Inverno nuclear

Por João Marcelo Vela

Mestrado em Geografia (UFSC, 2015)
Graduação em Geografia (UFSC, 2012)

Categorias: Clima, Geografia
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"Inverno nuclear" foi uma expressão criada por um grupo de pesquisadores estadunidenses que relataram um suposto cenário climático da Terra depois de uma possível guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética, potências econômicas (e bélicas) do mundo bipolar de então. Esse estudo, produzido por Richard P. Turco, Owen B. Toon, Thomas P. Ackerman, James B. Pollack e Carl Sagan, foi intitulado como "Conseqüências Atmosféricas e Climáticas a Longo Prazo de um Conflito Nuclear", ficando depois conhecido como o relatório TTAPS, iniciais dos sobrenomes dos cinco autores. O relatório foi publicado em 1983, ainda durante a Guerra Fria.

Teste de bomba nuclear realizado pelos Estados Unidos, em região remota da Micronésia, em 1946.

O grande diferencial do estudo TTAPS em relação a outros já existentes sobre o tema foi o impacto da enorme quantidade de pó e fumaça gerada por explosões nucleares e incêndios resultantes. O manto de pó e fumaça poderia alterar a atmosfera, alterando o clima, consequentemente, e se difundindo a grandes distâncias. Com modelos matemáticos, os teóricos apontavam uma quantificação dos efeitos da possível guerra nuclear em termos do grau em que partículas suspensas poderiam impedir a radiação solar de chegar à Terra.

Distintas possibilidades de níveis de megatonagem e locais de detonação, seja por ar ou por terra, foram consideradas, apontando para consequências atmosféricas, climáticas e radiológicas aterradoras. Mesmo no verão, as temperaturas tenderiam a uma redução para níveis muito abaixo do ponto de congelamento da água. A luz do dia seria drasticamente reduzida e essas condições poderiam durar vários meses, além de se espalharem para regiões muito distantes das atacadas, inclusive no Hemisfério Sul.

Com a luz do sol bloqueada, a agricultura ficaria comprometida, dando origem a uma grande crise de abastecimento em todo o mundo que poderia durar alguns anos. Além disso, os ecossistemas do planeta seriam abalados, com um impacto inestimável sobre todo a diversidade de seres vivos. Graves prejuízos à saúde da população sobrevivente poderiam trazer muitas doenças e mortes.

Paisagem de cidade destruída após guerra nuclear. Ilustração: SugaBom86 / Shutterstock.com

As consequências físicas, atmosféricas e biológicas presentes nesse estudo foram, a pedido de Carl Sagan, analisadas por uma renomada equipe, formada por dezenas de pesquisadores de diferentes campos do conhecimento. De modo geral, o grupo concordou com as conclusões do relatório no que dizia respeito às reduções consideráveis na quantidade de luz solar que chega à superfície terrestre e das alterações climatológicas de vulto. Aos efeitos climatológicos de temperaturas glaciais e possível escuridão, a equipe de ciências físicas adicionou possíveis agressões relacionadas à exposição à radiação e precipitações, exposição à radiação ultravioleta causada pelo empobrecimento da camada de ozônio e ação nociva de gases tóxicos desprendidos por combustão de materiais sintéticos.

Uma equipe de biólogos somou-se ao grupo para analisar os efeitos da escuridão prolongada e alterações climáticas extremas sobre o fitoplâncton e o zooplâncton, sobre outras formas vivas vegetais e animais e sobre a agricultura. Ao refletirem sobre as condições do possível pós-guerra nuclear e suas influências em elementos de ecossistemas marinhos, de água doce e terrestres, referente à exposição prolongada a radiação ionizante e à luz ultravioleta, além da interrupção em grande escala do funcionamento de ecossistemas naturais imprescindíveis à sustentação da vida humana e da produção de alimentos – considerando: clima e condições de tempo; preservação do solo e controle de pragas das lavouras – todos acordaram que esses efeitos sobre a biosfera poderiam destrutivos de forma nunca antes ocorrida e nem imaginada, concluindo que a possibilidade desses efeitos a longo prazo acarretarem na exterminação da humanidade e da maior parte de espécies selvagens do planeta era real e, por isso mesmo, desesperadoramente alarmante.

Os efeitos e repercussão dessa Conferência foram tão importantes que, cada vez mais instituições e cientistas foram se somando à causa, em diferentes eventos, chegando ao ponto de, cientistas estadunidenses e soviéticos se comunicarem no histórico evento conhecido como Conexão Moscou, sendo a primeira vez que as comunicações por satélite foram usadas para pôr em contato, ao vivo, um grupo de cientistas dos dois países, num intercâmbio de informações científicas. A conclusão dessa importante reunião foi importantíssima para a humanidade e unânime: uma guerra nuclear arruinaria a nossa civilização.

Fontes:

ROBOCK, Alan & TOON, Owen. Guerra Nuclear Local: Catástrofe Global. In: Scientific American Brasil. Ano 8, nº 83, Fev. 2010. pp. 46-53.

Revista Galileu. O fim do mundo: O que é o "inverno nuclear"? Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT987535-1716,00.html>. Acesso em 04/12/2019.

SAGAN, Carl et. al. O Inverno Nuclear. Trad. João Gulherme Linke. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985,

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