Conteúdo deste artigo
Resíduos Sólidos Urbanos
A destinação final dos resíduos sólidos urbanos é sempre uma questão delicada para a maioria dos municípios brasileiros. O sistema historicamente utilizado de vazadouros (lixões) a céu aberto além de impactar gravemente o meio ambiente através de contaminação do solo, da atmosfera e do lençol freático ainda traz problemas à população do entorno e, frequentemente, os lixões se tornam “local de trabalho” de catadores que arriscam suas vidas em meio a montanhas de resíduos.
A saída então, para aproximadamente 40% dos municípios brasileiros (FONTE: IBGE 2000), foi a adoção de sistemas de aterro controlado ou aterro sanitário muito melhores ambiental e socialmente do que os vazadouros. Porém, o problema é que estes sistemas, embora sejam a alternativa mais viável economicamente para a maioria dos municípios brasileiros, não deixa de ser uma forma poluente de destinar os resíduos uma vez que estes permanecerão enterrados no local ainda por muito tempo, exigindo um monitorado durante anos, mesmo após o fim de seu funcionamento, com o intuito de evitar que haja contaminação dos recursos hídricos (o solo é considerado contaminado) e do ar e também para controlar os riscos de explosão (durante a decomposição dos resíduos no aterro são gerados diversos gases, alguns dos quais são altamente combustíveis).
Não que o aterro sanitário seja uma forma incorreta de destinação. Em curto prazo ele é a melhor saída para os municípios que dispõem de pouca verba e precisam de uma solução rápida. Porém a longo prazo haverá a necessidade de escolher outro local para o descarte dos resíduos enquanto a área utilizada até então permanecerá imprópria para muitos usos durante um bom período.
Desta forma, diversos países no mundo todo, principalmente na Europa, têm adotado medidas de destinação dos resíduos alternativas, de maneira a diminuir a quantidade do que deve ser enterrado e, algumas delas, ainda contam com a possibilidade de gerar energia elétrica.
É o caso do processo denominado “USINAVERDE” desenvolvido pela empresa de mesmo nome em parceria com a COPPETEC (Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos) da COPPE/UFRJ, e que permite a triagem, tratamento térmico e geração de energia elétrica a partir dos resíduos sólidos urbanos que antes eram destinados ao Aterro de Gramacho, no Rio de Janeiro (RJ).
USINAVERDE
O sistema, desenvolvido totalmente com tecnologias nacionais, se baseia em métodos já bastante difundidos na Europa para tratamento térmico de resíduos sólidos urbanos com recuperação de energia, porém com um custo até 50% menor do que os métodos importados. Desta forma, é possível tratar os resíduos, diminuindo seu volume e peso (em cerca de 90%) e ainda produzir energia equivalente ao necessário para alimentar uma comunidade de 13.300 residências (Considerando-se um consumo médio residencial de 140KWh/mês e um módulo de tratamento de 150ton/dia de Resíduos Sólidos Urbanos – USINAVERDE – Módulos Comerciais).
Inicialmente a USINAVERDE operava com os resíduos coletados apenas no campus da UFRJ, porém, com o desenvolvimento do projeto e das tecnologias passou a operar tratando também, parte dos RSU (Resíduos Sólidos Urbanos) da cidade do Rio de Janeiro alcançando uma geração de 440KWh/dia, que são consumidos no próprio CT USINAVERDE, através do tratamento de 30 toneladas de lixo/dia. Veja a seguir as etapas de funcionamento da USINAVERDE:
- Em um primeiro momento os resíduos sólidos coletados são encaminhados para uma central de triagem para que seja separada manualmente a parcela reciclável dos resíduos: garrafas pet, vidros, papelão, papel, latas de alumínio, etc.. Os resíduos não recicláveis ou que se encontrarem muito contaminados são encaminhados para o tratamento térmico enquanto que os recicláveis são vendidos e o dinheiro usado para remunerar os catadores que podem ser organizados em uma cooperativa; Também podem ser instalados detectores de metal para ajudar na separação dos recicláveis.
