmo o Balé Bolshoi foi proibido de se apresentar no Brasil, por ser russo.
Dentre as personalidades públicas que foram forçadas ao exílio após a edição do AI-5 estão os músicos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque de Holanda; o dramaturgo do Teatro de Arena Augusto Boal; o cineasta Glauber Rocha; e Geraldo Vandré cuja música "Para não dizer que não falei das flores" tornou-se um hino de resistência ao regime militar.
Os primeiros meses de 1969 foram de terror. As cassações seguiram-se juntamente à aposentadoria de centenas de servidores, dentre eles juízes. Foram realizadas uma série de intervenções na diretoria de diversos sindicatos a fim de afastar lideranças da oposição. As universidades também foram alvo dos militares que, a partir do Decreto nº 477, passaram a suspender estudantes, professores e demais funcionários ligados ao que se considerava “atividades subversivas”.
Nos onze anos em que vigorou, o AI-5 permitiu que os militares perseguissem, prendessem e torturassem milhares de pessoas, levando a óbito centenas, dentre elas, algumas cujos corpos até hoje não foram encontrados. Em um contexto de euforia nacionalista e milagre econômico, o AI-5 teve espaço amplo de atuação gerando reação contrária de resistência que fortaleceu os movimentos de oposição e a luta armada.
Bibliografia:
BRASIL. Ato Institucional nº 5. Planalto, Brasília, 1968. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm>. Acesso em 10 de out. 2017.
BUENO, Eduardo. Os anos de chumbo. In: Brasil: uma História: cinco séculos de um país em construção. Rio de Janeiro: Leya, 2012, p. 402-417.
PAES, Maria Helena Simões. Em nome da Segurança Nacional: do golpe de 64 ao início da abertura. São Paulo: Atual, 1995.
SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. No fio da navalha: ditadura, oposição e resistência. In: Brasil: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2015, p. 437-466.