Diferentes países americanos, a partir de 2015, viram seus registros de entrada de pessoas vindas da Venezuela aumentarem exponencialmente, incluindo o Brasil. E é em Roraima, estado localizado no norte do país, onde é mais visível o aumento dos deslocamentos de venezuelanos nos últimos anos. A imigração venezuelana em Roraima é bastante perceptível principalmente em Pacaraima (município localizado na fronteira) e Boa Vista (capital roraimense). O número de venezuelanos que solicitaram refúgio subiu de 280 em 2015 para 2.233 em 2016 e, antes de acabar o primeiro semestre de 2017, cerca de 6.438 venezuelanos haviam pedido refúgio em Boa Vista. Em termos de Brasil como um todo, os números são de 829, 3.368 e 7.600 para os anos de 2015, 2016 e primeiro semestre de 2017, respectivamente.
Nota-se que boa parte dos venezuelanos solicitantes de refúgio migram por meio terrestre, através da divisa entre Santa Elena de Uairén e Pacaraima. 24.379 pessoas atravessaram essa fronteira até 10 de julho de 2017, sendo que 13.868 retornaram ao país de origem. Pode-se considerar essa diferença de 10.511 venezuelanos um número próximo aos 7.600 pedidos de refúgio registrados na primeira metade de 2017. Esses dados também demonstram que muita gente acaba, por motivos diversos, fazendo um movimento pendular de entrada no Brasil e retorno à Venezuela.
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Condições para solicitação de refúgio
Mas afinal, o que é o pedido de refúgio? O mecanismo do refúgio é regido no Brasil pela Lei 9.474 de 1997, que estabelece o procedimento para a determinação, cessação e perda da condição de refugiado, os direitos e deveres dos solicitantes de refúgio e refugiados e as soluções duradouras para aquela população. A Lei Brasileira de Refúgio considera como refugiada toda pessoa que deixa o seu país de origem por conta de temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, ou também devido a uma situação de grave e generalizada violação de direitos humanos.
É preciso estar presente no território brasileiro para pedir refúgio no país. O estrangeiro que se considera vítima de perseguição no país de origem deve procurar uma Delegacia da Polícia Federal ou autoridade migratória na fronteira e solicitar prontamente o refúgio para adquirir a proteção governamental. Isso pode ser feito em qualquer momento após a sua chegada ao Brasil. Além disso, nenhuma pessoa que solicita refúgio no Brasil pode ser deportada para quaisquer fronteiras de território onde sua vida ou liberdade estejam em risco.
A opção pelo refúgio se caracterizou como uma tática migratória dos venezuelanos, considerando que, além de ser esse pedido gratuito, o mesmo permite a quem o solicita uma permanência regular e com acesso à documentação, com destaque à carteira de trabalho. Até 2017, o pedido de refúgio era a maneira mais fácil de ter sua situação regularizada, principalmente após a suspensão da República Bolivariana da Venezuela de todos os direitos e obrigações inerentes à sua condição de Estado Parte do Mercosul, a partir de 05 de agosto de 2017. Por outro lado, ao final daquele mesmo ano, a autorização de residência viria a ser facilitada, sendo concedida a todo imigrante, residente fronteiriço ou visitante que pretenda residir temporária ou definitivamente no Brasil, desde que cumprindo os requisitos nos termos da Lei de Migração.
Por conta disso, ultimamente a maior parte dos venezuelanos tem entrado com o pedido de residência em vez de refúgio e, muitos dos que pediram refúgio têm tentado fazer a troca para adquirir a autorização de residência. A documentação básica é muito importante para que tenham acesso a direitos básicos, que foram assegurados apenas muito recentemente, com a regulamentação da Lei de Migração (nº 13.445, de 24 de maio de 2017) a partir do Decreto 9.199, de 20 de novembro de 2017. Desde então, o pedido de autorização de residência passou a ser protocolado diretamente no Ministério do Trabalho, considerando que esteja o imigrante sob determinadas condições.
