Diante das profundas mudanças causadas no planeta por atividades humanas, alguns pesquisadores têm proposto a criação de uma nova época geológica, o Antropoceno (antropo = humano do grego + ceno = recente do grego). Esta seria uma era sem uma data de início bem definida (provavelmente em algum ponto mediano do século XX), mas que distingue do Holoceno por assinaturas antropogênicas geoquímicas, no sedimento, clima e demais formas de vida do planeta. Muitos órgãos internacionais de estudos geológicos ainda não aceitam o termo como oficial, mas uma quantidade significativa de grupos de pesquisa já tem iniciado a popularização do Antropoceno como nova era geológica.
Embora esse pareça ser um debate recente, desde 1938 cientistas soviéticos já descreviam modificações mediadas pela humanidade como sendo uma força geológica. Posteriormente, alguns cientistas passaram a discutir a influência humana na crosta terrestre após a revolução da agricultura (há 15.000 anos). Embora esse possa ser o primeiro grande marco das alterações que a sociedade fez aos ecossistemas e paisagens, outros estudiosos preferem relacionar o Antropoceno com o desenvolvimento da tecnologia nuclear, especialmente com os testes atômicos realizados nos anos 1950, uma vez que esta tecnologia causou a liberação de radiação e partículas radioativas em diversos locais do planeta.
De modo mais específico, o Antropoceno é a época geológica mais recente, caracterizada pela redução da biodiversidade, por rápidas mudanças climáticas globais e pela homogeneização da biogeografia e dos ecossistemas causados por bioinvasões mediadas por ações humanas. Muitos biólogos e ecólogos consideram que estamos vivendo o sexto evento de Extinção em Massa da história da Terra (que até então recebia o nome de extinção do Holoceno). A poluição atmosférica, terrestre e aquática causada por atividades diversas dos seres humanos além da alteração dos ambientes naturais destrói muitos habitats. O ecossistema emblemático utilizado para exemplificar a destruição causada pela humanidade durante o Antropoceno são os recifes de coral, que tem sofrido diversos processos degenerativos (dentre eles o branqueamento) como efeito indireto do aquecimento global.
Indiscutivelmente, um dos principais sintomas geológicos que reforça a existência do Antropoceno é a crescente concentração de dióxido de carbono na atmosfera (CO2). Nos últimos milhões de anos, cujas eras flutuavam entre períodos glaciais e interglaciais, as concentrações de CO2 variavam entre 180 e 280 ppm. As últimas medições realizadas em 2020 apontam para valores maiores que 410 ppm, ou seja, uma concentração sem precedentes na história geológica do planeta. A industrialização e os processos de queima de combustíveis fósseis desde a Revolução Industrial claramente causaram esse aumento drástico, cujas consequências afetam todos os componentes da biosfera.
As alterações humanas na topografia da crosta terrestre são perceptíveis por todo o mundo. A intensificação de processos erosivos em locais ocupados por edificações humanas, o redirecionamento de rios e a construção de corpos d’água artificiais, a expansão das malhas rodoviárias e ferroviárias que exigem sistemas de drenagem e planificação local e a mineração são algumas das atividades associadas as modificações geomorfológicas ligadas ao Antropoceno. O deposito de calthemite no solo (formação derivada do concreto e materiais calcários encontrados fora de ambientes de caverna) é um processo único do Antropoceno, nunca registrado na superfície da Terra antes das ações de engenharia paisagística humana.
A sociedade moderna também tem deixado marcas na estratificação do solo através da presença de materiais traços depositados em rochas contendo sinais associados a ação antrópica. Algumas camadas de deposito de cloro ou a presença de radionuclídeos artificiais tem associação com os programas de teste de armas nucleares dos anos 60, enquanto camadas de mercúrio já foram relacionadas a usinas de carvão. Embora o debate sobre o Antropoceno ainda prossiga, é evidente que o sinal causado pelos seres humanos no planeta é profundo. Resta saber se os efeitos desta marca serão positivos ou negativos para o futuro da manutenção da vida em nosso planeta.
Referências:
Curnutt, J.L., 2000. A Guide to the Homogenocene. Ecology, 81(6), pp.1756-1756.
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Edwards, L.E., 2015. What is the Anthropocene?. Eos, Earth and Space Science News, 97(2), pp.6-7.
Turney, C.S., Palmer, J., Maslin, M.A., Hogg, A., Fogwill, C.J., Southon, J., Fenwick, P., Helle, G., Wilmshurst, J.M., McGlone, M. and Ramsey, C.B., 2018. Global peak in atmospheric radiocarbon provides a potential definition for the onset of the anthropocene epoch in 1965. Scientific Reports, 8(1), pp.1-10.