Conhecida também como Lei Feijó, datada de 9 de novembro de 1831, a Lei para inglês ver foi promulgada no contexto das regências, momento conturbado politicamente, de pouca estabilidade e muitos conflitos políticos e sociais. O início do século XIX foi bastante conturbado nessas terras: em 1808, com a vinda da família real para o Rio de Janeiro, intensificou-se a presença dos portugueses e, também as transformações no traçado urbano da corte. Com a Independência em 1822 tais marcadores ficaram mais evidentes ainda.
Fato é que a nossa independência só foi possível a partir da ajuda inglesa na fuga da família real de Portugal e sua chegada em terras brasileiras. Esse apoio político foi fundamental para a construção da nação, mas os ingleses não deixaram de cobrar caro pelo seu auxílio. Findando a escravidão em 1807 em seus territórios, os ingleses passaram a pressionar o restante do mundo pelo fim desse sistema de trabalho forçado. O Brasil, portanto, era um alvo certo: foi o local que mais recebeu pessoas vindas forçosamente do continente africano. Cerca de 40% dos homens e mulheres vindos de lá em regime de escravidão chegavam ao Brasil. Isso significa que era esta recente nação que mais movimentava o comércio de escravos e o tráfico atlântico – o que os ingleses queriam acabar com vistas à modernização das relações de trabalho fomentada pela revolução industrial. A campanha inglesa foi contundente e constrangeu o governo brasileiro.
Se os pilares da colônia eram formados pela monocultura, pelo latifúndio e pela escravidão, na recente nação conduzida por um regime monárquico esse quadro não se alterava. Aliás, poucos esforços foram feitos no sentido de modificar a situação. Havia ainda um grande privilégio aos latifundiários, à monocultura e à escravidão. É comum que o fim da escravidão com a Lei Áurea, datada de 1888, esteja diretamente vinculada ao império, caracterizando tal governo como aquele que colocou um fim à escravidão. No entanto, com olhar mais atento é possível perceber uma insistência na manutenção do trabalho escravo. Foi ele que estruturou a monarquia e a Lei Feijó, também conhecida como Lei para inglês ver é exemplo dessa resistência a seguir a pressão imposta pelos ingleses.
A questão do tráfico atlântico era, portanto, primordial. Assunto de primeira ordem, passou a ser debatido com frequência. O Brasil monárquico do início do século XIX defendia o comércio de escravos e o tráfico atlântico e defendia que a abolição deveria ser feita de forma gradual, a fim de preparar os proprietários de escravos para as novas relações de trabalho. Na verdade, as elites entendiam que o país precisava de outros aparatos legais para dar conta do projeto do fim da escravidão. Assim, a lei de 1831 é daquelas tão conhecidas no Brasil – “a lei que não pegou”. Ela foi feita tornando livres todos os escravos vindos de fora, com exceção daqueles que estivessem em embarcações no país e aqueles que tenham fugido do território nacional. A lei ainda previa a aplicação de multas aos traficantes de escravos e um prêmio aos que denunciassem a prática.
A Lei Feijó parecia promissora, mas foi feita em resposta aos ingleses: tentava acalmar os ânimos, mas não foi posta em prática. Somente depois de quase vinte anos a questão do tráfico atlântico foi, enfim, finalizada. A Lei Eusébio de Queiroz, de setembro de 1850, colocou fim ao tráfico de escravos pelo atlântico. Com ela outra lei foi feita, como forma de manter as terras entre as elites: a Lei de Terras, aprovada dias após a Lei Eusébio de Queiróz, transformou as terras em capital. Se, até então, a riqueza era medida pela posse de escravos, com a Lei de Terras passou a ser medida pela quantidade de terras que alguém possuía, e, assim, combinados, o fim do tráfico só foi aprovado e aceito com a manutenção do latifúndio no país.
A Lei Feijó, portanto, apenas ensaiou o fim do tráfico atlântico em um momento bastante conturbado da política nacional – o período regencial.
Referência:
SCHWARCZ, Lilia; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.