Nacionalismo

Graduada em História (USP, 2011)

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Nacionalismo é um conceito extremamente amplo, tanto no sentido estrito da palavra quanto histórico, tanto que primeiramente para compreender o que é nacionalismo é preciso entender a distinção entre Estado, nação e nacionalismo.

Estado é outro termo conceitualmente aberto e várias vezes associado erroneamente como sinônimo de nação, até o princípio do século XIX, de acordo com o historiador Eric J. Hobsbawm esses dois termos eram vistos como coisas unas.

Do ponto de vista político, o Estado é uma construção moderna, ou seja, que nasceu por volta da Idade Moderna (1453-1789), naquele contexto é habitual encontrar referências ao surgimento dos Estados Nacionais europeus, que de nacionais não têm muita coisa na verdade.

“[...] os Estados Nacionais europeus, os quais, na realidade, não correspondiam a nações homogêneas, mas agrupavam populações de distintas origens étnicas, com diferentes graus de miscigenação, com distintas tradições e, às vezes, religiões” (Guimarães, 2008).

Para tentar simplificar, neste contexto, pode-se entender Estado, como o governo de determinado território – para complicar, pode-se chamar este território de estado, no entanto, grafado com letra minúscula.

E nação? Note que quando Guimarães escreve sobre os Estados Nacionais europeus que começam a surgir no período de transição do feudalismo para a Idade Moderna, o autor menciona que aqueles territórios não passam de um agrupamento de pessoas sem qualquer tradição. Eis aqui um termo importe para o entendimento do que é nação: tradição. O que se entendia por nação naquele contexto e pelo menos até meados do século XIX, é diferente do entende-se por nação hoje.

Todavia, se o conceito de Estado é amplo, o de nação não é diferente. Ainda hoje, historiadores, antropólogos, sociólogos, pensadores das ciências humanas, de um modo geral, não são consensuais nesta definição. Era muito comum afirmar que a nação esta ligada a identidade de um povo, o que não está errado. Um determinado grupo étnico que se identifica pela língua, por tradições alimentares, pela história, pela cultura de um modo geral compõe uma nação. Em certas circunstâncias essa afirmação pode ser verdadeira, talvez em pequenos estados europeus, porém em um país de proporções continentais como o Brasil essa afirmação apresenta inconsistências. Ou seja, trata-se de um debate em aberto.

Retornando à Europa, cerne dessas ideologias e de volta à Idade Moderna, um bom exemplo é a obra de Adam Smith, este foi um economista inglês do século XVIII, por muitos considerado como o “pai do liberalismo econômico”, sua principal obra tem como título original Uma Investigação sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações. Assim como outros liberais, associam nação meramente como um corpo de cidadãos que habitam um mesmo território, independente de sua origem, língua, religião ou história.

Stuart Mill, economista e membro do Parlamento britânico, seguia mesma linha de pensamento de Smith, para ele os membros de uma determinada nacionalidade “desejam que seja um governo deles próprios, ou exclusivamente de uma porção deles” (Mill, Apud: Hobsbawm, 2008, p. 31). Portanto, para o pensamento liberal econômico nação e Estado ainda são basicamente sinônimos.

Na própria Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, publicada em 1789, no contexto da Revolução Francesa, traz em seu artigo 3º “O princípio de toda a soberania reside essencialmente em à Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que aquela não emane expressamente.”, ilustrando também que o pensamento iluminista do século XVIII, de uma modo geral, ainda entendia nação e Estados como coisas similares.

O entendimento de que nação e Estado são coisas distintas vem apenas em fins do século XIX, inclusive é somente a partir desse período que o termo nacionalismo passa a existir efetivamente.

Nessa virada, outros fatores são fundamentais para considerar um determinado povo pertencente a uma determinada nação, em princípio, são fatores essencialmente étnicos e linguísticos. “[...] nessa época, para as classes médias liberais italianas e alemãs a língua provia então um argumento central para a criação de Estado unificado nacional, e isso não tinha acontecido em lugar nenhum na primeira metade do século XIX” (Hobsbawm, 2008, p. 127.)

Contudo, é importante salientar que o século XIX é um século peculiar na história e de ebulição de muitas teorias e ideologias. As teorias a respeito de “raças” dão um reforço às teorias de um nacionalismo étnico, embora também tenham contribuído para a construção do racismo, dentro daquilo que se convencionou chamar de darwinismo social. Se hoje a linha que separa racismo e nacionalismo é óbvia, no século XIX essa divisão não era tão distinta.

Já na virada do século XIX para o XX, observa-se o fenômeno do ultranacionalismo que seria o nacionalismo exacerbado, um nacionalismo exagerado. Esse “novo nacionalismo” pauta-se nas questões étnicas, linguísticas, culturais e históricas para designar uma nação. Não é à toa, e quase um consenso historiográfico admitir que a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi um conflito de base essencialmente, não apenas, mas principalmente nacionalista, para não dizer inflamada pelo ultranacionalismo.

O nacionalismo enquanto movimento ganhou surpreendente força após a Primeira Guerra Mundial, o esfacelamento de grandes Impérios como o Turco-Otomano e o Austro-húngaro, o surgimento de novos estados, o desaparecimento de outros e os revanchismos do pós-guerra insuflaram os movimentos nacionalistas. Exemplo clássico, é o caso alemão, que perdeu territórios de acordo com os termos do Tratado de Versalhes (1919), além de ter que cumprir inúmeras outras clausulas, o que fez nascer, em alguns alemães, um sentimento de “humilhação”.

Quando Adolf Hitler funda o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (em alemão, Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterparte), popularmente conhecido como Partido Nazista – em função da abreviação de Nazi, do original Nationalsozialistische – há fundamente uma tentativa de um resgate dos tempos gloriosos da Alemanha de outrora, desde os tempos do Primeiro Império Alemão, na verdade, o Sacro Império Romano Germânico (962-1806).

É nesse sentido que Hobsbawm afirma que “a história é a matéria-prima para as ideologias nacionalistas ou étnicas ou fundamentalistas, tal como as pápulas para o vício da heroína. O passado é um elemento essencial, talvez o elemento essencial nessas ideologias.” (Hobsbawm, 2005, p. 17, grifo do autor).

Bibliografia:

DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO (1789). Disponível em: https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/414/2018/10/1789.pdf, acesso em 01 nov. 2021.

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Nação, nacionalismo, Estado. In: Revista Estudos Avançados, vol. 22, nº 62. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados, 2008, p. 145-159.

HOBSBAWM, Eric J. Dentro e fora da História. In: Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 13-21.

_______________. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2008.

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Nação. In: Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Editora Contexto, 2009, p. 308-311.

Arquivado em: Filosofia, Política
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