A Operação Lava-Jato foi uma força tarefa encabeçada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal iniciada em 2014, que dominou por mais de 6 anos os noticiários brasileiros. Desencadeada no âmbito de investigações que apuravam desvios de dinheiro em licitações emitidas pela empresa Petrobras, a operação acabou tomando proporções extraordinárias (midiáticas e mundiais) ao chegar no nome de grandes empresários, altos funcionários da Petrobras e políticos da mais alta cúpula do país. No transcorrer da operação, ela provocou até mesmo mudanças na forma como se investigam os crimes de lavagem de dinheiro no Brasil, introduzindo o método denominado de “delação premiada”.
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Origens
A Operação Lava-Jato já havia começado anteriormente ao ano de 2014, antes de ganhar visibilidade na mídia. Essa operação consistia inicialmente em uma investigação sobre a ação de doleiros. Doleiros são agentes responsáveis por receber dinheiro ilegal, o manejar, para que ocorra a “lavagem” desse dinheiro, ou seja, dar uma aparência legítima, dificultando assim, a descoberta de suas origens ilícitas. Um posto de combustível em Brasília era utilizado pelos doleiros para movimentar grande parte dos valores, dai surgiu o nome da operação: “Lava-Jato”.
A operação ganhou novas proporções quando as investigações chegaram até a empresa Petrobrás, descobrindo-se, que o dinheiro que era lavado pelos doleiros, provinha de corrupção nos processos de emissões de licitações dessa empresa. As licitações eram fraudadas para beneficiar um grupo de grandes empresas de construção civil (empreiteiras) como Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS. Ocorria um super faturamento dos contratos de obra feitas com essas empresas. Logo diretores e funcionários da Petrobras começaram a ser denunciados como beneficiados desses processos fraudulentos, juntamente aos empresários donos das empreiteiras.
Retrocedendo no tempo, a operação foi muito beneficiada por uma conquista anterior a ela: a criação da nova Lei de Lavagem de Dinheiro, de 2012, que nasceu de uma proposta do governo Lula, ainda em 2003, de criar uma teia com os órgãos de combate à essa prática: a Estratégia Nacional de Combate á Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA). Esses fatos foram demonstrados pelo cientista político Fábio Kerche em seu livro: “A política no banco dos réus: a Operação Lava jato e a erosão da democracia” (2022). Assim como variados acordos entre a justiça brasileira e os órgãos internacionais de combate à corrupção.
Não demorou para que parlamentares vinculados a partidos como PT, PMDB, PSDB e outros, começassem a ser apontados pelos delatores (termo que já será explicado) como recebedores de propina oriundo do esquema com a Petrobras. Assim os beneficiados seriam: as empresas de construção que recebiam valores muito maiores do que o normal, funcionários da Petrobras que recebiam propina e partidos políticos, que também recebiam propina e que a destinavam para fins como o financiamento de campanhas.
Personagens, desenvolvimento, acirramento
Para entender bem a situação, é importante fazer uma observação: os promotores e procuradores do Ministério Público Federal no Brasil, órgão que encabeçou a operação supracitada, gozam de enorme autonomia frente aos outros poderes, podendo fazer acusações após investigações da polícia, sendo o PGR (procurador geral da República), indicado pelo presidente e detendo o monopólio de acusa-lo. Mas quem julga, condena ou absolve o réu ainda é o judiciário. Muitas das operações e prisões eram então, comandadas pelo juiz Sérgio Moro (13ª Vara Federal de Curitiba).
Nesse contexto, dois personagens famosos nessa história foram: Deltan Martinazzo Dellagnol, Procurador da República (Ministério Público) - coordenador da força tarefa da Lava-Jato em Curitiba e Sérgio Moro, o juiz da federal que liderou a condução da operação na mesma cidade. Ou seja, no âmbito da operação no Paraná, Moro tinha a autoridade para julgar as acusações, sendo o procurador o acusador, e a Polícia Federal quem investiga. Para que o juiz possa ser parcial, ele e o acusador não podem se misturar, o que seria tema de uma polêmica posteriormente, envolvendo o vazamento de trocas de mensagens secretas entre ambos.
Sérgio Moro trouxe para a investigação os métodos utilizados pela polícia italiana, em outro grande esquema de corrupção mundialmente famoso: “Operação Mãos Limpas”. Entre as técnicas trazidas dessa operação, podemos destacar a “delação premiada” e a exposição para a mídia das “descobertas” ou suspeitas dos investigadores, afim de constranger os investigados e mobilizar a opinião pública.
