Por Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, doutor em Direito Penal pelas Faculdades de Direito das Universidades de São Paulo (USP) e Coimbra (Portugal), sócio do Moraes Pitombo Advogados.
A afirmação de que nenhum direito fundamental é absoluto se tornou lugar comum na doutrina brasileira, sobretudo após a extensa lista de garantias elencadas na Constituição Federal de 1988, mas está manifestamente equivocada. Se é verdade que alguns dos direitos essenciais afirmados em nível constitucional e em documentos internacionais podem ser relativizados pelo balanceamento com outros direitos com os quais se choquem em dadas situações, não se pode esquecer que um direito fundamental, pelo menos, deve ser sempre visto e tratado como absoluto.
E não é qualquer direito. Não se trata de algo que restou afirmado por questões ideológicas ou casuísticas. O direito fundamental absoluto é aquele fundante da sociedade livre e, consequentemente, da democracia: a liberdade de pensamento.
Ao longo da história da humanidade, os detentores do poder já buscaram e alcançaram a compressão ou o aniquilamento dos mais variados bens fundamentais. A vida e a liberdade, por exemplo, dois dos mais preciosos bens, foram (e são) objeto de inúmeros mandos e desmandos. Mas, o desejo secreto de todo tirano sempre foi controlar o pensamento daqueles que ousam pensar de forma diferente da sua. Surge, com esse desiderato, a doutrinação, que pode ser entendida como a manipulação do pensamento, buscando-se suprimir a liberdade de escolha, condicionando-se os juízos de valor do indivíduo a premissas estabelecidas por quem atua sobre ele em uma relação de poder.
Os juízos que levam o indivíduo às tomadas de decisões em sua existência são estabelecidos com base nos valores e conceitos absorvidos por ele durante a vida. É certo, também, que sempre pesou sobre o pensamento, a influência da família, da escola, do grupo social, da religião, dos meios de comunicação à sua disposição, etc.
Mas, mesmo nesse cenário, pode-se entender assegurada a liberdade de pensamento à medida que é dessa fragmentação de ideias, valores, conceitos, conhecimentos, opiniões, que poderá cada ser humano formar sua individualidade e manifestar seus juízos de valor e pensamentos críticos.
O que é inadmissível é submeter uma pessoa a um procedimento deliberado, sem seu consentimento válido, com o fim de moldar seu pensamento, tolhendo esse direito fundamental.
Por essa razão, a recente discussão sobre a doutrinação ideológica nas escolas padece de uma enorme confusão conceitual. De um lado, tentar coibir que um professor manifeste em sala de aula suas convicções ideológicas é um evidente atentado contra a liberdade de expressão (da qual a liberdade de cátedra é uma espécie), pois externar os valores e as ideias que estão impregnadas na forma de cada um pensar, nada tem a ver com doutrinação. Por outro, admitir que se estabeleça em sala de aula uma militância política ou partidária parece um desvio de finalidade da proposta educacional. Mas, definitivamente, o problema não se resolve por uma simplista e ilegítima norma proibitiva.
A solução está na reafirmação da liberdade de pensamento e de sua filha mais querida: a liberdade de expressão.
A sociedade que aprender a aceitá-la e protegê-la terá que desenvolver a tolerância e ganhará o maior dos prêmios: pessoas livres, capazes de pensar e formular seus próprios pensamentos de forma civilizada, gostem ou não os detentores do poder.