Data de 07 de setembro de 1822 a declaração de Independência do Brasil, porém este é um processo histórico complexo que não se iniciou e nem se encerrou nesta data.
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Antecedentes
Retrocedendo um pouco no tempo, voltamos à 1808, quando a corte portuguesa desembarcou pela primeira vez na sua colônia americana. A presença da corte portuguesa no Brasil, para alguns estudiosos, tem uma relação muito importante no processo de independência da colônia, uma vez que a sede do reino veio para a periferia.
A historiadora Maria Odila da Silva Leite Dias, defende a tese que o processo de independência do Brasil é fruto dessa presença portuguesa, que acabou trazendo para a colônia, tons ilustrados – em referência ao movimento Iluminista que se disseminava na Europa e já havia chegado à América, a exemplo da Independência dos Estados Unidos (1776), ou mesmo, os movimentos emancipacionistas coloniais que já respiravam desse ares – à velha aristocracia colonial e entre burocratas e outros intelectuais. Trata-se do que ela chama de uma “interiorização da metrópole”, tal que agora a colônia passa a ser a capital do Império português.
Nesse sentido, vale lembrar da primeira medida assinada em solo brasileiro pelo, então príncipe regente, D. João: o alvará de abertura dos portos às nações amigas. Neste documento, o velho pacto colonial, sustentáculo fundamental do sistema colonial, deixa de existir, tal que a exclusividade que existia para os comerciantes portugueses deixa de existir, abrindo a possibilidade a qualquer nação amiga fazer negócio diretamente com a colônia, não necessitando mais do intermédio da metrópole. Posteriormente, em uma série de acordos assinados em 1810, com a Inglaterra, firmam-se as tarifas alfandegárias para a entrada e saída de mercadorias, de modo que a nação amiga Inglaterra tem claros privilégios, em detrimento dos comerciantes metropolitanos.
“Atribuem-se os germes da separação ao conflito de interesses entre as elites agrárias, nativistas de tendência liberal e os comerciantes portugueses apegados à política protecionista e aos privilégios do monopólio.” (Dias, 2005).
O que se observa no Brasil, diferentemente do que ocorreu nos territórios vizinhos, é que a independência não se deu a partir de uma rebelião de colonos ou aos moldes das revoluções burguesas, imbuídas de ideais nacionalistas, como ocorriam na Europa. Aqui houve um processo de continuidade da estrutura política, econômica e social. Para tanto, há de se considerar que a independência tem seu retrato estampado pela imagem de D. Pedro, filho mais velho do rei português.
Se deste lado do Atlântico os ares de independência começavam a impregnar a colônia, do outro lado mar a situação era de insatisfação. Desde a expulsão dos franceses, em 1810, o povo português não compreendia a necessidade de o rei permanecer além-mar, muito menos gostava a burguesia portuguesa dos privilégios concedidos à, então, colônia. D. João deixou um Portugal tomado pelo nacionalismo anti-francês, mas as ações do príncipe regente começavam a desagradar os lusitanos que cada vez mais, diante das crises que se abatiam sobre a metrópole, e o apoio antes dado a D. João começava a tomar outra direção.
Este é justamente o palco da Revolução Liberal do Porto de 1820, em que grupos divergiam em certos pontos sobre o destino do reino, no entanto, tendeu a predominar a ideia de uma reestruturação do reino por uma ótica constitucionalista e um retorno do Brasil à situação pré-1808.
Ante esse cenário, D. João VI retorna a Portugal, em abril de 1821, em uma clara tentativa de acalmar os ânimos e evitar que as “ideias francesas” radicalizassem o processo iniciado em 1820. Em seu lugar, na colônia, deixa seu filho D. Pedro na condição de encarregado do governo provisório do Brasil. Mas o rei não partiu sem antes deixar recomendações ao filho. Em uma suposta fala de D. João VI, registrada em uma carta enviada posteriormente por D. Pedro ao pai: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja por ti, que hás de me respeitar, do que para algum desses aventureiros”. (Apud: Schwarcz e Starling, 2015).
Revoltas emancipacionistas
Se a fala é verdadeira, percebe-se uma sagacidade do rei português. Ao contrário daqueles estereótipos que se construiu durante séculos, D. João não era simplesmente um gordo e bonachão, ele tinha uma excelente percepção do que acontecia a sua volta, os possíveis “aventureiros” são uma referência ao que aconteceu em Minas em 1789, na Bahia em 1798 e em Pernambuco, em 1817, respectivamente, a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana e a Revolução Pernambucana. Para além do território do Brasil, D. João já observava também a movimentação rumo à independência na América do no Norte e na espanhola. Além disso, o temor de que o Brasil virasse o Haiti era anterior a sua vinda para a colônia.
