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O que é gramaticalização?
A gramaticalização é um processo linguístico em que um item lexical passa a assumir um novo status gramatical em situações diferentes.
Chamamos também de gramaticalização o processo em que itens gramaticais mudam de categoria sintática, recebem propriedade funcionais na sentença, sofrem alterações fonológicas, semânticas, desaparecem ou quando um fonema deixa de ser uma forma livre.
De forma resumida, o conteúdo de uma palavra ou expressão é afetado e seu sentido lexical perde importância em relação ao seu significado gramatical.
Como ocorre a gramaticalização
Para identificar uma mudança linguística, é preciso observar dois ou mais estágios da língua, ou seja, uma mudança momentânea em um pequeno grupo de falantes não garante que a gramaticalização de fato ocorreu.
Por exemplo, em uma necessidade instantânea e objetiva, uma pessoa usa um verbo como substantivo em uma sentença. Contudo, isso não significa que essa mudança será assumida e aceita por todos os falantes no decorrer dos anos.
Por isso, de modo a comprovar a mudança, precisamos observar os estágios intermediários em que formas em conflito se distribuem de maneira irregular entre falantes.
Depois de muito tempo, iremos enxergar quais formas foram assumidas e quais foram descartadas.
Essas mudanças fazem parte de um continuum evolutivo diacrônico que pode acontecer paralelamente ao continuum categorial sincrônico e, com isso, não afetar o sistema linguístico por completo.
Pontuando que todas as mudanças ocorrem, principalmente, por resultado do dinamismo intrínseco da própria língua que tem por função a comunicação.
Subprocessos da gramaticalização
O processo de gramaticalização pode ser dividido em três subprocessos que ocorrem simultaneamente e sem hierarquia. São eles:
- Fonologização: em que há alterações no corpo fônico das palavras;
- Morfologização: corresponde as alterações que afetam o radical e os afixos;
- Sintaticização: são as alterações que afetam os arranjos sintagmáticos e sentenciais.
Exemplos de gramaticalização na língua portuguesa
De modo a ilustrar o processo, podemos citar os exemplos:
- A forma sintética de conjugação de tempo futuro em latim que foi substituída por uma perífrase utilizando o verbo no infinitivo junto com o verbo "haver".
Como consequência, para expressar "eu cantarei", foi deixado de usar o cantabo em prol de cantare habeo, que se transformou em “cantar hei” e, depois, “cantarei”.
- Os verbos latinos sedēre (estar sentado) e stāre (estar de pé) deram origem, por extensão de sentido, aos verbos auxiliares ser e estar. Em que ser significa permanência e estar, transitoriedade;
- O adjetivo duro, que era usado para caracterizar objetos concretos, deu origem a diversas palavras com sentido temporal. Por exemplo, os verbos durar e perdurar, além da preposição durante.
- Já o substantivo latino loco (lugar) passou a ser usado exclusivamente com sentido temporal, dando origem ao advérbio "logo".
- O aparecimento do advérbio e conjunção embora tem origem na locução “em boa hora”. Isso ocorreu porque em qualquer deslocamento, principalmente viagens, há momento bons e ruins.
Por isso, passou-se a usar a expressão “vai-se em boa hora” ao invés de “ir-se” para, assim, desejar uma viagem com momentos bons.
Com o tempo essa expressão evoluiu e tornou-se “embora”.
Um ponto importante a destacar é que todos esses exemplos se cristalizaram através dos séculos. As mudanças além de serem vistas na língua, foram registradas em livros considerados referência de literatura e, com isso, foram aceitos dentro da gramática.
É importante destacar a questão do registro, pois há gramaticalizações que são consideradas erros, outras são chamadas de mudança e a decisão do que é formalizado se dá, na maioria das vezes, por estudiosos da área.
Por fim, comprovamos que a gramaticalização é um processo longo e necessário, pois a língua é viva e está a serviço da comunidade que a utiliza.
Referências:
Bagno, Marcos (2013). Gramática de Bolso do Português Brasileiro. São Paulo: Parábola
https://www.ufmg.br/online/arquivos/anexos/Gramaticalizao_ufrj.pdf
FORTUNATO, Isabella Venceslau. Universidade Federal da Bahia – FAPESB. Gramaticalização e lexicalização das lexias complexas no português arcaico. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_456.pdf>. Acesso em: 10 de dezembro de 2015.
https://docplayer.com.br/19740178-Lexicalizacao-e-gramaticalizacao.html