Xenofobia
É fundamental conhecer a diferença da Lei de Migração para o que vigorava anteriormente, o Estatuto do Estrangeiro. Aprovado pelos militares em 1980, esse Estatuto tratava o imigrante como uma suposta ameaça à segurança nacional. A nova Lei, por sua vez, cuida para que os imigrantes não sejam vítimas da xenofobia. No que concerne à temática da xenofobia, conflitos têm surgido e causado preocupação em Roraima. Suas motivações são a disputa por empregos, vagas no sistema público de ensino e hospitais. Todavia, até outubro de 2017, cerca de 48,4% dos venezuelanos em Boa Vista não havia utilizado quaisquer serviços públicos, de acordo com o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra). A insatisfação da população local não estaria tão relacionada à suposta precarização dos serviços que a imigração poderia causar, mas à falta de condições do governo em conseguir providenciar o necessário a uma população afetada pelo desemprego, pouco instruída e, em muitos casos, inserida no mercado informal. Essa realidade contrasta com o bom nível de escolaridade da população venezuelana migrante não indígena (78% possui nível médio completo e 32% tem ensino superior completo ou pós-graduação). Segundo dados do OBMigra, 60% dessas pessoas estavam, em 2017, empregadas em alguma atividade remunerada e enviaram dinheiro para familiares na Venezuela. Em Boa Vista, a população venezuelana não indígena que atravessa a fronteira apresenta nível de escolaridade superior à média da população local, sendo que o percentual dos venezuelanos inseridos no mercado formal de trabalho daquele município era, naquele ano, de aproximadamente 28%.
Além do fato de Roraima não conseguir absorver toda a mão de obra recém-chegada, a questão do trabalho também é problemática por conta da opção dos migrantes por permanecerem perto da fronteira – para visitar parentes, voltar a Venezuela, enviar medicamentos e outros itens diretamente aos familiares, já que a crise venezuelana também se caracteriza pelo desabastecimento – o que acaba por intensificar a sobrecarga do mercado de trabalho e sua insuficiência na absorção laboral.
Perfil dos solicitantes de refúgio
No que se refere ao perfil sociodemográfico, dos solicitantes de refúgio em 2017, cerca de 58,28% eram homens e 41,72% mulheres. No caso dos indígenas localizados em abrigos, essa porcentagem era de aproximadamente 54,55% de homens e 45,45% de mulheres. Com relação à idade, o número de jovens e adultos é maioria, caracterizando uma migração de trabalho e oportunidades. Cerca de 80% dos venezuelanos em Roraima que solicitaram refúgio encontravam-se, em 2017, nas faixas etárias de 20 a 39 anos e 40 a 59 anos.
No caso dos indígenas, esse número é um pouco diferente. Dos 143 indígenas Warao registrados no maior abrigo público, 52 eram crianças, totalizando cerca de 36% do total de migrantes no abrigo. A grande maioria dos Warao não solicitou refúgio, diferentemente da grande maioria.
Essa tradição migratória de Roraima é algo novo e que antes era mais comum a ida de brasileiros para a Venezuela. O estado não tem, portanto, um grande histórico de recebimento de estrangeiros e, por isso, falta a adequação necessária para atendimento aos imigrantes. Por conta disso, inclusive, surgem resistências por parte da população local, que associa a migração venezuelana a questões negativas. Por outro lado, há diversas ações voltadas ao acolhimento e receptividade.
Fontes:
BRASIL. Decreto n. 9.199, de 20 de novembro de 2017. Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, que institui a Lei de Migração, Brasília, DF, nov. 2017.
BRASIL. Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017, que institui a Lei de Migração, Brasília, DF, mai. 2017.
FGV-DAPP. Desafio migratório em Roraima: Repensando a política e gestão da migração no Brasil. Policy Paper - Imigração e Desenvolvimento, Rio de Janeiro: FGV-DAPP, 2018. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/24197>. Acesso em: 20/08/2019.
MERCOSUL. Decisão sobre a suspensão da Venezuela no MERCOSUL. Disponível em: <https://www.mercosur.int/pt-br/decisao-sobre-a-suspensao-da-republica-bolivariana-da-venezuela-no-mercosul/>. Acesso em: 20/08/2019.
PORTAL CONSULAR, Ministério das Relações Exteriores. Refúgio no Brasil. Disponível em: <http://www.portalconsular.itamaraty.gov.br/refugio-no-brasil>. Acesso em: 20/08/2019.
SIMÕES, Gustavo da Frota (organizador). Perfil sociodemográfico e laboral da imigração venezuelana no Brasil. Curitiba: CRV, 2017.
SIMÕES, Gustavo da Frota. Venezuelanos em Roraima: migração no extremo norte do país. Brasília: Mundorama – Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais, 2017. Disponível em: <https://www.mundorama.net/?p=23834>. Acesso em: 20/08/2019.
SIQUEIRA, Fernanda. Entenda as diferenças entre o Estatuto do Estrangeiro e Lei de Migração. Disponível em: < https://fernandasial.jusbrasil.com.br/noticias/469957698/entenda-as-diferencas-entre-o-estatuto-do-estrangeiro-e-lei-de-migracao>. Acesso em: 20/08/2019.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/historia/imigracao-venezuelana-em-roraima/