Catacrese

Mestre em Linguística, Letras e Artes (UERJ, 2014)
Graduada em Letras - Literatura e Língua Portuguesa (UFBA, 2007)

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Conhecer uma língua significa ser capazes de produzir frases anteriormente ditas e compreender frases nunca ouvidas, bem como intuir novos sentidos para palavras que possuem significados próprios. O conhecimento linguístico, comum a todos os falantes, permite combinar palavras de modo a formar as frases, e nesse sentido gerar diálogo, conversas, textos informativos, textos poéticos, letras de músicas, romances, dentre outras modalidades e gêneros textuais.

O vocabulário é finito e pode ser armazenado, contudo a possibilidade de usos e aplicações em diferentes contextos é que não se pode limitar. Conforme o linguista Noam Chomsky, há uma capacidade que ele denominou de “aspecto criativo” da prática linguística. Dessa maneira, sabe-se que os sujeitos podem realizar transformações, mudanças e intervenções na língua gerando sentidos até então desconhecidos, ou pouco usados. Uma das maneiras de atribuir às palavras novos sentidos é fazendo uso das figuras de linguagem.

As figuras de palavras são recursos linguísticos usados para mudar o sentido próprio de um vocábulo. Dentro do conjunto das figuras de palavras, tem-se a catacrese. A palavra catacrese traduz-se por “abuso” ou “mau uso”. Destaca-se que para muitos estudiosos, todas as figuras de palavras são tipos de metáforas. Dessa forma, a catacrese caracteriza-se por empregar o nome de um objeto a outro, ou ainda por usar uma palavra fora de seu significado real, atribuindo-lhe um novo sentido. O abuso no que se refere à catacrese, configura-se pela extrapolação do sentido, conforme se verifica neste diálogo:

Exemplo 1: João e sua mãe, uma costureira, conversam:

- João, traga para mim aquela caixinha de costura, por favor.

- Mãe, qual o nome desse palitinho fino de ferro espetado na caixinha?

- É o alfinete, meu filho. Tenha cuidado, pegue pela cabeça do alfinete.

- “Cabeça do alfinete? (Falou João em tom bastante curioso)

- Sim, João. Esse pontinho mais largo na ponta é chamado de cabeça.

- Eu não sabia que alfinete também tinha cabeça, mãe.

Como não há um vocábulo específico para designar a extremidade mais larga do alfinete, designa-se comumente por cabeça. Assim ocorre com outros objetos aos quais, geralmente, atribui-se palavras que designam partes do corpo humano para partes de tais objetos que não possuem significante original, como, por exemplo: pé da mesa, que se refere a parte inferior, que sustenta a mesa.

Em alguns casos, o objeto possuiu um nome específico para cada parte que o compõe, entretanto não se faz uso de tais palavra. Então, os falantes costumam utilizar do recurso da catacrese para referir-se a tal parte, por exemplo, o encosto da cadeira muitas vezes é denominado de costas da cadeira.

Outros exemplos bastante conhecidos de catacrese:

Leito do rio

Rabo de pipa.

Asa da xícara

Braço do sofá

Batata da perna

Pé da montanha

Para concluir, esta figura de linguagem, como todas as outras, emprega a palavra no sentido conotativo. Ou seja, atribuindo-se um sentido figurado que extrapola o significado próprio das palavras. Assim, a catacrese é o empréstimo de um vocábulo que se aplica com determinado significado, para aplicar com outro sentido. Como se pode verificar a seguir:

A abertura inferior da calça jeans também é conhecida por boca da calça. Empresta-se o termo boca, que tem o significado de cavidade, para designar a cavidade de uma peça de roupa.

Outro tipo de aplicação da catacrese é usar um vocábulo para designar outro: Vamos enterrar estas ideias absurdas.

Enterrar: significa ‘colocar na terra’; ‘botar terra sobre’.

Neste sentido aplica-se a palavra com o significado de esquecer, apagar.

Bibliografia:

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. – 37. ed. rev., ampl. e atual. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática do português brasileiro. – 1. Ed., 4ª reimpressão – São Paulo: Contexto, 2016

CITELLI, Adilson. Linguagem e Persuasão. 15. Ed., 4° reimpressão – São Paulo: Ática, 2002.

CUNHA, Celso e CINTRA, Luís F. Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. – 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

GARCIA, Maria Cecília. Minimanual compacto de gramática da língua portuguesa: teoria e prática – 1. ed. – São Paulo: Rideel, 2000.

Koch, Ingedore Grunfeld Villaça. A inter-ação pela linguagem. 5 ed. – São Paulo: Contexto, 2000 – Coleção: Repensando a Língua Portuguesa

MARTELOTTA, Mário Eduardo. (org.) – Manual de Linguística. – 1ª ed., 2ª reimpressão.- São Paulo: Contexto, 2009.

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