No contexto dos conflitos, uma das práticas comuns utilizadas pelos governos ou grupos majoritários contra os povos dominados é a limpeza étnica. Ela consiste na remoção das etnias minoritárias de uma área ou território com o objetivo de torná-la etnicamente homogênea, eliminando a diversidade e promovendo a superioridade de um determinado grupo étnico dominante. Os meios para a realização da limpeza variam, mas suas formas mais frequentes são a migração involuntária por meio das deportações e da transferência dos contingentes populacionais para campos de concentração ou de controle. Em termos de definição, a limpeza étnica se diferencia do genocídio porque a primeira não visa especificamente a morte sistemática das minorias perseguidas. Na prática, no entanto, os processos estão tragicamente ligados, pois a violação dos direitos humanos que inicia nas deportações e expulsões não raramente amplia-se para os assassinatos sumários e o extermínio.
Mas não são só os membros das minorias em si que sofrem perseguição em um quadro de limpeza étnica. Como o objetivo dos grupos dominantes é apagar as marcas que constituem e definem a etnia perseguida, os elementos materiais e simbólicos que definem essas minorias também são reprimidos e eliminados. É comum que ocorram a destruição das vilas e edificações erguidas pelos povos oprimidos, a demolição de igrejas, templos e espaços de culto e a violação de monumentos e demais símbolos importantes para as comunidades que sofrem com essas ações de intolerância. O uso das línguas e dialetos das minorias-alvo também é costumeiramente reprimida. Mais do que perseguir as vidas que habitam os corpos, é necessário, portanto, apagar o que constitui a vida comum desses povos, ou seja, a sua cultura.
Os casos históricos de limpeza étnica são muitos e se deram nas mais diversas partes do mundo. Povos indígenas estadunidenses tiveram que deixar seu território e foram forçados a migrarem para outras regiões do país, sendo essa prática instituída legalmente pelo “Indian Removal Act” (Ato de Remoção dos Indígenas) de 1830. Mas as perseguições também chegaram ao século XX, e, na verdade, até mesmo se intensificaram. A Guerra dos Balcãs, que opôs uma série de Estados da região do sudeste europeu em torno da conquista sobre os territórios remanescentes do Império Otomano entre 1912 e 1913, foi marcada por vários casos de massacres étnicos. E, deixando um dos maiores legados da atrocidade humana para a posteridade, a perseguição dos nazistas aos judeus e outras diferentes etnias durante o Terceiro Reich e a Segunda Guerra Mundial representou o ápice do projeto de hegemonia de uma raça, já que o que se pretendia era justamente limpar os domínios alemães e sua raça ariana pretensamente pura das demais etnias que seriam, na visão eugenista dos nazistas, a raiz dos males e de todos problemas sociais.
Embora esses casos tratem de limpezas étnicas como até aqui se discutiu, foi durante a Guerra da Bósnia que o termo ganhou popularidade na mídia, descrevendo ações perpetradas pelos três países principais envolvidos nos conflitos, a Bósnia, a Sérvia e a Croácia. As limpezas étnicas são, portanto, o fato que nos chama atenção para os inúmeros esforços que ainda precisam ser implementados para a realização de uma humanidade que esteja baseada no princípio primordial da tolerância entre os diferentes povos.
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Fonte:
Phillipe Poutignat; Jocelyne Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade. São Paulo: editora da UNESP, 1997.