- A parte não reciclável, que normalmente seria enterrada em um aterro sanitário, passa por um processo de trituração transformando-se no CDR – combustível derivado de resíduos, que pode ser armazenado em silos e, aos poucos alimentar a USINAVERDE;
- O CDR armazenado nos silos é encaminhado até o forno que realiza a queima em uma temperatura de 950º C. Os gases provenientes da queima dos resíduos são oxidados na câmara de pós-queima a uma temperatura de 1050º C e as cinzas são encaminhadas para um decantador;
- Os gases (1000º C) são levados até uma caldeira de recuperação onde serão transformados em vapor a 420º C e a 45 Bar. Este vapor é que irá acionar o turbo-gerador com potência efetiva de 3,2 MW (0,6 MW por ton. de resíduo) de energia.
- Os gases que saem da caldeira de recuperação são lavados em duas etapas (“spray jets” e polimento dos gases) em um sistema fechado (onde não há geração de efluente líquido). A solução que sai dos lavadores é recolhida no tanque de decantação onde é neutralizada pelas próprias cinzas do processo e posterior decantação dos sais, retornando ao processo de lavagem;
- Os sais decantados (principalmente cálcio e potássio) e o material inerte, que representam 8% do peso dos resíduos tratados, podem ser descartados em aterro para materiais Classe IIB (inertes), mas estão sendo testados como componentes na confecção de tijolos;
- Os gases já tratados são expelidos por uma chaminé.
Relação Custo x Benefício
Com intuito de viabilizar o empreendimento para empresas e municípios a USINAVERDE, que tem como objetivo licenciar sua tecnologia patenteada para os empreendedores, sugere a adoção de módulos com capacidade para o tratamento térmico de 150 ton/dia de lixo, com uma geração efetiva de energia elétrica de 3,2 MWh, dos quais 2,6 MWh estariam disponíveis para exportação (venda ou fornecimento externo). O módulo, que ocuparia uma área de 12.000m², é dimensionado de forma a tornar os custos da destinação final para o município, semelhantes ao de um Aterro Sanitário, em torno de R$60,00. No entanto, a alternativa só é viável para municípios com população acima de 180 mil habitantes ou, então, no caso de um consórcio de municípios. Alternativa já bastante utilizada para viabilizar os aterros sanitários.
O problema é que mesmo assim os custos ainda são altos: enquanto que a implantação de um aterro sanitário gira em torno de R$9,00 por habitante, os custos de implantação da USINAVERDE (aprox. R$37 milhões) ficam em torno de R$200,00. (FONTE: USINAVERDE e RIBEIRO). Mas, claro que existem meios de diminuir essa diferença.
Além de haver um retorno do investimento em 7 anos em média (que pode ser conseguido com a venda do excedente de energia elétrica gerada), e não haver um limite para a vida útil da usina desde que sejam feitas as manutenções preventivas (o que não acontece com os aterros), ainda há a possibilidade da geração e comercialização dos chamados créditos de carbono. Isso porque a USINAVERDE previne a emissão do metano que seria exalado na decomposição dos materiais orgânicos em um aterro. Outra forma de ganho, é a possibilidade de recepção pelo município de benefícios fiscais vindos do Estado.
Em Minas Gerais, por exemplo, e em mais 12 Estados Brasileiros, existe o chamado ICMS ecológico que se constitui de um incentivo financeiro para municípios que desenvolvem ações de preservação ambiental. Em alguns deles, a exemplo de Minas Gerais, é repassada uma parcela do ICMS arrecadado no Estado para cidades que tenham investido em destinação/tratamento dos resíduos sólidos urbanos (uma das medidas de saneamento básico), o que é o caso da USINAVERDE.
