A Lei de Dollo (também conhecida como Lei da irreversibilidade da evolução), proposta em 1893 pelo paleontólogo belga Louis Dollo, postula que a perda de características complexas ao longo da evolução é um processo irreversível, isto é, que nenhum organismo pode retornar exatamente ao seu estado anterior, mas sempre irá preservar alguma característica dos estágios intermediários pelos quais passou, mesmo que as condições sejam idênticas às que viveu anteriormente.
Poderíamos pensar facilmente em exemplos que corroboram a Lei da irreversibilidade da evolução: baleias ou cobras parecem nunca ter readquirido seus membros ao longo do processo evolutivo; aves aparentemente nunca readquiriram seus dentes. Por outro lado, há diversos estudos que contrariam a Lei de Dollo e mostram que a volta de determinadas características é possível. Existem casos em que determinados gêneros de moluscos da família Calyptraeidae recuperaram o estado ancestral da concha (enrolado). Há também exemplos de lagartos do gênero Bachia, os quais mostram uma tendência para a perda de dedos. Espécies mais antigas possuem membros com cinco dedos e as mais recentes tenderam a reduzir o número até chegar a dois dedos. Contudo, em ao menos uma espécie ainda mais recente houve novamente uma reversão dessa condição para três dedos. Segundo a autora do estudo, no entanto, os dedos que reapareceram não são exatamente iguais, portanto provavelmente o caminho evolutivo não foi exatamente o inverso, o que não necessariamente refuta a Lei de Dollo.
Nesse sentido, o biólogo Richard Dawkins defende que tais discordâncias acerca da irreversibilidade da evolução se devem à má interpretação da Lei de Dollo, que para ele nada mais é que uma afirmação sobre a improbabilidade estatística da trajetória evolutiva seguir exatamente o mesmo curso – o que não significa que estruturas perdidas não possam reaparecer. Uma única mutação poderia ser revertida com facilidade, mas várias mutações não, por uma simples questão de probabilidade. Em seu livro O relojoeiro cego Dawkins afirma que não existe razão lógica para que uma característica não possa ser revertida ao longo da evolução: num determinado momento pode haver uma tendência para o extremo de uma determinada característica e nada impede que num outro período a tendência seja a favor do outro extremo.
Esta questão da improbabilidade abordada por Richard Dawkins foi corroborada por um estudo de 2009 que testou a Lei de Dollo em nível molecular. Ao estudar a evolução de uma determinada proteína e tentar revertê-la ao seu estado ancestral, pesquisadores descobriram que, para que isso fosse possível, seria necessário que ocorressem independentemente diversas mutações neutras ou negativas ao mesmo tempo, sem qualquer pressão seletiva, o que seria extremamente improvável. Dessa forma, a lei de Dollo tem se mostrado até aqui resistente a refutações, suscitando ainda muitos debates.
Referências:
Bridgham et al. An epistatic ratchet constrains the direction of glucocorticoid receptor evolution. Nature. 2009
Collin, R.; Cipriano, R. Dollo's law and the re-evolution of shell coiling. Proc Biol Sci. 2003.
Dawkins, R. O relojoeiro cego. A teoria da evolução contra o desígnio divino. Companhia das Letras. 1986.
Kohlsdorf, T.; Wagner, G. Evidence for the reversibility of digit loss: a phylogenetic study of limb evolution in Bachia (Gymnophthalmidae: Squamata). Evolution. 2006.