A dependência europeia do gás russo consiste na incapacidade energética dos países europeus produzirem este combustível em tempos de crise. Esta falta de autonomia foi visibilizada a partir de 2020, com a crise humanitária da covid-19 e os conflitos geopolíticos.
Em 2021 a União Europeia (UE) importou cerca de 155 bilhões de metros cúbicos de gás natural da Rússia, o equivalente a 40% do consumo total de gás da UE. As nações da Europa que mais fazem importação do gás produzido pela estatal russa Gazprom são: Alemanha, Itália, Áustria e França. Completam esta lista os países que consomem uma quantidade menor de gás, como Finlândia, Holanda, Dinamarca, Grécia e Bélgica. De acordo com a Agência Internacional de Energia, a Alemanha foi a maior importadora do gás russo em 2020 (42,6 bilhões de metros cúbicos), seguida pela Itália com 29,2 bilhões de metros cúbicos.
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Alemanha: motor industrial da Europa
A Alemanha apresenta a economia mais importante da Europa ocidental e, em escala mundial, é a quarta potência. Desta forma, um desabastecimento substancial de gás proveniente da Rússia acabaria por causar um efeito dominó em todos os países da UE. Isso ocorreria devido ao fato de que a Alemanha é considerada a propulsora do campo industrial europeu, principalmente em segmentos essenciais como o químico e o farmacêutico.
O gás natural é responsável por 50% da atividade industrial alemã, a maior parte importado da Rússia. Portanto, o fornecimento da Gazprom acaba por se tornar essencial, pois tem os preços mais acessíveis em relação ao que poderia ser adquirido de outros países mais próximos como: Argélia, Noruega, Catar e Turcomenistão. O valor mais acessível ocorre devido à logística oferecida pela Gazprom, que traz um bom custo-benefício à atividade industrial alemã.
Vale lembrar que a Alemanha dispunha de um vasto poderio de abastecimento via energia nuclear até o final do século XX. Porém, ao começo do século XXI, estes projetos sofreram diversas críticas por meio de ONGs e think-tanks, além do aparato midiático, e gradualmente diminuíram ou até mesmo cessaram seu funcionamento, o que gerou o começo da dependência do gás.
De acordo com analistas geopolíticos, se a Gazprom parasse definitivamente de fornecer gás à UE, ocorreria uma implosão do modelo econômico que tem dependência focada nas exportações industriais e, assim, da importação a valores acessíveis de combustíveis fósseis.
Sanções à Rússia
Após o início da invasão russa ao território ucraniano em 2022, foram impostas sanções à Federação Russa em convergência com os interesses geopolíticos dos Estados Unidos, nação que lidera a OTAN devido ao seu potencial bélico e influência econômica.
Estas sanções configuraram-se na diminuição da importação dos países da Europa ocidental em relação ao gás e proibição da participação de entidades russas em diversos segmentos sociais, que resultou na chamada russofobia, principalmente na Europa ocidental. Porém, estas medidas dos EUA acabaram por gerar uma divisão dentro da OTAN, visto que países formadores do grupo, visivelmente a Alemanha, não poderiam entrar em contradição com seus próprios interesses devido a uma medida unilateral proveniente dos Estados Unidos.
Crise energética na Europa
Em detalhe, estas retaliações em relação à Rússia acabaram por se tornar um problema para estes países ocidentais europeus, visto que o seu campo industrial começou a sofrer com a dependência do gás fornecido pela Gazprom, e isso resultou em uma perda de vantagens competitivas.
Desta forma, o presidente russo Vladimir Putin iniciou uma manobra contraofensiva. Ele declarou que o pagamento do gás fosse realizado diretamente no Gazprombank – banco da estatal da Rússia. Essa foi uma forma de contornar o congelamento do dinheiro - realizado pelo sistema bancário Swift que é controlado pelos EUA - enviado pelos países europeus para a Federação Russa. Assim, Alemanha e outros países dependentes do gás começaram a pagar em divisas estrangeiras convertidas em rublos (moeda russa) diretamente ao Gazprombank.
Nord Stream
O abastecimento da Europa por meio do gás russo ocorre através da rota chamada Nord Stream. Considerado um projeto prioritário para a rede energética dos países europeus, o Nord Stream apresenta-se como uma ferramenta fundamental ao suprimento de energia da Europa desde o ano 2000. Notavelmente, antes da construção do Nord Stream, nenhum país apresentou a capacidade de fornecer gás para o continente europeu por meio de tubos que atravessam 1224 quilômetros, saindo do gasoduto que vai da Rússia até a Alemanha.
Nord Stream 2
O Nord Stream 2 configura-se em um gasoduto que liga a região Oeste russa e a área Nordeste da Alemanha. Sua tubulação passa sob o Mar Báltico e conta com 1200 quilômetros de extensão. Por meio de sua estrutura são transportados 55 bilhões de metros cúbicos de gás por ano. Assim, por meio dessa estrutura são direcionados à Europa anualmente 110 bilhões de metros cúbicos do fóssil líquido.
Em 26 de setembro de 2022, explosões danificaram três dos quadro dutos que compõem o Nord Stream 1 e 2, comprometendo severamente o fornecimento de gás para a Europa por meio desses gasodutos (ainda existem outros gasodutos que ligam Rússia à Europa). As causas das explosões ainda não foram identificadas (outubro/2022).
Ucrânia
Em meio à "operação militar" russa no território ucraniano, a Alemanha indicou em um primeiro momento que as operações do Nord Stream 2 seriam canceladas, barrando a importação do gás russo devido a interesses geopolíticos da OTAN. Porém, ao entender que isso poderia trazer a paralização da economia alemã e, acima de tudo, causar milhares de mortes devido à falta de aquecimento residencial, o governo precisou rever esta medida, pois a classe industrial alemã iniciou diversos protestos. Logo a sanção foi refreada, indicando um retorno das atividades relacionadas ao Nord Stream 2, embora a discussão não pareça resolvida.
Essa questão apresenta fundamentalmente a dependência da Alemanha e outros países da Europa ocidental em relação ao gás russo. Em períodos de crises geopolíticas e diplomáticas, estas nações veem-se como coadjuvantes dos interesses dos EUA, país que lidera a OTAN e mantém bases militares em nações europeias desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, a UE não dispõe de autonomia para gerir sua atuação diante de conflitos ou crises econômicas.
Fontes:
https://www.energymonitor.ai/policy/how-can-the-eu-end-its-dependence-on-russian-gas
https://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/7627-a-nova-realidade-do-mundo-multipolar