Para compreender o caudilhismo, conceito cujo debate historiográfico tem sido renovado nas últimas décadas, é interessante que retomemos aspectos do contexto ao qual este fenômeno é geralmente associado: o processo de independência da América hispânica.
Desde o início da colonização espanhola no continente americano, no século XVI, ocorreram diversas revoltas contra o domínio europeu na região. A partir do início do século XIX, essas lutas se intensificaram, e já nas primeiras décadas desse mesmo século, diversos países haviam proclamado sua independência em relação à metrópole.
As guerras de independência, iniciadas na primeira década do século XIX, embora envolvessem interesses de diferentes setores, foram lideradas pelos criollos (descendentes de espanhóis nascidos na América), que compunham parte da elite colonial. Os limites desse processo, inclusive, foram definidos por esse setor.
Um dos principais líderes das lutas pela emancipação política das colônias americanas em relação à Espanha foi o general Simón Bolívar, nascido em Caracas (capital da atual Venezuela), e defensor de um projeto que pretendia formar uma República federativa na América, unindo as ex-colônias em Estados independentes, sob um único governo.
Porém, na contramão do objetivo de Bolívar, formaram-se 19 Estados nacionais com governos próprios. Nesses novos Estados americanos, fatores políticos e sociais, como o poder das elites e a situação de pobreza na qual vivia o povo, formavam um cenário propício para o aparecimento dos caudilhos. A partir disso, podemos entendê-los como figuras políticas dotadas de carisma e força que exerciam sua autoridade sem limites diante da possibilidade de exercê-la desta forma.
Embora diversos setores sociais tenham se envolvido no processo de emancipação, somente alguns grupos obtiveram benefícios após as independências, principalmente aqueles dos quais faziam parte os criollos, que passaram a dominar a política das novas nações.
Muitas das propostas de parte dos revolucionários, como a reforma agrária, não ocorreram após a emancipação, que, ao contrário do esperado, manteve a maior parte da população nas mesmas condições vivenciadas anteriormente. Do controle metropolitano, os novos países formados passaram ao controle dos caudilhos.
A maior parte dos líderes caudilhos não apresentou interesse pela proposta de união defendida por Bolívar, uma vez que ela poderia colocar em risco a dominação política regional e os benefícios obtidos pela elite criolla após a independência (como a possibilidade de ocuparem cargos elevados no governo).
Muitas das principais análises sobre o caudilhismo destacam a importância das guerras de independência na América hispânica para a manifestação do fenômeno na região, uma vez que as lutas mais prolongadas desse processo deram poder a seus chefes militares, vistos como heróis na luta contra o domínio metropolitano.
É importante destacar, também, que embora a prática o caudilhismo, de forma geral, possua aspectos comuns, o fenômeno apresentou características próprias nos diferentes casos em que se manifestou, determinadas pelas condições encontradas em cada tempo e local para sua instalação. Entre esses aspectos gerais, podemos mencionar o teor carismático e personalista das lideranças combinado ao uso da violência e ao autoritarismo.
Segundo Domingues (2008, p. 10), nas décadas que antecederam a independência, com o apoio de exércitos ou de suas próprias milícias, os caudilhos “garantiam seu controle sobre várias classes pela adulação, pelo magnetismo pessoal ou pela ameaça do uso da força”.
Como exemplos de lideranças caudilhas que utilizaram esses mecanismos de controle, temos Juan Manuel de Rosas, na Argentina; José Gaspar Rodríguez, no Paraguai; e de Antonio López de Santa Anna, no México.
Bibliografia:
DOMINGUES, Beatriz Helena. Caudilhismo na América Latina: entre a teoria política e a literatura. Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC. Vitória, 2008. Disponível em: http://anphlac.fflch.usp.br/sites/anphlac.fflch.usp.br/files/beatriz_domingues.pdf
SAFFORD, Frank. Política, ideologia e sociedade na América espanhola do pós-independência. In: BETHELL, Leslie. (org.). História da América Latina. Vol. 3: Da Independência até 1870. São Paulo/Brasília: Edusp/Imprensa Oficial/Funag, 2004.
TAVARES, Francisco Mata Machado. Três variantes do personalismo na política da América hispânica: o caudilhismo, o bolivarianismo e o populismo como expressões de afirmação regional. Cadernos PROLAM/USP, ano 10, vol. 1, 2011. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/prolam/article/download/82448/108446
TELES, Luciano Everton Costa. Caudilhismo e clientelismo na América Latina: uma discussão conceitual. Faces de Clio, vol. 1, n. 2, jul./dez. 2015. Disponível em: http://www.ufjf.br/facesdeclio/files/2014/09/2.6.Artigo-Luciano.pdf?fbclid=IwAR1w8NVdq-EOv-oWnLcilGRevvWoFNX5-04wYK830A1sasEwuPxp-RaVDJ0