O Simbolismo foi um movimento artístico-literário iniciado França, no final do século XIX, que explorou o poder dos símbolos e dos recursos sensoriais para refletir sobre um período marcado por incertezas, indefinições, pessimismo. A arte produzida nesse período é questionadora, estimula os sentidos humanos, revela as relações existentes entre o mundo visível e o mundo das essências, e apreende a realidade sem o auxílio da razão.
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Contexto histórico
No final do século XIX, a Europa atravessava um período de incertezas em razão dos efeitos provocados pelas grandes Revoluções. As transformações urbanas, a acomodação do capitalismo e as descobertas científicas provocaram uma crise de valores e das crenças religiosas em diversas camadas sociais, sobretudo do proletariado em condição de miséria.
Nesse cenário, em 1857, ocorre a publicação do livro de poemas intitulado As flores do mal, de Charles Baudelaire (1821-1867), considerado o grande precursor do Simbolismo. A abordagem temática e a estilística do autor nessa obra rendeu a Baudelaire um processo e condenação ao pagamento de multa ao Estado por “ultraje moral à ordem pública”. Essa obra inaugurou um período de produções artísticas, sobretudo literárias, que exalta a estética do feio, tematiza a decomposição dos corpos e o caráter ilusório do real.
Leia a seguir um dos poemas que compõem a obra:
A uma passante
A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luta, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve o prazer que assassina.Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?Longe daqui! Tarde demais! Nunca talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1985. p. 345.
O impulso à literatura simbolista foi a publicação do primeiro número da antologia de poemas chamado O parnaso contemporâneo, em 1866, na França, que contou com a colaboração de poetas como Charles Baudelaire, Verlaine e Mallarmé. Considerando a estrutura composicional das obras, pode-se dizer que o Simbolismo e o Parnasianismo têm a mesma origem.
O termo Simbolismo surge apenas em 1886, com a publicação de um artigo pelo escritor francês Jean Moréas, no qual diz que a finalidade da arte simbolista não é revelar a ideia, mas sugeri-la, de modo que o leitor possa vivenciar uma experiência sensorial semelhante à do artista. Como os poetas focalizavam mais suas angústias e menos sentimentalismos, ficaram conhecidos como decadentistas.
Para explorar o mundo visível, racional e objetivo, os simbolistas valorizam as experiências sensoriais humanas: visão, tato, audição, olfato e paladar. Na palavras do poeta Stéphane Mallarmé, “a sugestão é o uso perfeito desse mistério que constitui o símbolo: evocar um objeto para mostrar um estado d'alma ou escolher um objeto e fazê-lo emanar um estado d'alma mediante uma série de decifrações”.
Linguagem simbolista
A linguagem empregada pelos poetas é cuidadosa com a forma, conhecida como um “caleidoscópio de imagens e sons” por estimular o leitor a se desligar do mundo da realidade e embarcar num mundo sensorial de cores, perfumes e sons. Para tanto, os poetas estratégias linguísticas como o uso de:
- “maiúsculas alegorizantes”, a partir das quais são personificados elementos da natureza (cores, perfumes, sol, dor, luz, mistério);
- reticências;
- figuras de linguagem como sinestesia, aliteração, assonância e metáfora.
Características do Simbolismo
Veja uma lista com as principais características que marcaram arte simbolista:
- Valorização dos sentidos e das sensações;
- Correspondência simbólica entre o mundo das aparências e o mundo das essências;
- Visão subjetiva da realidade;
- Correspondência entre a natureza e o humano;
- Valorização da forma e do trabalho com a linguagem;
- Ideal de arte absoluta;
- Postura antirromântica;
- Priorizações do mistério em detrimento da ciência, da literatura em relação à realidade e da arte sobre a vida;
- Apreensão intuitiva da realidade;
- Temática pessimista;
- Linguagem considerada um “caleidoscópio de imagens e sons”.
Simbolismo no Brasil
O Simbolismo chega ao Brasil apenas em 1893, com a publicação das obras Missal e Broquéis, de Cruz e Sousa, considerado o maior representante e precursor do movimento no país.
Diferentemente do Realismo e do Parnasianismo, que ganharam visibilidade no Rio de Janeiro, o Simbolismo teve mais expressividade nas províncias sulinas (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), fora dos eixos de desenvolvimentos cultural e econômico, como um movimento de resistência às virtudes do progresso e do materialismo exaltados nessa época. Os maiores representantes do movimento simbolista no Brasil são Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens.
O Simbolismo foi um movimento incompreendido pelo público que, à época, encontrava-se entusiasmado com a perspectiva de desenvolvimentos econômico e industrial, sobretudo pela elite que deles se beneficiava.
