Fábula

Por Carlos Eduardo Varella Pinheiro Motta

Doutorado em Letras - Literatura e Língua Portuguesa (PUC-Rio, 2013)
Mestrado em Linguística, Letras e Artes (PUC-Rio, 2008)
Graduação em Jornalismo (PUC-Rio, 2001)

Categorias: Gêneros Literários, Redação
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A palavra latina “fábula” deriva do verbo fabulare (“conversar”, “narrar”), o que mostra que a fábula tem sua origem na tradição oral. A propósito, é da palavra latina “fábula” que surgiu o substantivo português “fala” e o verbo “falar”.

A maioria dessas narrativas apresenta animais com características humanas, que simbolicamente representam algumas habilidades, qualidades e defeitos humanos: a astúcia, a preguiça, a persistência, etc., de onde se extrai um conteúdo moral. Desse modo, as fábulas, compõe-se de duas partes: uma narrativa – alegórica, uma vez que os animais são representações de aspectos da sociedade humana – e uma moral, geralmente uma frase breve que sintetiza o conteúdo do ensinamento em termos abstratos.

Podemos observar essas caraterísticas no texto abaixo, atribuído a Esopo:

A Lebre e a Tartaruga

A lebre vivia a se gabar de que era o mais veloz de todos os animais. Até o dia em que encontrou a tartaruga.

– Eu tenho certeza de que, se apostarmos uma corrida, serei a vencedora – desafiou a tartaruga.

A lebre caiu na gargalhada.

– Uma corrida? Eu e você? Essa é boa!

– Por acaso você está com medo de perder? – perguntou a tartaruga.

– É mais fácil um leão cacarejar do que eu perder uma corrida para você – respondeu a lebre.

No dia seguinte a raposa foi escolhida para ser a juíza da prova. Bastou dar o sinal da largada para a lebre disparar na frente a toda velocidade. A tartaruga não se abalou e continuou na disputa. A lebre estava tão certa da vitória que resolveu tirar uma soneca.

“Se aquela molenga passar na minha frente, é só correr um pouco que eu a ultrapasso” – pensou.

A lebre dormiu tanto que não percebeu quando a tartaruga, em sua marcha vagarosa e constante, passou. Quando acordou, continuou a correr com ares de vencedora. Mas, para sua surpresa, a tartaruga, que não descansara um só minuto, cruzou a linha de chegada em primeiro lugar.

Desse dia em diante, a lebre tornou-se o alvo das chacotas da floresta.

Quando dizia que era o animal mais veloz, todos lembravam-na de uma certa tartaruga...

Moral: Quem segue devagar e com constância sempre chega na frente.

As fábulas atribuídas a Esopo fazem parte da tradição oral, cujas fontes permanecem anônimas e remontam à civilização Assíria de 3.000 a.C. No século IV a.C., Demétrio de Falero, orador, estadista e historiador grego fez uma compilação dessas narrativas, seguido, três séculos depois, pelo romano Caio Júlio Fedro. Entretanto, a versão mais conhecida na atualidade advém da coletânea em prosa realizada pelo monge bizantino Planúdio, no século XIV. Com base nessa versão, as narrativas foram traduzidas para muitas outras línguas. Existe um manuscrito em português do século XV, conhecido como Fabulário Português Medieval, ou O Livro de Esopo, que foi publicado em forma de livro no início do século XX. A versão inglesa mais conhecida, por sua vez, data de 1692.

A existência do fabulista ainda é muito questionada, pois acredita-se que havia uma tradição grega de eleger um inventor para cada gênero literário, e assim, convencionou-se escolher Esopo como pai das fábulas. Entretanto, há cogitações de que Esopo era um escravo Frígio que viveu entre os séculos VI e VII a.C. e, depois de liberto, viajou para a Grécia, onde se tornou um grande fabulista. Essa suposição advém dos escritos de Heródoto, que viveu no século V a.C. e, a partir daí, outros historiadores e fabulistas, passaram a defender a existência do autor.

Jean de La Fontaine, considerado o pai da fábula, escreveu uma biografia de Esopo baseada em outras já consagradas. Na obra, é-nos informado que, depois de ser propriedade de alguns senhores, Esopo foi vendido ao filósofo grego Xanto, de Samos, que lhe concedeu a liberdade diante de sua inquestionável sabedoria. Após esse episódio, ele se dedicou a viajar e conhecer a corte de diversos reinos, como Egito e Babilônia. Sua sabedoria fez com que angariasse o respeito de nobres e monarcas, consolidando sua fama nos lugares por onde passava. Sua morte, no entanto, foi trágica, atirado de um penhasco por condenação dos délficos, mediante uma prova forjada, como relata o historiador Plutarco.

La Fontaine, à semelhança do antecessor, também apostava no poder moralizante de suas narrativas, como podemos observar no texto a seguir:

O GRANDE CONGRESSO DOS RATOS

Miciful, gato astuto, havia feito tal matança entre os ratos, que apenas se via um ou outro: a maior parte jazia morta. Os poucos que ousavam a sair de seu esconderijo passavam mil apuros: para aqueles desaventurados, Miciful não era um gato, mas o próprio diabo.

Certa noite, o inimigo dos ratos deu uma trégua, resolveu passear pelos telhados atrás de uma gata, com a qual ficou entretido em um longo colóquio; os ratos sobreviventes aproveitaram para se encontrar em um congresso, para discutir a grande questão daquele momento: o que fazer contra os ataques de Miciful.

O grande líder dos ratos, fazendo jus à sua posição, opinou antes de todos: “Por motivo de cautela, julgo ser preciso prender, sem demora, um guizo no pescoço de Miciful; assim, quando ele sair à caça, todos nós vamos poder ouvir e fugir do perigo!”

Todos concordaram com a ideia; a todos a medida pareceu excelente... porém, surgiu uma única dificuldade: saber quem iria amarrar o guizo no pescoço do gato. Um rato disse: “Não vou arriscar a pele, não sou assim tão tolo.” Outro: “Pois eu tão pouco me atrevo.” E assim, um a um os ratos foram desistindo da empreitada e o congresso foi dissolvido.

***

Assim sempre acontece nos conselhos e reuniões! Se precisar discutir e deliberar, os conselheiros aparecem aos montes, assim como planos e projetos. Porém, se algo precisar ser feito, aí não dá para se contar com ninguém! (LA FONTAINE, 2012, p. 6)

Por meio da fábula supracitada, podemos perceber a crítica do autor à postura humana diante de uma tarefa a ser desempenhada. La Fontaine preserva todas as características clássicas das fábulas, incluindo a proximidade com ditos populares e a “moral” em poucas linhas ao fim do texto.

As críticas à sociedade contidas nas fábulas, tanto em Esopo como em La Fontaine, podem ser observadas mediante a utilização de recursos estilísticos como a ironia e a sutileza.

Referências bibliográficas:

CADEMARTORI, L. O Professor e a Literatura. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

CAMPBELL, J. O Herói de Mil Faces. 3ª edição. São Paulo: Pensamento, 1989.

GRENBY, M. O. Children’s Literature. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2008.

MACHADO, A. M. Como e Por Que Ler os Clásssicos Universais Desde Cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.

MACHADO, M. Z. V.; MARTINS, A. G.; PAIVA, A.; PAULINO, G. (Orgs.). Escolhas Literárias em Jogo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

MARINHO, J. M. A Convite das Palavras: motivações para ler, escrever e criar. São Paulo: Biruta, 2009.

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