É comum pensar que o relativismo em Ética seja garantido pela vasta diferença de opiniões morais em uma sociedade. As opiniões morais a respeito do aborto ou da esmola seriam relativas, pois alguns as aceitam e outros as criticam. Há uma espécie de relativismo nesse pensamento, mas necessita ser especificado. O relativismo é uma tese metafísica, ou seja, é uma afirmação sobre a realidade, sobre como as coisas são. Para o relativismo, não há padrões universais ou verdades absolutas. O infanticídio, por exemplo, pode ser aceito em algumas culturas e rejeitado por outras, sem que haja alguma forma de determinar se esse ato é em si moralmente permitido ou errado.
É um engano, entretanto, acreditar que a divergência de opiniões morais seja suficiente para garantir a tese do relativismo, ou seja, para afirmar que padrões e regras morais são relativos e que essa resposta é final. Todo esse debate não é simplesmente uma pesquisa de opinião. Para que possamos fundamentar a tese relativista, adota-se uma série de investigações e argumentos. Estes pretendem tornar racionalmente aceitável a tese de que a moralidade é uma questão restrita às convicções, práticas e tradições de um grupo de pessoas ou de uma cultura.
Um dos principais defensores do Relativismo moral é Gilbert Harman. Muitos de seus argumentos comparam a moralidade com fenômenos em outros campos do saber. Uma das comparações mais interessantes é com a Física: não há como determinar, de forma absoluta, se algo está ou não em repouso. Essa avaliação só pode ser relativa: todo objeto está em repouso ou movimento em relação a um determinado ponto de referência.
O mesmo ocorreria com a Ética:
“Há muitas moralidades ou estruturas morais de referência e se algo é moralmente certo ou errado, bom ou mau, justo ou injusto, virtuoso ou não é sempre uma questão relativa. Algo só pode ser certo ou bom ou justo apenas em relação a uma estrutura moral e errado ou mau ou injusto em relação a outra. Nada é simplesmente certo ou bom ou injusto ou virtuoso.” (HARMAN, 2015, p. 858, tradução nossa)
A diversidade moral é um fato que não podemos negar, mas em que sentido é possível tomar esse fato como evidência de que não há valores morais absolutos? Sabemos que todo ser humano é falho em seus raciocínios e decisões, e que parte dessa imperfeição é refletida em suas ações. Devemos, assim, esperar certa falha no comportamento moral das nossas sociedades e dos diversos agrupamentos humanos. Nenhuma moralidade pode ser, nesse sentido, a mais correta ou perfeita. Não estaríamos, em certo sentido, falhando em tomar as melhores decisões?
Em todo caso, a tese defendida por Gilbert Harman não está relacionada ao que uma ou algumas pessoas pensam sobre determinado ato ou valor moral, nem da impossibilidade de chegarem a um acordo. Assim como na Física dependemos de oferecer um ponto de referência para avaliar se algo está ou não em movimento, na moralidade também precisamos oferecer algum contexto. Quando dois brasileiros discutem sobre o aborto, é nesse contexto que será avaliada toda a discussão. E essa avaliação não depende do que cada interlocutor pensa ou acredita sobre o aborto, pois é por uma questão metafísica, a saber, a ausência de um valor universal para a moralidade do aborto, que esse ato só pode ser avaliado contextualmente – sendo rejeitado ou permitido, sem que isso indique que o ato é em si moralmente correto ou inaceitável.
Gilbert Harman considera, como outros filósofos, que oferecer o relativismo moral como a melhor explicação para toda a diversidade moral que percebemos. Esse posicionamento pressupõe que as demais teorias, realistas ou mesmo construtivistas, não são capazes de oferecer outra explicação, que seja mais plausível, para a complexidade moral que percebemos em nossas sociedades.
Referências bibliográficas:
AUDI, Robert. Moral Value and Human Diversity. Oxford: Oxford University Press, 2007.
HARMAN, Gilbert. Is There a Single True Morality?. In: HARMAN, Gilbert. Explaining value and other essays in moral philosophy. New York: Oxford University Press, 2000. p. 77-99.
_____. Moral relativism is moral realism. Philosophical Studies, v. 172, n. 5, p. 855-863, apr. 2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1007/s11098-014-0298-8>. Acesso em 20 mar. 2018.
WESTACOTT, Emrys. Moral Relativism. Stanford Encyclopedia of Philosophy. 2012. Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/moral-re/>. Acesso em 22 de abr. 2018.