D. Pedro, talvez temendo tornar-se simplesmente uma marionete do pai, cai nas garras das elites agrárias, estas temiam que as reformas que transformaram Portugal em uma monarquia constitucional pudessem lhes privar dos privilégios que gozavam durante a estadia do rei.
Próximo às elites agrária, D. Pedro promove, por sua vez, uma série de transformações no Brasil com reformas que iam desde a educação até a economia. Medidas estas que, na prática, eram “só para inglês ver”, mas deram o tom a Portugal: no Brasil, manda o filho e não o pai. É desse estremecimento que vem, posteriormente, a pressão para o retorno de D. Pedro para a Europa, logo as Cortes – como ficou conhecido o grupo que compôs a Assembleia Constitucional Portuguesa e, adiante, o Parlamento Português – perceberam que o Brasil não retrocederia facilmente à posição de colônia submissa, como nos saudosos tempos do pacto colonial.
A princesa Leopoldina, esposa de D. Pedro, também teve significativa participação no processo de independência do Brasil, uma vez que o constitucionalismo português só parecia bom quando visto de Portugal, pois aos olhos de além-mar lembravam os velhos tempos do absolutismo. Leopoldina “se convertia numa das grandes influências favoráveis à emancipação e a desobediência do regente às Cortes” (Schwarcz e Starling, 2015).
Dia do Fico
Após um janeiro ainda balançado pela declaração do príncipe que ficaria no Brasil – momento popularmente conhecido como “dia do fico” –, fevereiro de 1822, iniciava-se com toda força, em especial, após a formação de uma armação política que, vinha do Sul e passava pelo Sudeste, articulando a ideia de autonomia. José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido como patrono da Independência, já alardeava que a emancipação só poderia vir junto à figura do monarca, referindo-se à D. Pedro, do contrário isso poderia levar à fragmentação do território brasileiro, com províncias separando-se do todo. Em suma, defendia o lema de uma “independência moderada pela manutenção da união nacional”.
De fevereiro até setembro de 1822 o ano voou, D. Pedro viajava constantemente às províncias tentando contornar a situação diante da pressão portuguesa pelo seu regresso à pátria e os movimentos em prol da emancipação que ganhavam corpo na colônia. Durante suas ausências quem assumia o posto de regente era sua esposa. Foi durante uma dessa viagens, em 14 de agosto que o ministro Bonifácio encaminhou, para Portugal, um documento que selava a separação política e declarava a emancipação do Brasil.
A independência estava selada oficialmente, do conforto do gabinete ministerial, sem luta, sem sangue, sem revolução. Faltava, porém, ao jovem Estado um marco altivo para firmar essa resolução. E aconteceu, oficialmente, sem qualquer pompa como o quadro de Pedro Américo, “Independência ou Morte” – pintado bem posteriormente, em 1888 – mostra. D. Pedro retornava à capital de uma viagem a São Paulo, quando encontrou com mensageiros enviados por José Bonifácio, entre as correspondências recebeu a notícia que as Cortes exigiam o seu retorno e retroagiam com uma série de “benefícios” concedidos ao Brasil, o conselho do ministro era claro, Pedro deveria se posicionar formalmente.
Declaração da Independência do Brasil
E foi numa tarde de 7 de setembro, montado sobre uma mula, acometido de grande mal-estar e com fardamento simples que D. Pedro, de acordo com relatos de membros de sua comitiva, brande a espada e grita: “é tempo... Independência ou morte!”. E foi ali, no alto de uma colina, às margens do rio Ipiranga, de um ponto em que ainda era possível observar a cidade de São Paulo, que D. Pedro formalizou a independência de maneira, supostamente, heroica.
Nascia ali o Brasil independente, ou quase isso. Visto que uma coisa é a declaração, outra é o reconhecimento dessa independência, fato que só ocorreu em 1826, quando um acordo entre Brasil e Portugal foi mediado pela Inglaterra. De modo que o jovem país aceitava como condição de seu reconhecimento por Portugal e, consequentemente, da Inglaterra e toda a comunidade internacional, o pagamento de uma indenização a ex-metrópole.
E a independência se fez, tal como as elites agrárias almejavam, sem grandes movimentações que abalassem a estrutura social já existente, manteve-se a política escravista de base agroexportadora, em troca permaneceu a monarquia.
Bibliografia:
DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda Editorial, 2005.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2000.
SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.