O Tempo e o Vento é uma saga, uma das mais importantes obras de Érico Veríssimo que narra 200 anos de história da formação do Rio Grande do Sul sob o ponto de vista da família Terra-Cambará.
Parte integrante da Obra “O Tempo e o Vento”, “O Continente” é o início da história, que é narrado em estilo flash-back pela personagem Bibiana Terra, quase centenária, quando os moradores do casarão onde a família mora estão presos por conta da Revolução Federalista de 1895.
Contando com um exímio trabalho de pesquisa histórica e um brilhante estilo narrativo, Érico Veríssimo traz sob o olhar da ficção uma série de fatos reais que contornam a história de O Tempo e o Vento. Através de uma narrativa rápida, bastante parecida com o estilo novelístico, ele conseguiu trazer uma série de elementos que vão se repetindo ao longo de toda a narrativa, em seus 200 anos de história, tais como o punhal de Pedro Missioneiro e a frase de Ana Terra: “noite dos ventos, noite dos mortos”.
Dos 3 volumes, “O Continente” é o que apresenta mais episódios. A história é sub-dividida em 7 episódios, em que cada um deles traz uma parte da formação desta família, e cada episódio é intercalado pela narração do último deles, O sobrado.
O primeiro episódio, entitulado “A Fonte”, se passa em 1745 e conta a história de uma índia grávida de um menino. A índia morre no parto, mas o menino nasce forte e mestiço de branco, o índio Pedro Missioneiro, que tem visões que impressionam seu padrinho, o Padre Alonso. Ele vive em uma das missões jesuíticas de Sete Povos das Missões. Prevendo a Guerra Guaranítica e morte de seu líder, Sepé Tiarajú, Pedro foge e volta apenas no episódio seguinte, Ana Terra.
O episódio “Ana Terra” é um dos decisivos para o entendimento da história de “O Continente”. Já adulto, Pedro Missioneiro aparece ferido na estância dos Terra, família imigrante de São Paulo, que fora viver no Sul em busca de melhores condições de vida. Maneco Terra é casado com Henriqueta e tem 3 filhos, 2 homens e 1 mulher, Ana.
A personagem encontra o índio ferido, que à primeira vista é tido com desconfiança pelos Terra, mas acaba sendo aceito entre os agregados da família. Mas, o índio apaixona-se por Ana e após um envolvimento entre os dois, a moça engravida e quando o pai e os irmãos descobrem, matam o índio.
Ana tem um menino que se chama Pedro Terra, e este será o início da família miscigenada que se perpetuará em toda a narrativa. A estância dos Terra é atacada por castelhanos e os homens da família são mortos, restando apenas Ana, que é violentada brutalmente pelos invasores, o filho e a cunhada.
Eles partem daquela região em busca de outro lugar para viverem, fixando-se no povoado de Santa Fé, onde a família residirá permanentemente.
Pedro casa-se e tem filhos, dos quais virá Bibiana Terra, que andava sempre com a avó e dela aprende suas histórias.
Em “Um Certo Capitão Rodrigo”, temos a chegada na cidade de Santa Fé de um homem aventureiro e bonachão, o Capitão Rodirgo Cambará, que acaba atraindo amizades e inimizades. Entre uma delas, atrai o ódio da família Amaral, governante das terras de Santa Fé, quando numa disputa pelo coração de Bibiana Terra, o capitão Rodrigo duela com Bento Amaral e acaba sendo ferido num golpe desleal.
Ao recuperar-se, Rodrigo e Bibiana se casam, mesmo contra a vontade do pai da moça, e o capitão tenta emendar-se, mas acaba traindo a mulher e se envolvendo em diversas confusões.
Quando estoura a Revolução Farroupilha, em 1845, Rodrigo alia-se à tropa de Bento Gonçalves, que tem como inimiga a família Amaral. Em uma tomada da cidade de Santa Fé, Rodrigo é ferido mortalmente e deixa Bibiana viúva.
O 4º episódio é “A teiniaguá”. A história é contada sob o ponto de vista do Dr. Carl Winter, alemão exilado no Brasil por motivos políticos. O médico testemunha de perto o infeliz casamento de Bolívar Cambará (filho de Bibiana e do falecido Capitão Rodrigo) com Luzia, neta de Aguinaldo Silva. Este que era um homem rico, que havia construído um grande sobrado (que mais tarde será o palco da história O Sobrado, também em O Continente).
Ambicionando recuperar a terra de seu pai, Bibiana estimula a paixão e o casamento do filho com a neta de Aguinaldo, sua única herdeira, pois sabia que este tinha conseguido aquele terreno tirado de seu pai. Aguinaldo morre e, como Bibiana desejava, Bolívar herda a propriedade que era, a princípio, de seu avô. Eles casam e têm um filho, Licurgo. Apesar de amar muito a esposa, Bolívar é infeliz, pois ela tem uma personalidade estranha, muitas vezes cruel, violenta e sádica.
Dr. Winter recomenda que o casal faça uma viagem para Porto Alegre, para distrair Luzia. Ao chegarem na cidade, há uma grande epidemia, mas a mulher se recusa a voltar, pois sente prazer em ver o sofrimento das pessoas. Quando o casal volta a Santa Fé, eles são colocados em quarentena pela família Amaral para evitar um contágio da epidemia. Bolívar fica revoltado com a situação e ainda mais confuso com as atitudes de sua esposa, ele sai na rua e é morto pelos guardas dos Amarais que estavam vigiando o sobrado.
Em “A Guerra”, vemos uma passagem narrativa sobre a Guerra do Paraguai, mas que traz como história central a guerra particular entre Bibiana Terra e Luzia após a morte de Bolívar e a influência das duas mulheres sobre o menino Licurgo.
Luzia tem um tumor e está nos últimos dias de vida, e as duas, Bibiana e ela disputam pelo amor de Licurgo, apostando quem sobreviverá e quem conseguirá o domínio da casa e do garoto.
"Ismália Caré" é a último episódio completo de “O Continente”. Como no episódio anterior, Ismália Caré não apresenta um enredo marcante; apresenta, sim, a continuação das histórias dos personagens.
Santa Fé é elevada ao título de cidade. Luzia morre, deixando a educação de Licurgo e o controle do Sobrado à Bibiana. Licurgo já é um homem completamente formado, e está prestes a casar com sua prima Alice, filha de Florêncio. Licurgo é amante de Ismália Caré, que dá título a história, mas que não aparece na narrativa, apenas no fim e é motivo de queixas da avó que teme que seu caso venha a comprometer seu casamento com Alice.
Influenciado pelo amigo Toríbio Rezende, Licurgo funda um clube republicano em Santa Fé, e torna-se abolicionista: O convívio com Toríbio Rezende, a leitura dos artigos que Júlio de Castilhos tudo isso tinha feito Licurgo Cambará um republicano e um abolicionista. Sua nova posição política intensifica ainda mais sua rivalidade com a família Amaral. Sabemos pela narrativa de “O Sobrado” que Licurgo será eleito governante de Santa Fé por voto livre, e que suas relações com o governo é que atrairão o ataque dos magaratos a sua residência, durante a Revolução Federalista de 1895, que é o tema central da história de “O Sobrado”, além das lembranças de Bibiana Terra em sua célebre frase herdada da avó: “noite dos ventos, noite dos mortos”.
Érico Veríssimo traz em seus personagens a identidade do povo gaúcho, os homens fortes, apaixonados pela guerra, valentes e machistas, mas, sobretudo em suas personagens femininas vemos o retrato da coragem nas mulheres sofridas, mas determinadas, que não se entregam nas adversidades, tipos marcantes como Ana e Bibiana Terra.
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