A obra Sagarana contém nove histórias. Pelo número de páginas de cada uma, elas até poderiam ser classificadas como novelas, ao invés de contos.
Título: Sagarana
Autor: João Guimarães Rosa
Editora: Nova Fronteira
I.S.B.N.: 8520911501
Ano: 1946
Idioma : Português
País de Origem : Brasil
Número de Paginas : 413
Conteúdo deste artigo
Foco Narrativo
- O Burrinho Pedrês - terceira pessoa.
- A Volta do Marido Pródigo - terceira pessoa.
- Sarapalha - terceira pessoa.
- Duelo - terceira pessoa.
- Minha Gente - primeira pessoa.
- São Marcos - primeira pessoa.
- Corpo Fechado - primeira pessoa.
- Conversa de Bois - terceira pessoa.
- A Hora e a Vez de Augusto Matraga - terceira pessoa.
Neste livro preponderam as histórias contadas na terceira pessoa, com um narrador onisciente. Apenas dois contos, Minha Gente e São Marcos, são narrados na primeira pessoa; neles o narrador é um dos personagens da trama.
Tempo
Tudo se passa no começo do século XX.
Cenário
Cada história desse livro é encenada no sertão de Minas Gerais.
Linguagem
A linguagem de Guimarães Rosa não pode ser meramente enquadrada como regionalista. Ele se vale de um dialeto sertanejo nas páginas de seu livro e o mescla aos célebres neologismos e a inúmeros arcaísmos.
O Burrinho Pedrês
Este conto se passa na Fazenda da Tampa, de propriedade do Major Saulo. Seus serviçais estão escolhendo os cavalos que transportarão os homens sertão afora com o objetivo de tanger um rebanho de bois de corte. Infelizmente o burrinho Sete-de-Ouros é um dos animais selecionados para esse trabalho. João Manico é o vaqueiro que o montará.
Enquanto isso, Raymundão narra a história do touro Calundu. Ele só feria quem estivesse a cavalo. Uma vez ele desafiou uma onça preta e afugentou o bicho só para preservar um bando de vacas com seus bezerrinhos. Ao tirar a vida de Vadico, filho do proprietário rural Neco Borges, ele só é poupado a pedido do rapaz. Mas Raymundão foi então encarregado de conduzir o animal para outra propriedade. Um dia depois de chegar ao novo lar o touro foi encontrado morto.
Após um temporal, a manada atinge o córrego da Fome, o qual estava quase transbordando. Atravessá-lo seria um risco e o Major Saulo insiste que todos tomem cuidado, pois neste lugar muitos já haviam perdido a vida. Porém, tudo corre bem e até o burrinho passa pelas águas sem problemas.
Em um dado momento, o Major exige que João Manico deixe Francolim montar Sete-de-Ouros. Ele assim faz, mas o encarregado pede ao patrão que, quando chegarem ao vilarejo, ele possa mais uma vez trocar de montaria, pois seria humilhante para ele ser visto no lombo do burro.
Dois dos vaqueiros do bando exigem atenção. Badu e Silvino se desentenderam por conta de uma garota caolha. Os dois viraram rivais mortais. Francolim e o Major suspeitam que Silvino esteja planejando matar Badu, que vai se casar com a ex-namorada dele. O vaqueiro carrega consigo mais bens do que deveria e negociou quatro reses por um valor muito baixo. Saulo pede que Francolim observe Silvino a cada momento no regresso da caravana.
Os vaqueiros foram recebidos com festanças no vilarejo. Os bichos vão repousar enquanto os homens passeiam pela região. Na partida os vaqueiros zombaram de Badu. Como ele estava embriagado, foi obrigado a montar o Burrinho, mas era volumoso demais para o animal. Na saída do vilarejo Francolim aguardava pelo companheiro.
Logo depois o encarregado deixa Badu sozinho e se preocupa em vigiar Silvino, que caminhava avante ao lado do irmão dele, Tote, que tentava convencê-lo a não acabar com a vida de Badu. Porém o homem traído insistia em levar seu plano adiante.
A caravana seguia viagem noite adentro. Subitamente os cavalos estacaram diante do córrego transbordado. Os homens decidiram aguardar Badu e Sete-de-Ouros. Se o animal avançasse pelas águas, seria possível transpor o ribeirão, já que este bicho não costuma adentrar um ponto de onde não consiga partir.
O burrinho mergulha nas águas levando Badu consigo. Os outros confiam e vão atrás. Mas não conseguem atravessar o riacho. Oito vaqueiros perdem a vida na travessia: Benevides, Silvino, Leofredo, Raymundão, Sinoca, Zé Grande, Tote e Sebastião. Sete-de-Ouros, porém, chega ao seu destino com Badu às costas e Francolim segurando seu rabo. Ao pisar em solo seguro o animal se liberta do encarregado e vai direto para a fazenda. Em casa ele é liberado do homem adormecido e de seus arreios.
A volta do marido pródigo
Lalino Salãthiel é um mulato esperto que nunca chega na hora para o trabalho árduo na mineração da terra. Seu Marra vigia o tempo todo os trabalhadores, mas nem ele pode com o protagonista. Este vive criando histórias e justificativas para não se matar de trabalhar. Alguns gostam muito dele, outros o desprezam. Generoso acredita que o espanhol Ramiro está cercando a esposa de Lalino.
O protagonista decide ir para a capital. Ele chega ao trabalho, pede as contas e ao regressar para casa vê o homem que tenta conquistar sua esposa, Maria Rita. Lalino tem uma ideia; inventa que deseja partir sem sua garota, mas não tem os recursos financeiros para fazer a viagem. O espanhol cede e lhe empresta um conto de réis. O protagonista embarca para a capital do Brasil.
Um mês se passa e Maria Rita está arrasada. Três meses depois, ela já vivia com Ramiro. Todos acreditavam que Lalino tinha negociado a própria esposa. Mais de meio ano após esses fatos, ele já viveu muitas peripécias em terras cariocas. Mas agora o homem está prestes a ficar sem nada e começa a ficar saudoso. Resolve então retornar para casa.
No vilarejo todos zombam dele. Ele vai à morada do espanhol e exige ver Ritinha, chegando até mesmo a ameaçar Ramiro ao aproximar sua mão do cabo da sua arma. De repente, porém, desiste de falar com a ex-esposa e leva apenas o violão. Verificou que Ramiro cuidava bem da mulher e no igarapé encontrou seu Oscar. O homem se comprometeu a conseguir um espaço para Lalino no mundo da política com seu pai, o Major Anacleto.
Porém o Major tem princípios morais rígidos e não quer dar uma chance para alguém que vendeu a própria família. Tio Laudônio, irmão de Anacleto, que vê em meio á escuridão e tem os sentidos apurados além da conta, intervém a favor de Lalino e consegue demover o Major de sua recusa. Ele pede que Lalino o procure um dia depois. Mas o protagonista só se apresenta na quarta-feira e dá de cara com Anacleto.
O Major tenta mandá-lo embora, mas o mulato o convence de que passou esse tempo fazendo um levantamento de quem era leal a ele e quem o atraiçoava pelas costas. Sabia tudo sobre os planos de Benigno para vencer Anacleto nas eleições. O protagonista demanda a proteção de Estevão, o capanga de quem todos têm medo, e passa a ser visto como o cabo eleitoral de Anacleto.
Tudo vai bem para Lalino até que Ramiro o entrega para o Major. O espanhol conta que ele vinha mantendo amizade com Nico, filho de Benigno. Tocavam e bebiam juntos, inclusive na companhia de Estevão. Anacleto ficou furioso. Porém o mulato o persuade de que tudo faz parte de seus planos para obter informações.
Após um tempo, Lalino pediu que Oscar fosse até Ritinha e falasse com a mesma sem contar que ia a pedido de Lalino. Ele fez o oposto do pedido, inventando intrigas e tentando roubar um beijo da mulher. Ela o mandou embora alegando que era mesmo apaixonada pelo ex-marido. Mas Oscar relata ao protagonista que a ex-esposa tinha, na verdade, se apaixonado por Ramiro.
Uma tarde Ritinha vai até a fazenda e aos prantos implora ao Major que a proteja, pois Ramiro, enciumado, desejava assassinar Lalino e ela; depois ele se mataria. Quando Anacleto exige que lhe tragam o mulato, descobre que ele estava tomando uns drinques com estranhos recém-chegados em um carro. Irado, acreditando ser seus opositores, vê o homem chegar com pessoas do governo, entre eles o Secretário do Interior. Feliz, o Major interveio para reconciliar Lalino e a mulher dele.
Sarapalha
Em um vilarejo quase deserto, às margens do Rio Pará, um surto de malária levou a população a partir. Em uma propriedade rural vazia, restaram três habitantes: Primo Ribeiro, Primo Argemiro e uma preta velha que todos os dias prepara a refeição. Não há como trabalhar nessa região.
O fantasma da morte assombra os primos. Um dia Ribeiro, achando que vai morrer, conta ao Primo Argemiro que a esposa partiu com um boiadeiro, deixando-o sozinho. Ele quis seguir os dois, mas se os achasse teria que assassinar o casal e lhe faltava ousadia para tanto.
Aproveitando as confidências, Argemiro confessa que era apaixonado por Luísa, a esposa de Ribeiro, embora nunca tenha se declarado a ela ou lhe desrespeitado. Embora sem forças e febril, por causa da malária, Ribeiro se enfurece com o primo. Apesar da insistência deste, ele não lhe concede o perdão e o expulsa.
Argemiro parte praticamente se arrastando e ainda, no caminho, é confundido pelos pássaros com um espantalho. Ele lamenta nunca ter se declarado para Luísa e sonha com ela, rememorando seu rosto antes do casamento. No cenário que o cerca ele vê flores azuis, mesma cor do vestido que cobria sua amada no dia do matrimônio.
Duelo
Turíbio Todo foi a uma pescaria e disse à esposa que retornaria apenas no dia seguinte. Na margem do rio o protagonista sofreu um incidente e acabou voltando ao anoitecer. Então ele flagrou a esposa com Cassiano Gomes, ex-policial e perito em armas. Turíbio fingiu nada ter visto e teceu um plano. Dias depois, pronto para a fuga, ele foi à residência do rival e atirou na nuca dele, um tiro certeiro, mas por engano matou o irmão dele, Levindo Gomes. Após o enterro, Cassiano se fechou no interior de sua morada. Preparou tudo e então iniciou a vingança.
Na perseguição Cassiano viu seus planos serem frustrados. Turíbio, exímio conhecedor das redondezas, levava vantagem. O protagonista estava tão confiante que regressou para casa e passou a noite com sua mulher, Dona Silvana. Nessa ocasião ele confidenciou à esposa sua estratégia derradeira. Ele contava que o coração do rival não suportaria a pressão. Mas, quando foi possível, a companheira entregou seus planos para Cassiano.
Cinco meses se passaram sem que eles se enfrentassem. Então Turíbio, iludido com a ideia de fazer fortuna em São Paulo, partiu para a cidade grande. Depois levaria a esposa. Enquanto isso, Cassiano, doente, tomou uma decisão; antes de sua morte ele acabaria com Turíbio. Ao passar pelo vilarejo chamado Mosquito, sua saúde piorou. Ele não conseguiu contratar ninguém que matasse seu rival. Antes da sua morte, ele conhece um sertanejo chamado Vinte-E-Um, na verdade Antônio. Cassiano o ajuda inclusive a salvar a vida do filho. Quando ele morre, Turíbio retorna seguro de si. Mas Vinte-E-Um, desejoso de fazer justiça ao seu antigo benfeitor, acaba com a vida de Turíbio.
Minha gente
O narrador vai de visita à propriedade rural de seu tio, no momento preocupado em ganhar as eleições do lugarejo. Ele cai de amores por Maria Irma, sua prima. Mas esta paixão não é correspondida. Um belo dia a jovem é visitada por Ramiro, e o protagonista fica enciumado.
A moça conta que ele é noivo de outra mulher. O garoto teceu um plano; ele iria simular um relacionamento com uma jovem da propriedade vizinha. Mas a estratégia de fazer ciúmes à prima é frustrada. O único benefício de seus planos foi, sem querer, colaborar para a vitória de seu tio nas eleições.
O narrador parte. Na segunda vez em que ele vai à fazenda, a prima lhe apresenta a mulher da sua vida, Armanda. Ele é fulminado pelo cupido na mesma hora e logo depois a moça se torna sua esposa, enquanto Maria Irma contrai matrimônio com Ramiro Gouveia.
São Marcos
O narrador é José, conhecido como Izé, médico graduado há pouco tempo e novo no Calango-Frito. João Mangolô era considerado um feiticeiro poderoso na região. José sempre zombava do preto-velho, desprezando seu saber e considerando tudo que o envolvia como pura superstição. Mas ele exagerava no preconceito e sempre dizia que todo negro era vagabundo, cachaceiro e feiticeiro.
Sem nada respeitar, o médico começa a declamar a oração de São Marcos quando encontro Aurísio Manquitola, que foge com medo.
Caminhando pelas trilhas que levam à lagoa, o narrador passa a contemplar a harmonia da natureza e dos animais. Subitamente ele perde a vista. Pouco a pouco ele percebe que está muito longe de todos e não tem como regressar a sua morada. Ele decidiu gritar, mas não teve resposta. José tenta se orientar entre as árvores e cai no choro, porém nada resolve.
Ele começa a rezar a oração de São Marcos, proferindo inclusive os insultos contidos na prece. O médico passa a ter alucinações e corre pela floresta. O narrador chega à residência de Mangolô movido por uma raiva descontrolada. Ele tenta esganar o feiticeiro, mas Mangolô implora que o deixe vivo. De repente a visão retorna. O feiticeiro tinha atado uma tira de pano preto nos olhos de um boneco para José ficar cego por um tempo. O narrador decide conviver em paz com o preto-velho.
