A Terra constitui-se como um grande sistema, integrado de partes e componentes específicos que são seus subsistemas. A atmosfera, a litosfera e a hidrosfera, e na interseção destes, a biosfera, são partes de uma complexa engrenagem alimentadas por fluxos de energia advinda da radiação solar, todos estes subsistemas trabalham de forma particular, mais interagem amplamente entre si, condicionando uma verdadeira máquina complexa e linear. (DREW, 1998)
A existência de seres vivos, bem como a distribuição destes na superfície terrestre, só se torna possível mediante as condições ambientais construídas na interação dos subsistemas. Tais ambientes serão espacializados geograficamente de acordo com as especificidades de cada subsistema, ou seja, as características ambientais da biosfera são condicionadas automaticamente pelas variações dos padrões e fenômenos de ordem biótica e abiótica presentes na mesma.
De forma específica alguns fatores e elementos do meio natural são determinantes para existência e sobrevivência de indivíduos ou de grupos taxonômicos, bem como da sua espacialização na superfície terrestre. Estes fatores podem ser divididos em três agrupamentos específicos, ou fatores de ordem: física, química e social ou biótica. Cada fator deste apresenta características definidas, porém agem de forma integrada na criação de ambientes naturais na Terra. (MARTINS, 1985)
Os fatores de ordem química são aqueles referentes aos elementos e substâncias químicas essenciais para a existência da vida, o oxigênio, por exemplo, é um elemento químico de suma importância para os seres vivos aeróbicos, como os seres humanos. O gás carbônico é outro composto químico essencial para os seres vivos vegetais e para algumas espécies de algas. E por fim, tem-se a água, a substância da vida, direta ou indiretamente a água está presente na estrutura fisiológica de praticamente todos os seres vivos. Assim, tais elementos mostram-se essenciais para a vida na Terra, e fazem parte dos chamados ciclos biogeoquímicos dos subsistemas terrestres.
Os fatores de ordem social ou biótica são referentes às inúmeras relações sociais desenvolvidas dentro de um determinado grupo taxonômico, ou entre grupos taxonômicos diferentes, mas que habitam o mesmo bioma trata-se, portanto, das relações harmônicas e desarmônicas. Estas relações definem a estrutura, a organização, a disseminação e os níveis tróficos de cada espécie, assim, a existência de algumas espécies são restringidas não somente pelos aspectos de ordem abiótica, mas, também pelas relações sociais desencadeadas com os membros de seu grupo, ou por indivíduos de grupos diferentes.
Já os fatores de ordem física são formados através de elementos de ordem abiótica presentes no meio natural, assim, as características edáficas, litológicas, geomorfológicas e climáticas, são os principais agentes dos fatores de ordem física. Os aspectos edáficos são essenciais para os seres vivos vegetais, pois é sobre o solo, que estes organismos se fixam e retiram a grande maioria de seus nutrientes, já para os seres animais há uma relação dinâmica com solo, pois é neste, que grande número de espécies terrestres habitam.
Porém é o clima um dos elementos mais importantes dentro do grupo dos fatores de ordem física, pois este “influencia diretamente as plantas, os animais (incluindo o homem) e o solo. Ele influencia as rochas através do intemperismo; [...]” (AYOADE, 1986, p. 1-2). Desta forma, é possível afirmar que o clima é um fator determinante dentro da dinâmica espacial de distribuição e disseminação dos seres vivos, inclusive os seres humanos.
O clima é “o conjunto dos fenômenos meteorológicos que caracterizam o estado médio da atmosfera em um ponto da superfície terrestre” (HANN apud BECK, 1959, p.8). Assim, claramente é atribuída a definição de clima, como a síntese dos fenômenos do sistema atmosférico ocorridos sobre um ponto da superfície terrestre num período seqüencial de no mínimo 30 a 35 anos.
O clima, portanto, está relacionado às condições específicas do subsistema atmosférico, assim é fundamental para o equilíbrio de todo o sistema do planeta Terra. Sua relação e interação com os demais subsistemas é fundamental, pois este de forma efetiva e ativa está presente nos diversos fenômenos da biosfera, sendo sua ação motivadora para formação de territórios biogeográficos.
Os territórios biogeográficos podem ser entendidos como grandes porções da superfície terrestre que apresentam particularidades entre si, ou seja, são ambientes naturais com características ambientais similares, e que assim, desenvolvem aspectos de vidas taxonômicos específicos, tais particularidades são resultantes da ação do meio sobre os indivíduos, mas também destes enquanto comunidade e grupo taxonômico. (BROWN; LOMOLINO, 2006)
Na Terra são encontrados ao menos 5 (cinco) grandes territórios fitogeográficos, que são: a região Holártica, região Neotrópica, região Paleotrópica, região Australiana e região Antártica. Também existem, 8 (oito) territórios zoogeográficos, sendo 6 (seis) grandes regiões de Wallace e duas acrescidas por Trouessart respectivamente: região Ártica, região Antártica, região Paleártica, região Neártica, região Oriental ou Indiana, região Etiópica, região Australiana e região Neotrópica. (GALVÃO, [2005])
Tão logo, cada território biogeográfico apresenta-se espacializado na superfície terrestre, distribuídos em zonas sentetrionais e meridionais, assim como, em faixas orientais e ocidentais, abrangendo toda a totalidade da superfície terrestre. Nestes territórios são encontradas condições ambientais especificas que determinarão a existência de biotas e grupos taxonômicos endêmicos ou amplamente distribuídos.
