O Realismo foi um movimento artístico-literário iniciado na Europa, na segunda metade do século XIX. Consiste em uma estética que retrata as transformações sociais ocasionadas pela Revolução Industrial, pelo Capitalismo, e pelo avanço científico em diversa áreas e o surgimento de teorias como o Evolucionismo, de Charles Darwin, o Positivismo, de Auguste Comte e o Marxismo, de Karl Marx e Friederich Engels.
Nesse contexto, os autores da época buscaram traçar um retrato fiel das pessoas e das sociedades, revelando as máscaras sociais, as mazelas humanas e denunciando comportamentos da burguesia a partir de retratos caricatos e linguagem objetiva.
A arte realista é marcada pela diversidade temática e dos modos de expressão da realidade. Os temas mais recorrentes abordados nas obras são as complexas relações entre as distintas camadas sociais, os jogos de interesses pessoais e a decadência financeira de determinados grupos em meio às crises econômicas.
O Realismo surgiu como uma forte oposição ao Romantismo e seu marco inicial ocorreu com a publicação do romance Madame Bovary, do escritor francês Gustave Flaubet, em 1856, a partir do qual o autor revela, em caráter inédito, o lado sombrio da burguesia.
No Brasil, os reflexos da estética realista na literatura surgiram anos mais tarde, durante os momentos de crise do Segundo Reinado, do fim da escravidão e da instituição do regime republicano no país.
O precursor do Realismo no Brasil é Machado de Assis, com a publicação do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881. As obras seguintes do autor também são consideradas exemplares fiéis do movimento realista, como Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899) e Esaú e Jacó (1904), tendo como cenário a cidade do Rio de Janeiro, capital do Império. Além de Machado de Assis, outros autores também se destacaram na prosa realista/naturalista nacional, como Aluísio Azevedo, Raul Pompeia, Adolfo Caminha, Júlio Ribeiro e Júlia Lopes de Almeida.
Características do Realismo
As obras do Realismo expuseram as contradições da burguesia e seus ideais particulares. A mulher, antes vista como um ser virginal, belo e inalcançável, passou a ser retratada como falsa, interesseira, manipuladora e perspicaz. Os homens, por sua vez, passaram de mocinhos sonhadores e/ou heróis a figuras imperfeitas, fracas e vulneráveis às pressões sociais. Veja a seguir as marcas estéticas e temáticas mais recorrentes no Realismo:
- Crítica ao modelo de família e casamento burguês, com destaque ao adultério.
- Descrição dos aspectos psicológicos dos personagens.
- Pessimismo e sarcasmo.
- Interlocução entre narradores e leitores.
- Linguagem clara e objetiva.
- Divulgação e circulação das obras por meio de folhetins.
- Protagonistas como sujeitos imperfeitos, não idealizados.
- Descrições dos perfis psicológicos dos sujeitos e dos aspectos práticos da vida cotidiana.
- Contemporaneidade: o saudosismo do passado dá lugar à necessidade de pensar o presente.
- Manifestação crítica sobre as instituições, espaços e serviços públicos.
- Substituição do sentimentalismo pelo materialismo.
- A sociedade é objeto de interesse imediato e sua análise e compreensão dependem da capacidade de atenção aos fatos verdadeiros e comportamentos observáveis.
- Foco às descrições do que é típico, recorrente e sistemático no comportamento social.
- Adoção de temas de interesse coletivo.
- O amor deixa de ser idealizado e passa a ser visto de maneira crítica, sobretudo após o casamento.
- Exploração e ridicularização do amor ingênuo.
- O leitor no centro da cena literária
Machado de Assis
Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) foi, e continua sendo, um dos intelectuais mais respeitados da cultura nacional, autor de um acervo que retrata com perfeição a sociedade brasileira do Segundo Reinado. Seus textos são traduzidos em diversas línguas, consumidos, admirados e premiados no mundo inteiro. Apesar de todas as dificuldades em ser negro, pobre, gago e epilético na sociedade carioca daquela época, o autor produziu grandes obras-primas do Romantismo e do Realismo, se tornando fundador e presidente eterno da Academia Brasileira de Letras.
Precursor do Realismo no Brasil, Machado de Assis surpreendeu os leitores dos romances românticos com a publicação de um livro, in finis rès, narrado em primeira pessoa, de maneira irônica, por um defunto: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Nesse romance, o autor descreve as relações sociais sempre motivadas pelo interesse e realiza uma crítica social inovadora à burguesia. No lugar de críticas negativas, o romance recebeu o reconhecimento e a identificação do público leitor.
Outra obra clássica, também narrada em primeira pessoa, e considerada um dos maiores exemplares da literatura realista no mundo, é Dom Casmurro (1899). Leia um trecho do do capítulo intitulado “Olhos de Ressaca”:
Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No Meio dela, Capitu olhou alguns instantes para ver o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas. As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou as carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem as palavras desta, mas grande e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 32. ed. São Paulo: Ática, 1997. p. 160-161. (Fragmento).
No trecho, são descritas as cenas que decorrem durante o velório e o enterro de Escobar. É possível observar o momento em que o narrador protagonista, Bentinho, acredita ver nos olhos de Capitu as marcas da traição de que acredita ter sido vítima.