A retirada das tropas norte-americanas do território do Afeganistão foi um episódio histórico. Ocorreu no dia 12 de agosto de 2021. Desde 2002 o país encontrava-se invadido pelas forças militares estadunidenses. Essa ocupação ocorreu dentro da política dos EUA chamada de “guerra ao terror”, iniciada após os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, na qual qualquer país do Oriente Médio era indicado como um possível celeiro de terroristas.
Após cerca de 20 anos desta invasão, os talibãs derrubaram o governo central de Cabul, capital e território mais populoso do Afeganistão. Segundo analistas geopolíticos, esta retomada de poder foi realizada por meio de um blitzkrieg, estratégia militar que consiste em uma guerra-relâmpago. Assim, os talibãs conseguiram dominar rapidamente as cidades cruciais do país: Herate, Kandahar e Gásni. Após esta manobra, foram conquistando outros territórios.
Em comparação com outros episódios históricos, esta manobra foi bastante relacionada com a Ofensiva de Tet, ocorrida em 1968 no Vietnã, quando a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã lançou um ataque-surpresa impondo derrotas severas para os EUA e o governo do Vietnã do Sul, que apoiava os norte-americanos.
No Afeganistão, diversos fatores criaram-se para o êxito da retirada das tropas estadunidenses. Os talibãs, profundos conhecedores do território, contaram com a desconexão entre Cabul e o comando de campo de batalha, com a divisão política da capital, a falta de cobertura aérea dos EUA na região, além da corrupção dentro do Exército Nacional Afegão. Somado a isso, os talibãs formaram acordos tribais e entre famílias, conseguindo um acordo de não agressão entre as partes.
Alguns especialistas indicam que a retirada das tropas norte-americanas do território do Afeganistão consistiu em uma política dos EUA iniciada no governo do republicano Donald Trump. O então presidente, apresentando uma proposta política de centralização da economia, indicou a retirada dos soldados do Iraque e, posteriormente, esse processo seria estendido para o Afeganistão. Após a troca de governo dos EUA para o presidente democrata Joe Biden, esta política não sofreu alterações. Assim, depois da retirada das tropas dos EUA do território afegão, os talibãs simplesmente marcharam sobre as principais cidades, visto que formavam a única força organizada do território, sem qualquer oposição armada relevante do governo e do exército afegão. O presidente Ashraf Ghani fugiu para o Tajiquistão.
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O que é o talibã?
Para responder a isso de maneira ilustrativa é preciso lembrar-se do filme estadunidense Rambo 3, de 1988. No longa-metragem, o guerreiro John Rambo conta com o apoio dos chamados “combatentes da liberdade” em suas ações. Assim, percebe-se que na década de 1980 a indústria de massa cinematográfica dos EUA rotulava os talibãs como “homens lutando pela liberdade”.
Mas o que seria essa liberdade?
Para entender esse processo histórico é preciso voltar ao período da Guerra Fria, na qual as potências EUA e URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) disputavam sua influência em escala mundial. Na década de 1960, a URSS tinha forte atuação direcionada ao PDPA (Partido Democrático do Povo do Afeganistão). O intuito era organizar este grupo, que apresentava algumas divisões internas.
Influência soviética
No ano de 1978, o PDPA ascendeu ao poder no Afeganistão após a Revolução de Saur. Assim, surgiu a República Democrática do Afeganistão, sob a liderança de Nur Muhammad Taraki. Notavelmente, o Afeganistão iniciou um período de modernização, sendo que alguns dos ícones daquele momento foram: emancipação da mulher, reforma-agrária, atualização dos processos de agricultura e proibição da usura. Logo este processo começou a incomodar os Estados Unidos.
A resposta dos EUA e a criação do talibã
Para conter a atuação da URSS no território afegão, naquele mesmo período os EUA iniciaram um processo de influência na região. Para isso, contaram com uma personalidade de extrema importância nesta estratégia: Zbigniew Brzezinski, cientista geopolítico de origem polonesa. Ele foi o responsável pela criação da estratégia de balcanização, que é a fragmentação de uma área ou de uma nação em zonas menores e hostis entre si.
Com informação prévia a respeito de regiões do interior do Afeganistão, locais de múltiplas etnias, questões tribais, religiões e fronteiras muito próximas, Brzezinski liderou uma ofensiva militar estratégica no sentido de tornar essas divisões seculares em conflitos internos, investindo fortemente em treinamento e formando grupos armados de afegãos. Com o país subdividido e o início destas agitações regionais por meio de lideranças tribais apoiadas pelos EUA, o governo afegão fez uso do tratado de amizade que tinha com a União Soviética, no qual podia requisitar tropas para sua defesa.
É deste processo de influência norte-americana que surgem os talibãs. De acordo com o que pregavam os Estados Unidos por sua indústria de massa – ou seja, o cinema (Rambo 3) - eles eram os “combatentes da liberdade” lutando contra o domínio da União Soviética. A Inglaterra também teve papel fundamental na exportação deste recorte ideológico por meio dos discursos da primeira-ministra neoliberal Margaret Thatcher.
Os talibãs se voltam contra os EUA
Quando ocorreu o processo de dissolução da União Soviética, no início da década de 1990, os territórios de seu domínio acabaram ficando sem lideranças. Neste contexto, a manutenção dos grupos organizados do Afeganistão deixou de ser uma prioridade para os EUA. Assim, munidos de armamento e treinamento militar, esses grupos foram deixados à míngua. Logo se formaram unidades paramilitares fortemente armadas, que depois se voltaram contra os Estados Unidos. Um nome que surgiu naquele momento foi o de Osama Bin Laden, que nos anos 1980 era um “combatente da liberdade” e, depois de 11 de setembro de 2001, o “maior terrorista da terra”.
Fontes: