Moda e literatura não são gêneros tão desconectados quanto aparentam ser, pois ambos trabalham com técnicas narrativas, estilos, criação e representação de realidades, além de mergulharem igualmente no universo do imaginário. As duas esferas procuram provocar impacto na mente humana, e se esforçam para mobilizar seus públicos com a criação de efeitos variados e intencionais.
Os estilistas, assim como os escritores, inspiram-se nos estímulos, nas vivências e em seus mundos externos e internos para produzirem suas criações. Algumas vezes os primeiros se baseiam em alguma obra da literatura universal para tecerem suas coleções, enquanto em outros momentos os literatos discorrem sobre o contexto ‘fashion’ em seus livros.
Em julho de 2006 o renomado Ronaldo Fraga invadiu as passarelas do São Paulo Fashion Week com modelos extraídos completamente do universo do escritor mineiro João Guimarães Rosa, especialmente de sua obra-prima Grande sertão: veredas. Sua coleção A cobra: ri – uma história para Guimarães Rosa é uma homenagem muito bem-vinda ao autor celebrado em todo o Planeta, justamente quando seu livro atinge a marca dos cinquenta anos de publicação.
O mesmo estilista já havia povoado sua criação com elementos retirados da obra de outro mineiro, Carlos Drummond de Andrade, um ano antes. Fraga alega que é apenas uma coincidência os dois serem de Minas; o fato é que a produção literária de ambos tem um valor inegavelmente universal e atemporal. Para ele, moda e literatura são dois gêneros artísticos que se preocupam essencialmente com a possibilidade de contar uma história.
Enquanto o mundo retratado pelo poeta é romântico e elegante, dando espaço a um figurino repleto de elementos delicados, a esfera de Rosa é árida, quase ‘clean’; desta forma, não há motivo para se produzir uma coleção preocupada com minúcias. A história retrata fielmente a paisagem sertaneja, despojada e estéril, porém simultaneamente exuberante, colorida e saturada de perfumes.
Desta forma, Ronaldo cria vestidos curtos que deixam os joelhos à mostra e abusa dos decotes. Como um reflexo da relação que se estabelece entre Riobaldo e Diadorim, o homem de Fraga é mais efêmero e delicado que a personagem feminina. Os tecidos remetem a texturas naturais, privilegiando o algodão, as malhas stonadas e a cambraia de seda. Nas estampas é fácil reconhecer as serpentes e as flores tão caras a Guimarães Rosa.
Por outro lado, escritores também se baseiam na moda para comporem seus livros; seja esta a protagonista ou apenas o pano de fundo, pode-se citar o figurino explícito de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, ou o conto de Scott Fitzgerald, Bernice corta o cabelo, no qual duas primas contrastam sua personalidade neste quesito; a mais descolada tenta informalmente passar umas dicas ‘fashion’ para a mais introvertida. Isso sem falar na chick-lit, o gênero literário especialmente dirigido às mulheres, no qual se pode inserir facilmente o já clássico O Diabo Veste Prada, de Lauren Weisberger, editado no Brasil pela Record.
O mercado editorial oferece ao leitor que se interessa por moda e literatura um vasto leque de opções, mesmo entre as obras não ficcionais, mas que primam pelo estilo literário e, assim, atingem facilmente seu público-alvo, tamanha a leveza e o fascínio que exercem sobre ele, como as obras de Gloria Kalil e o livro de Pascale Navarri, Moda & Inconsciente: olhar de uma psicanalista, um lançamento da Editora Senac.
A escritora Sophia Bennett é a responsável por uma série que promete jogar mais lenha na fogueira da intensa relação entre moda e literatura, Linhas, publicada pela Intrínseca. A autora tece uma leve, porém profunda reflexão sobre o universo ‘fashion’ e suas implicações econômicas, sociais, políticas e éticas; tudo isso em uma saga divertida e sedutora, voltada particularmente aos jovens leitores.
Há muito que se dizer sobre este tema, mas vou parando por aqui, lembrando que este é um campo ainda pouco explorado, restrito a círculos ainda fechados, compostos por professores e estudantes de moda, trabalho particularmente executado na FMU, Faculdades Metropolitanas Unidas, a qual incentiva a criação de desfiles performáticos que percorrem justamente este circuito que integra Moda e Literatura.
Fontes:
http://oficinadeestilo.com.br/blog/2010/11/04/buscando-moda-na-literatura/
https://web.archive.org/web/20090820073304/http://chic.ig.com.br:80/materias/377501-378000/377732/377732_1.html
http://visibilidadenamoda.blogspot.com/2009/10/evento-desfile-performatico-moda-e.html