Livro de Flávia Savary.
1- A ORIGEM DA NOITE
O índio Uánham achou uma falha na criação: era dia atrás de dia, dia atrás de dia. Não havia noite para descansar. Por isso o índio resolveu procurar a Surucucu para poder comprar a noite.
A ardilosa cobra conseguiu enganar o moço da primeira vez dando-lhe uma noite pequena que não ajudou muito; mas quando o valente índio volta para a toca da Surucucu com uma cabaça cheinha de veneno ela pegou uma mistura de jenipapo e imundícies e criou a Noite Grande. É por essa razão que à noite, babamos, ficamos com medo, resseca a nossa boca e acordamos com mau-hálito, mas nada que um banho não resolva.
2- BAHIRA, O PAJÉ QUE ROUBOU O FOGO
No passado não havia fogo na tribo dos Kawahiwas e o dia-a-dia das mulheres era uma luta, então resolveram chorar suas mazelas junto ao pajé Bahira que resolveu sair em busca do fogo. Sabia que quem o tinha eram os urubus, fingiu então estar morte e quando eles se aproximaram pensando em banquetear-se Bahira roubou o fogo e fugiu tão rápido que conseguir escapar.
Para seu desespero entre a aldeia e o fogo ficava um rio bem largo e mesmo pedindo ajuda a muitos animais só o sapo Cururu é que conseguiu levar o fogo para a aldeia.
3 – QUEM MAIS AMEAÇA: CHUVA OU ONÇA?
Numa noite, enquanto a tribo conversava sobre as lendas da noite, Jaguaretê, a onça, os observava quando a chuva veio conversar com ela. E nesta conversa ficaram discutindo quem é que os índios temiam mais: a onça ou a chuva.
A onça rosnou o mais alto que podia e só conseguiu ouvir o comentário que seria caçada quando o dia clareasse, mas quando a chuva com toda a sua força veio a cair na tribo, afugentou a todos e a onça que a tudo assistia teve que dar a pata a torcer e reconhecer que a chuva é a que os índios mais temiam. E é assim até hoje.
4 – COMO NASCEU O GUARANÁ
No tempo em que os bichos falavam, havia três irmãos, dois homens e uma mulher que tinha o dom de cuidar da natureza, tornando encantado tudo que cuidava.
Um dia a Surucucu para infelicidade dos ciumentos irmãos, fez a índia engravidar e esta foi viver na floresta.
Quando o curumim nasceu este ficava querendo comer as frutas do sítio dos tios. Até que um dia ao roubar castanhas, acabou sendo morto. Então a triste mãe pegou os olhos do filho e os plantou para virar a fruta que dá energia a todos que a tomam: o guaraná.
5 – CURUPIRA E JUVENAL, O CAÇADOR.
Lá pelas bandas do rio Solimões vivia um caçador que se gabava muito de suas caças.
Um dia encontrou o Curupira e quando lhe pediu o coração, este lhe entregou e morreu. Passado um ano Juvenal volta à floresta e para sua surpresa encontra vivo o Curupira que dá ao caçador uma flecha mágica.
Juvenal ficou mais prosa, então os caçadores da aldeia o seguem e descobrem como ele caçava, mas ao usarem a flecha esta volta como Surucucu e mata o caçador. Todos na aldeia vão embora, menos Juvenal com a família e alguns outros. Até hoje dizem que Juvenal vai para a floresta conversar com seu “avô” Curupira.
6 – MANI, A MANDIOCA
Há muitas e muitas luas passadas, existia uma tribo que tinha o chefe mais bravo que já existira. Ele tinha por filha a índia mais bonita da aldeia.
Um dia a filha aparece grávida e desta gravidez nasce a mais linda menina que antes de completar 1 ano já imita animais e até dança. E é adorada por todos.
Um dia sem explicação, teve uma morte súbita. Chorou-se muito naquela aldeia e enterraram a menina dentro de casa. Um dia perceberam que no túmulo nasceu uma plantinha e vieram a descobrir que Mani, a menina, virara mandioca para sustentar todos na sua aldeia.
7- CEUCI, A VELHA GULOSA
Ceuci era uma velha gulosa, feiticeira a quem a fome não dava trégua.
Um dia o índio Anambé em suas pescarias a enfrentou e acabou sendo pego por ela. Chegando em casa Ceuci deixou sua “pesca” e foi armar o moquém, para assar o moço, enquanto isso a cunha filha da feiticeira salva o pobre índio e ele foge. Ceuci saiu em sua perseguição, mas o esperto rapaz consegue com a ajuda dos seus amigos animais, fugir e voltar para casa depois de muitos anos encontrando o “colo” da sua mãe.
8 - A LENDA DA VITÓRIA-RÉGIA
Naiá sempre desejou viver perto de Iaci, a lua, e virar uma estrela.
Toda noite de lua cheia Naiá subia num monte e ficava sonhando acordada com o reino da lua.
Muitos guerreiros se candidataram ao posto de pretendente da moça, mas nada conseguiam e desistiam.
Passaram-se muitas luas e Naiá já não comia, nem dormia, então Iaci fez aparecer nas águas claras de um igarapé a lua com toda sua beleza.
Naiá não pôde acreditar e lançou-se do alto do morro sobre a água e afogou-se
A lua, olhando do alto, sentiu o coração apertar no peito e para remedia a situação transformou-a numa estrela, a vitória-régia, que enfeita a noite com seu perfume e beleza.
9 – COBRA NORATO MARCHA SOLDADO!
Num dia enquanto se refrescava no rio uma cunha, sentiu o roçar da Cobra Grande e depois de nove meses, nasceram gêmeos. Mas não eram curumins: eram duas cobras que receberam o nome de Honorato e Maria.
Honorato era amigo do povo ribeirinho, enquanto Maria era malvada e por isso era chamada de Maria Caninana.
A todas as maldades da irmã, Honorato conseguia livrar seus amigos.
Honorato à noite sempre visitava sua mãe; escondido num canto livra-se da pele de cobra e virava um bonito moço. Numa dessas visitas a mãe conta-lhe que poderia ser homem para sempre se encontrasse um rapaz valente que despejasse leite de peito de moça parida na boca da Cobra Grande.
Honorato muito procurou até que achou um rapaz fardado que o ajudou sem pensar e desde esse dia, transformado em moço, ele decidiu ser soldado.
A única memória que sobrou da vida de cobra é que, quando o ex-Cobra Norato marchava, seu passo meio que serpenteava pelo chão.
10 – O BOTO
Luzia era a moça mais linda daquela aldeia. Um dia foi a uma festa com seu irmão caçula e ao dançar com alguns pretendentes, conhece um moço de branco, que não tirou o chapéu nem para cumprimentá-la. Trazia todo galante, o presente perfeito para uma menina-moça: um botinho. Ela agradeceu com um sorriso tímido, e ele a conduziu para as margens do rio. À medida que se aproximavam do rio, Luzia só ouvia as palavras molhadas do boto.
Se Luzia tivesse ouvido a mãe saberia que estava caindo nas garras do boto, que não tirava o chapéu para esconder os furos no alto de sua cabeça. Mas a travessa moça, agora não dava ouvidos a mais ninguém. Para sua sorte quando ao ser beijada pelo boto, surge seu irmão e outros homens da festa que matam o boto e a salvam.
No dia seguinte o que mais viam às margens do rio eram moças, umas prenhes, outras já com o filho de colo, que desde o berço já usavam bonezinho para esconder o buraco da cabeça. E junto a essas moças também chorava Luzia que custou tempo pra se curar.