O mecanismo denominado de “delação premiada”, como a própria etimologia de suas palavras sugere, é um processo que consiste em diminuir a pena de um acusado, como “prêmio” pela delação de outras pessoas que fazem parte do esquema de corrupção. Embora a delação não culmine imediatamente na prisão dos mencionados, pois a mera citação não significa prova, ela adiciona novos suspeitos ao caso.
Assim, um dos primeiros presos, Alberto Youssef, doleiro, para obter a possibilidade de “abrandar” sua pena, tornou-se delator dos demais envolvidos no esquema e indicou que a corrupção ocorria na Petrobras. Outro personagem, o empresário Marcelo Odebrecht, ao ser preso, também aderiu a delação premiada. Com as delações, Moro foi colhendo nomes, e em chegando em vários políticos de diferentes partidos. Em 2016, Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara, foi preso sob suspeita de ter facilitado tais processos ilegais.
Nomes do PMDB (MDB posteriormente) como o do presidente Michel Temer, que substituiu Dilma após o processo de impeachment que a destituiu do cargo, também surgiram no caso. Mas, o nome mais polêmico contudo, foi o do ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O juiz, após avaliar uma suposta intenção por parte de Lula de comprar um triplex no Guarujá, o acusou (2017) e o prendeu, em 2018, afirmando que tal processo tinha como fim, realizar lavagem de dinheiro oriunda de um processo de corrupção passiva. A pena foi posteriormente aumentada com base em uma nova investigação envolvendo a compra de um Sítio em Atibaia.
Policiais federais, ministros do STF, procuradores, Moro e outros participantes da operação ficaram, como aponta Fábio Kerche, sob as luzes dos holofotes da mídia.
Declínio da operação e críticas
Mensagens divulgadas pelo site “The Intercept” demonstraram que pode ter ocorrido leniência por parte de Dellagnol e dos investigadores, quando o processo chegou em grandes bancos. Surgiu a probabilidade de que os investigadores tenham preferido negociar a enquadrar essas instituições.
O mesmo site acusa Dellagnol de utilizar métodos ilegais, ao influenciar ocultamente, por exemplo, através do aplicativo de conversas Telegram, grupos de rua como o “Mude” e o “Vem Pra Rua” a apoiarem a operação “sem vinculações com seu nome”, e em favor de causas pessoais. A ajuda maior teria sido em relação a influenciar na escolha de um novo nome para ser relator da Operação Lava-Jato no STF após o falecimento de Teori Zavascki. Pois é essa a pessoa competente para avaliar suspeitos com foro privilegiado.
Outra acusação divulgada pelo mesmo site, aponta que Dellagnol e Moro teriam trocado informações secretamente, no curso da investigação, afim de conseguirem prender Lula mais rapidamente.
Um estudo revelador da DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) apontou-se que, um dos efeitos colaterais negativos da Operação Lava-Jato, teria sido o desmonte das grandes companhias nacionais de engenharia. Isso teria aberto as portas do país para empresas estrangeiras (americanas principalmente). O que levou a uma crise do setor da construção civil e da cadeia de empregos a ela ligada. Os setores de extração de petróleo e gás também foram afetados.
Outra crítica, é acerca das várias suspeitas de imparcialidade por parte do juiz Sérgio Moro que levou a prisão de Lula nas vésperas do processo eleitoral de 2018, e por conta da controversa proposta de vir a participar da equipe de ministros do novo presidente eleito, Jair Bolsonaro (rival eleitoral do ex-presidente Lula).
A Operação polemicamente “definhou” sob a gestão do presidente Jair Messias Bolsonaro, que em sua defesa, alegou que a operação não possuía mais razão para existir, já que "não havia mais corrupção no governo".
Referências:
KERCHE, Fábio, MARONA Marjorie C. A política no banco dos réus: a Operação Lava Jato e a Erosão da Democracia no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2022. Versão digital do livro disponível em: https://books.google.com.br/books?id=GKJnEAAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false ( Acessado dia 16/11/2022).
EL PAÍS. Como os grandes bancos escaparam da Lava Jato. EL PAÍS. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/16/politica/1565978687_974717.html (Acessado dia 17/11/2022).
The Intercept Brasil. NÃO É MUITO TEMPO SEM OPERAÇÃO? Exclusivo: chats privados revelam colaboração proibida de Sergio Moro com Deltan Dallagnol na Lava Jato. The Intercept Brasil. Disponível em: https://theintercept.com/2019/06/09/chat-moro-deltan-telegram-lava-jato/ (Acessado dia 17/11/2022)