Isso tudo sem contar que a USINAVERDE não possui restrições de localização uma vez que não há emissão de odores, nem contaminação do solo ou do lençol freático, além de praticamente não haver geração de resíduos no processo. As cinzas liberadas após o tratamento térmico dos RSU podem ser utilizadas pela indústria da construção civil na confecção de tijolos e o tratamento dos gases é feito em um sistema fechado, o que evita a geração de efluentes líquidos. Veja abaixo uma comparação entre a USINAVERDE e os aterros sanitários:
- Custo de implantação e operação: embora o custo inicial para implantação de um aterro sanitário seja expressivamente menor que o de uma USINAVERDE, o aterro, por se localizar obrigatoriamente distante dos locais de geração de lixo, apresenta custo operacional bem mais elevado o que ainda é influenciado pela necessidade de tratamento do chorume; além disso a vida útil de um aterro é limitada devendo, após o esgotamento da área, ser iniciado o processo de construção de um novo aterro em um novo local. Nesse caso, haverá ainda, quando da desativação do aterro, os custos com a recuperação do local (arborização, transformação em parque ou outro fim) e monitoramento por no mínimo 20 anos do aterro desativado para controle das emissões atmosféricas e de chorume que ainda ocorrerão. Já no caso da USINAVERDE, não há limite para sua vida útil se realizadas as manutenções preventivas e eventuais reparos.
- Geração de energia: a geração de energia na USINAVERDE é muito mais eficiente do que em um aterro. Enquanto uma usina de conversão térmica de resíduos consegue converter 1 tonelada de RSU em 520KWh, a mesma quantidade de resíduos em um aterro rende apenas 20KWh. É uma diferença de 26 vezes (FONTE: PENA). Sem contar que devido a possibilidade de instalação da USINAVERDE próxima as cidades (centos de consumo) também se reduz as perdas de energia durante o transporte uma vez que o trajeto será menor.
- Impacto Ambiental: no aterro sanitário os resíduos ficam enterrados durante muitos anos até que enfim se decomponham e durante esse processo são gerados diversos tipos de gases e um líquido tóxico, o chorume. O chorume deverá ser tratado em um sistema a parte (Estação de Tratamento de Efluente) e os gases se não forem queimados, como é feito usualmente, para conversão do metano em dióxido de carbono, podem ser usados para gerar energia. O problema é que nem todo gás produzido pelo aterro pode ser capturado e convertido em energia, uma parte dele sempre escapa para a atmosfera causando danos a camada de ozônio.
- Créditos de Carbono: o potencial de geração de créditos de carbono da USINAVERDE é bem maior que o de um aterro sanitário. Isso porque a quantidade de créditos de carbono criada por um projeto de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) é calculada levando-se em conta a redução na emissão de GEE (Gases de Efeito estufa) conseguida por um projeto menos a quantidade de GEE que serão emitidos pelo próprio projeto. Sendo assim, um aterro sanitário que trata a mesma quantidade de RSU que uma USINAVERDE, conseguirá menos crédito de carbono que a usina pelo simples fato de que o aterro irá emitir durante sua vida útil alguma quantidade de GEE enquanto que a usina não emite.
Fontes:
http://www.usinaverde.com.br/
http://www.ecousina.com.br/
http://www.ibge.gov.br/ [1]
http://www.ibge.gov.br/ [2]
http://www.ufrj.br/detalha_noticia.php?codnoticia=2595
https://web.archive.org/web/20101114204006/http://www.abetre.org.br/noticia_completa.asp?NOT_COD=1052
RIBEIRO. J. G. de S., BARROS, R. T. de V. e LANGE, L. C. Avaliação do Consórcio Público do Aterro Sanitário de João Monlevade – MG. Trabalho apresentado no: XXXI Congresso Interamericano AIDIS. Santiago – Chile. 12-15 Outubro de 2008. Acessado em: http://www.documentos.aidis.cl/ [.doc]
PENA, Dilma Seli. Pronunciamento na Abertura da FIESP. Seminário Internacional – Aproveitamento Energético dos Resíduos Sólidos Urbanos no Estado de São Paulo – 17 de outubro de 2008. Acessado em: http://www.saneamento.sp.gov.br/bio_apresen/Abertura_FIESP_17out.pdf
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/ecologia/usinaverde/