O Arcadismo foi um movimento artístico-literário iniciado na Europa, no início do século XVIII, conhecido como “século das luzes”. O objetivo desse movimento era fazer da literatura um instrumento de mudança da mentalidade social, combatendo a futilidade, a sofisticação e pompa das cortes europeias através da simplicidade pastoril, da natureza e das cenas campestres. A artificialidade e a repetição de cenários naturais, simples e acolhedores são algumas das formas encontradas pelos poetas para divulgarem os ideais de uma sociedade mais igualitária, justa, racional e questionadora dos fenômenos universais a partir do olhar científico.
A palavra Arcadismo remete a uma região de pastoreiro da Grécia Antiga, considerada muito especial, mítica, onde os habitantes utilizavam a poesia e o trabalho para enaltecerem o paraíso rústico em que viviam. No século XVIII, o termo “arcádia” foi recuperado para designar as academias e agremiações de poetas os quais se reuniam para restaurarem o estilo clássico-renascentista, redefinirem os princípios norteadores da produção literária e, assim, combaterem o rebuscamento barroco. Por esse motivo, o Arcadismo também é intitulado de Neoclassicismo.
Em busca de resgatar o espaço bucólico da arcádia grega, os cenários dos poemas apresentam um padrão: pastos verdes, ovelhas e gado tranquilos, cachoeriras, águas cristalinas, pássaros, céu ensolarado. A simpliciadade da poesia árcade possibilitou uma ampla circulação dos textos e conquistou um grande número de leitores.
Características da poesia árcade
- Idealização da natureza como espaço acolhedor, trazendo cenários da vida rual como sinônimo de harmonia e como lugar ideal para desfrutar os prazeres da vida.
- Valorização das coisas simples do cotidiano, as quais devem ser focalizadas pelo ponto de vista da razão e pelo bom senso.
- Valorização de cada momento (carpe diem).
- Linguagem clara e objetiva.
- Retorno às formas da poesia clássica com sonetos, odes, elegias e canções.
- Utilização de pastores e pastoras de ovelhas e gado como musas e amadas dos poetas.
- Utilização de pseudônimos para a publicação de poemas como forma de neutralizar as diferenças sociais.
Leia a seguir um soneto do poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1756 – 1805) e observe como essas características aparecem em um texto em que o autor constroi um cenário muito específico com os elementos da natureza e emprega uma linguagem simples.
Recreios Campestres na companhia de Marília
Olha Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?Vê como ali beijando-se os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha para,
Ora nos ares sussurrando gira:Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira,
Mais tristeza que a morte me causara.BOCAGE, Manoel M. Barbosa du. Obras de Bocage. Porto: Lello & Irmão, 1968. p. 152.
No Brasil, o cenário social desfavorável levou poetas como Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga a se envolverem com acontecimentos políticos que culminaram na Inconfidência Mineira, marcando em suas obras os princípios que defendiam.
Cláudio Manuel da Costa é o precursor do Arcadismo no Brasil com a publicação de Obras, em 1768. O poeta adotou o pseudônimo de Glauceste Satúrnio para a publicação de seu poema épico intitulado Vila Rica, texto com grande valor histórico por apresentar informações sobre a descoberta das minas de ouro em Ouro Preto, antiga cidade de Vila Rica.
A simplicidade da poesia árcade conquistou um grande número de leitores, sobretudo com a publicação do poema Marília de Dirceu, do poeta Tomás Antônio Gonzaga, que veio a se tornar o primeiro best-seller da literatura brasileira. Leia a seguir um trecho:
Enquanto pasta alegre o manso gado,
Minha bela Marília, nos sentemos
À sombra deste cedro levantado.Um pouco meditemos
Na regular beleza,
Que em tudo quanto vive nos descobre
A sábia natureza.GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. In: PROENÇA FILHO, Domício (Org.). A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Aguilar, 1996. p. 605. (fragmento).
Nos versos, o propósito do poeta é valorizar a natureza como medida de tudo aquilo que é bom, belo e verdadeiro, condições, na visão árcade, para uma vida feliz e tranquila. As liras que compõem essa obra falam sobre a paixão do poeta por Maria Doroteia de Seixas Brandão, moça de dezesseis anos, noiva do autor. Nas liras, é possível observar a construção de um ambiente singelo, artificial, a valorização do ofício e das atividades pastoris, da vida tranquila e natural.
Durante o Arcadismo brasileiro, outros poemas épicos foram escritos, como O Uraguai, do poeta José Basílio da Gama, e Caramuru, do Frei José de Santa Rita Durão. Nessas obras, já é possível observar a presença de alguns símbolos de nacionalidade como a exaltação das natureza exuberante e o valor da cultura indígena, símbolos que se tornarão recorrentes no Romantismo, movimento literário posterior.