Nesta perspectiva, o é um dos principais influenciadores da dinâmica da distribuição dos seres vivos na superfície terrestre, como afirma Good: “a distribuição dos seres vivos é primordialmente regulada pela distribuição do clima”. Mediante esta afirmação é possível concluirmos que o clima possui a ação efetiva na formação dos territórios biogeográficos.
Os efeitos extremos ou medianos da ação do clima é capital para a diversificação dos espaços naturais, ou outrora, para as singularidades, conforme estipulam Mason, afirmando que os extremos de temperatura e umidade são mais importantes para a distribuição das floras que as médias, Clements, por outro lado, afirma que são as médias que têm maior importância na distribuição dos seres vivos.
Tanto numa concepção de extremos ou de médias da ação dos elementos do clima na distribuição dos seres vivos, é importante ressaltar que as duas concepções são corretas, afinal os extremos são importantes para condicionarem a formação de ambientes hostis, onde o potencial biótico e de evolução e fixação das espécies vai condicionar a sua espacialização, e as médias são importantes para o surgimento de ambientes relativamente homogêneos e relevantes para a fixação e estabilização dos grupos taxonômicos em ambientes naturais específicos.
Assim, de forma específica os elementos climáticos podem agir drasticamente em um individuo, enquanto em outro não. A temperatura por exemplo, pode ser uma barreira para algumas espécies, desta forma, existirão espécies endêmicas típicas de regiões com temperaturas baixas e rígidas, que automaticamente não sobreviveriam em condições climáticas diferentes daquelas, ou ao contrário, poderíamos encontrar uma espécie endêmica que pode sobreviver mediante a condições de temperatura elevada, além da relação com o clima, o potencial biótico de cada espécie deve ser considerado.
O regime de chuvas também é fundamental para a distribuição de alguns grupos taxonômicos, que apresentam necessidade de grande quantidade de água para sobreviver, assim, a distribuição das precipitações é um condicionante climático, afinal, as atividades pluviométricas são determinadas através do ambiente climático e, portanto, de seus fatores e elementos. Segundo Ayoade (1986, p. 164), tem-se relativamente à distribuição das precipitações da seguinte forma:
1. Há precipitações abundante na zona equatorial e quantidade moderadas a altas e médias;
2. As zonas subtropicais e as áreas circunvizinhas aos pólos são relativamente secas;
3. As zonas litorâneas ocidentais nos subtrópicos tendem a ser secas, enquanto as zonas litorâneas orientais tendem a ser úmidas;
4. Nas altas latitudes as costas ocidentais são, em geral, mais úmidas do que as costas orientais;
5. A precipitação é abundante nas vertentes a barlavento das montanhas, porém esparsa nos lados do solavento;
6. As áreas próximas dos grandes corpos hídricos recebem mais precipitação do que os interiores dos continentes, que se localizam distantes das fontes oceânicas e suprimento de umidade.
A distribuição do regime de chuvas de acordo com as especificidades levantadas, condiciona a existência de certos tipos taxonômicos, constituindo a formação de territórios similares, mas ao mesmo tempo de territórios antagônicos. Esta relação à priori é a responsável pela diversificação da distribuição dos seres vivos, e, portanto, a formação dos territórios biogeográficos.
Por fim, a importância do clima é sui generis na formação dos territórios biogeográficos, uma vez que os fatores e elementos climáticos estão intimamente ligados aos fenômenos do subsistema atmosférico, interagindo assim, com todos os demais subsistemas, moldando a biosfera e agindo de forma determinante na distribuição dos seres vivos, e na criação de territórios onde a vida apresenta traços de singularidade e espacialização.
Assim, todo estudo relacionado à distribuição dos seres vivos na superfície terrestre, deve automaticamente levar em consideração o clima, afinal, este é determinante dentro desta lógica “locacional” de espacialização da vida. Também, é importante ressaltar o papel fundamental da influência do clima para o condicionamento de ambientes naturais similares ou outrora, em ambientes claramente diversificados, condicionados por elementos e fatores climáticos específicos na interface atmosfera-superfície, portanto, da biosfera.
* Graduado em Geografia, e professor substituto no curso de Geografia Licenciatura/Bacharelado da Universidade Federal do Acre – UFAC
Referências Bibliográficas:
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MARUYAMA, Shiegenori. Aquecimento global?. [Tradução: Kenitiro Suguio]. São Paulo: Oficina de textos, 2008.
MENDONÇA, Francisco & DANNI-OLIVEIRA, Inês Moresco. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2007.
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TUBELIS, Antônio & NASCIMENTO, Fernando José Lino do. Meteorologia Descritiva: fundamentos e aplicações brasileiras. São Paul: Nobel, 1980.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/geografia/o-clima-como-elemento-determinante-na-formacao-de-territorios-biogeograficos/