Corpo fechado
Trabalhar não é com Manuel Fulô. Ele adora mesmo é contar histórias regadas a uma boa cachaça. O homem propõe ao narrador, médico em Lajinha, que seja seu padrinho de casamento. Ele conta que tinha uma mula, Beija-Fulô, enquanto Antonico é proprietário de uma sela do México.
Os dois vivem tentando conquistar o bem do outro. Surge então Targino, um dos arruaceiros da região. Ele diz para todo mundo que vai dormir com a noiva de Manuel Fulô antes do matrimônio. O homem fica agoniado, pois o valentão é o dono da região. Surge então o feiticeiro Antonico e faz um acordo com Manuel. Ele vai ‘fechar seu corpo’, porém em troca precisará lhe dar a mula Beija-Fulô, bem de maior estima de Fulô. Sem saída, ele concorda.
Desta forma ele desafia Targino e, para surpresa do povo, acaba com a vida dele com uma singela faca que mais parecia um canivete. Manuel se casa com a amada e em algumas ocasiões ainda pode tomar por empréstimo sua mula de estimação. Além do mais, torna-se o novo valentão das redondezas.
Conversa de bois
Neste conto o autor destaca quatro fatores essenciais do sertão mineiro. Um deles é o carro de bois que atravessa a região transportando rapadura e um corpo, o do pai de Tiãozinho. Os animais são o segundo elemento; os outros são o condutor do carro e o guia, o menino Tiãozinho.
Oito bois movem o carro, Buscapé e Namorado, Capitão e Brabagato, Dançador e Brilhante, Realejo e Canindé. Na parte superior vai o carreiro, Agenor Soronho. O morto era também um guia da boiada. O garoto vive sua dor da perda; ele tem que enfrentar igualmente a exaustão e a forma cruel como Agenor o trata, incitando os bois sem dó ou piedade. Agora o garoto está sujeito à boa-vontade do condutor, que promove a sobrevivência dos familiares de Tiãozinho porque quer conquistar a mãe dele, a qual já era sua amante antes mesmo da morte do pai do garoto, Januário, que vivia paralisado e cego há algum tempo, sem condições de trabalhar. Enquanto Agenor adormece e o personagem mergulha numa espécie de transe, os bois conversam entre si. Os animais eram solidários ao menino e, a um comando dele, eles saltam adiante e provocam a queda de Agenor. O carreiro morre e a viagem segue mais leve.
A hora e a vez de Augusto Matraga
Augusto Estêves é o valentão do vilarejo onde habita. Ele gasta tudo que cai em suas mãos e, com o falecimento de seu pai, conhece a miséria. Um belo dia ele recebe uma mensagem de Quim Recadeiro; acabara de ficar sem seus capangas, recrutados por seu maior rival, o Major Consilva, e sua esposa e a filha tinham partido na companhia de Ovídio Moura.
Inconformado, ele vai à fazenda do Major para enfrentar os antigos homens de confiança. O Major exige que o protagonista receba a marca do ferro no glúteo e que a vida lhe seja tirada. No auge da agonia, ele pula de um abismo. À beira da morte, é socorrido por um casal de negros. Até um sacerdote é chamado para confortá-lo. Ao se curar, o protagonista resolve mudar de vida. Então ele se refugia com os negros no Tombador.
A partir de então, ele passa a trabalhar sem cessar, especialmente para a sobrevivência do casal que o salvou. Além disso, ele pretende expiar seus erros. Em uma ocasião o bando de jagunços comandado por Joãozinho Bem-Bem chega ao povoado e Augusto e o célebre fora-da-lei se tornam amigos. É com tristeza que o protagonista o vê partir.
Com a passagem do tempo, Augusto também se despede de Tombador, sentindo que seu momento está por vir. Ele se depara com o jagunço, que se prepara para eliminar uma família por revanche. O protagonista implora ao amigo que não cometa essa atrocidade, e o mesmo vê esse pedido como uma ofensa. Ambos duelam entre si e acabam perdendo a vida.
Biografia do Autor
João Guimarães Rosa, um dos maiores escritores de todos os tempos, produtor de uma obra de alcance universal, nasceu na cidadezinha de Cordisburgo, em Minas Gerais, filho de D. Francisca Guimarães Rosa e de Florduardo Pinto Rosa, de quem herdou a paixão pelas estórias.
Joãozito, como era chamado quando menino, teve uma infância privilegiada. Ele conviveu desde cedo com personagens encantados criados pela mente paterna e com outra herança fundamental, a familiaridade com a linguagem, tanto a de sua terra natal, quanto a de países do mundo todo. Rosa é atingido, em novembro de 1967, por um ataque fulminante do coração, talvez pela presença de tanto amor, de tantas estórias, que não mais cabiam em seu peito.