Por Ana Paula de Araujo
Heráclito, considerado um dos filósofos pré-socráticos mais importantes, nasceu em Éfeso, região da Jônia, por volta de 540 a.C., tornou-se conhecido como o ‘pai da dialética’, pois abordava a questão do devir – o vir a ser, as mutações. Avesso à vida em sociedade, de natureza triste e arrogante, era chamado de ‘Obscuro’, por rejeitar a vida pública, desconsiderar a arte, a filosofia e a religião, bem como por ter escrito uma obra – “Sobre a Natureza” – considerada pouco inteligível em seu estilo. Depois de algum tempo, radicalizou sua filosofia de vida e passou a viver isolado nas montanhas.
Apesar de tudo, ele expressou com intensidade a questão da singularidade constante do Homem em vista da diversidade e da mutação dos objetos efêmeros. Ele comprovou a realidade do ‘Logos’, uma lei geral que governa todos os eventos de natureza privada e é o alicerce da ordem universal, de uma harmonia constituída por oposições internas. Seus ensinamentos são polêmicos até hoje. De sua produção filosófica restaram os aforismos - sentenças que em poucas palavras revelam uma regra ou um princípio de longo alcance -, reproduzidos ao longo dos séculos pelos mais variados escritores. Eles foram produzidos por Heráclito em um estilo próprio dos oráculos.
Segundo Heráclito, o fluxo permanente define a harmonia universal. Tudo se move, nada se fixa na imutabilidade. Ele costumava repetir uma frase que se tornou célebre – ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários. Para este filósofo, a dialética pode ser exterior – um raciocínio de dentro para fora - e imanente do objeto – quando se foca na observação atenta do ser. Heráclito entende este processo dialético como um princípio.
Deste conflito entre os opostos é que nasce a concórdia, a harmonia. Isto permite que o Ser seja uno ao mesmo tempo em que se encontra mergulhado nas constantes mutações do contexto que o envolve. Ele ainda afirma que os contrários ocupam perfeitamente o mesmo espaço, simultaneamente, como o início e o final de uma esfera. Partindo destes postulados, Heráclito estabeleceu uma ‘arché’, ou seja, uma origem de tudo que há – o fogo, para ele o elemento primordial entre os outros que constituem o universo: água, terra, ar. Sob seu ponto de vista, esta substância transmuta-se em tudo que existe, assim como tudo nela se transforma – percebe-se, assim, um fluxo constante de mutação.
Embora tudo pareça obscuro em Heráclito, ele foi com certeza um filósofo notável e acalentou em seu intelecto incomum profundas reflexões. Ele mergulhou na compreensão da essência do ser e de tudo que existe, e possivelmente foi um homem além de seu tempo. Talvez por isso se sentisse tão deslocado entre seus contemporâneos.