Cruz e Souza
João da Cruz e Sousa (1861-1898) nasceu em Florianópolis (SC), era negro, filho de escravos alforriados e sofreu na pele a crueldade do preconceito. Mesmo incompreendido pelo público e pela crítica da época, o poeta encontrou na arte literária a possibilidade de transfigurar o real através de uma poesia marcada pela pureza das formas, pela profundidade filosófica e pela agústia metafísica.
Outra característica inconfundível das obras de Cruz e Sousa é a obsessão pela cor branca e pelo uso de palavras desse mesmo campo semântico: neve, névoa, alvas, brumas, lua, palidez, lírios. Essa característica indica uma busca incessante pela pureza da formas eternas, da essência das coisas, as quais definem a base do projeto literário simbolista.
Em 1893, durante o Segundo Império, em busca de autores inéditos para alavancar sua visibilidade, a editora “Magalhães e Companhia” concedeu espaço às obras de Cruz e Sousa, com a publicação de Missal e Broquéis. Os editores pensavam que as publicações de duas obras de um poeta negro, cinco anos após a abolição da escravatura no Brasil, seriam bem aceitas pelo público. Isso não ocorreu. A recepção foi fria e negativa por parte da crítica e do público leitor. O poeta parnasiano Alberto de Oliveira, inclusive, acusou Cruz e Sousa de agitar “chocalhos vazios” alegando que seus poemas não traziam quaisquer contribuições à literatura brasileira.
À época, suas obras foram publicamente incentivadas e elogiadas por alguns escritores como Emiliano Perneta, Nestor Vítor e Gonzaga Duque; porém, a qualidade das obras do poeta foi reconhecida apenas no século XX, quando a crítica literária mostra a equivalência artística entre Cruz e Sousa e poetas franceses como Baudelaire, Verlaine e Marllamé.
Leia o trecho de um de seus poemas:
Alucinação
Ó solidão do Mar, ó amargor das vagas
ondas em convulsões, ondas em rebeldias,
desespero do Mar, furiosa ventania,
boca em fel dos tritões engasgada de pragas.[…]
Que Nirvana genial há-de engolir tudo isto,
mundos de Inferno e Céu, de Judas e de Cristo,
luas, chagas do sol e turbilhão de Mar?!
CRUZ E SOUSA, João da. In: TORRES, Alexandre Pinheiro. Antologia da poesia brasileira (Do Padre Anchieta a João Cabral de Melo Neto). Porto: Lello & Irmãos Editores, 1984. v. 2, p. 618.
Além de Missal e Broquéis, publicados em 1893, foram postumamente publicados os livros Evocações (1898), Faróis (1900) e Últimos Sonetos (1900). O grande precursor do Simbolismo no Brasil morreu de tuberculose, aos 36 anos.
Alphonsus Guimaraens
Afonso Henriques da Costa Guimarães (1870-1921) nasceu em Ouro Preto (MG) e mudou-se para o município de Mariana (MG) após a morte de sua noiva, em 1888, fato que marcou não apenas a sua vida mas, sobretudo, sua arte literária. Autor de uma poesia marcada pela religiosidade, Alphonsus Guimaraens compôs uma obra vasta, porém, praticamente ignorada por seus contemporâneos.
O poeta utiliza uma linguagem mais suave do que Cruz e Sousa e trata com mais delizadeza as questões relacionadas às ilusões provocadas pelo mundo visível. A poesia do autor é marcada por imagens delirantes, envolventes e sensoriais, além de trazer o misticismo associado à ideia de inevitabilidade da morte, temática recorrente em suas obras.
Leia um de seus poemas mais conhecidos:
Ismália
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
GUIMARAENS, Alphonsus de. Obra completa. Organização de Alphonsus de Guimaraens Filho. Introdução de Eduardo Portella. Notas biográficas de João Alphonsus. Rio de Janeiro: J. Aguilar, 1960. p. 231-232.
No poema, é possível visualizar a imagem de Ismália que, enlouquecida, não consegue diferenciar a lua e seu reflexo no mar e mergulha em direção à morte, símbolo da eterna busca que marcou a arte literária simbolista. Para Alphonsus Guimaraens, a morte é considerada como um momento de passagem, de transformação, que abre as portas da eternidade e liberta o ser humano do sofrimento. O autor faz inúmeras referências a elementos associados à morte, como: os círios, os esquifes, os panos roxos, os campos-santos, as orações fúnebres, o réquiem. As obras mais conhecidas do autor são Setenário das dores de Nossa Senhora (1899), Dona Mística (1899), Kyriale (1902) e Pastoral aos crentes do amor e da morte (1923).