O Diretório dos Índios foi uma das expressões da política metropolitana em relação aos índios, e como tal escondeu, representou, legitimou ou falsificou uma série de interesses. Isto, no entanto, é parte da história – que só pode ser contada como parte. Além de ter sido uma expressão daquela política, o Diretório dos Índios se desdobrou em um processo histórico. Ele organizou a vida de milhares de pessoas, durante quarenta anos. Homens e mulheres nasceram e morreram no período em que ele ordenava a vida social nas diversas localidades do Vale. Suas formulações relativas às formas de organização do trabalho, de associação, de exploração dos recursos naturais informaram mais que uma geração de índios, mestiços, negros e brancos. De modo que mais do que um projeto para a colônia, ele constituiu-se em processo colonial e como tal deve ser entendido. (Coelho: 2005, p. 50-51)
Publicado em 1758, o Diretório dos Índios foi uma lei caracterizada por uma série de diretrizes a serem seguidas nas colônias portuguesas. Propunha a normatização de diversas práticas coloniais, estabelecendo critérios educacionais, administração da força de trabalho e relações entre indígenas e colonos. Ao mesmo tempo em que regulava a liberdade das populações indígenas institucionalizava seu trabalho forçado. Sob sua vigência, até os anos 1798, várias unidades coloniais foram criadas a partir das antigas aldeias missionárias. O objetivo era levar as populações indígenas a realizar a transição para a vida civil, produzindo gêneros voltados ao comércio. O Diretório aliava projetos políticos, econômicos e sociais baseados no pensamento ilustrado, de modo a renovar o processo de assimilação e integração das populações indígenas à sociedade colonial.
Apesar de muitos trabalhos o terem considerado uma legislação de base jurídica unicamente europeia, Mauro Cezar Coelho aponta que tal legislação foi desenvolvida, também, a partir da realidade colonial, constituindo-se como resultado de uma série de conflitos de ordem política envolvendo Colônia e Metrópole na criação de projetos acerca da questão indígena. Coelho ainda aponta que, no Vale Amazônico, o Diretório conheceu sua maior expressão. Ali a dependência do trabalho indígena foi inegável. A Amazônia, que até então foi tratada como periferia do sistema colonial, passou a receber maior intervenção estatal. Nela, o responsável pela implementação do diretório foi Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, principal figura do Período Pombalino.
Marquês de Pombal é o nome pelo qual ficou conhecido o ministro português Sebastião José de Carvalho e Melo. Dentre as medidas adotadas por ele para as colônias portuguesas, destacaram-se: modificação na política relativa à mão de obra indígena; expulsão dos jesuítas, os quais detinham o monopólio da mão de obra indígena, pelo Regimento das Missões (1686); incentivo ao desenvolvimento da economia agrícola; apoio a imigração de casais açorianos e negros escravos trazidos da África; criação de uma companhia de comércio e a reformulação e ampliação da administração local.
Em seus 95 parágrafos, o Diretório traçava alterações profundas na política indigenista em vigor na colônia, legislando sobre aspectos religiosos, culturais, administrativos e, especialmente, econômicos. Proibia o uso da língua materna de cada nação indígena e da Língua Geral (Nheengatú), obrigando o uso da língua portuguesa. Sob tal legislação, os indígenas deveriam adotar sobrenomes portugueses; construir suas moradias no estilo dos brancos (com divisões internas). As habitações coletivas foram proibidas; indígenas entre 13 e 60 anos eram obrigados a trabalhar e pagar o dízimo. Conforme aponta o parágrafo 95 do Diretório dos Índios, os objetivos desta legislação eram: a dilatação da fé; extinção do gentilismo; propagação do Evangelho; civilidade dos índios; o bem comum dos vassalos; aumento da agricultura; a introdução do comércio e o estabelecimento, a opulência e total felicidade do Estado.
Para os pesquisadores da temática, esse sistema apenas modificou a estrutura da administração da mão de obra indígena. Sua exploração continuou em larga escala. Os diretores de índios passaram a controlar totalmente suas vidas, fazendo-os trabalhar de modo compulsório em outras atividades, como na extração das drogas-do-sertão. Desta forma, fugas, deserções e conflitos foram constantes no período. Com a crise da administração pombalina, o Diretório foi substituído pelo Corpo de Trabalhadores (1798).
Bibliografia:
COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para o mar: um estudo sobre a experiência portuguesa na América: o caso do Diretório dos Índios (1750-1798). São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016.
_________, Mauro Cezar. Índios, negócios e comércio no contexto do Diretório dos Índios-Vale amazônico (1755-1798). ALVES, Moema Barcelar; FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Tesouros da memória: história e patrimônio no Grão-Pará. Belém: Ministério da Fazenda, Gerência Regional de Administração no Pará, p. 45-58, 2009.
_________, Mauro Cezar. O Diretório dos Índios: possibilidades de investigação. In. COELHO, Mauro Cezar; GOMES, Flávio dos Santos; QUEIROZ, Jonas Marçal; MARIN, Rosa E. Acevedo; PRADO, Geraldo (orgs.). Meandros da História: Trabalho e poder no Pará e Maranhão, Séculos XVIII e XIX. Belém, UNAMAZ, p. 48-67, 2005.
_________, Mauro Cezar. A Cultura do Trabalho: O Diretório dos Índios e um novo paradigma de colonização na Amazônia do século XVIII. In. QUEIROZ, Jonas Marçal de; COELHO, Mauro Cezar. Amazônia: modernização e conflito, séculos XVIII e XIX. Universidade Federal do Pará, p. 55-79, 2001.
SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina. Editora da Universidade do Amazonas, 2002.