Uma branca sombra pálida

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Lygia Fagundes Telles dizia que: "o ser humano é incontrolável, indefinível e inacessível,(…) por mais que você procure se aproximar do ser humano, ele nos escapa. Como a própria morte". É a busca por atingir seres humanos em seu mais profundo aspecto de angústia e conflitos interiores que Lygia acha os temas de suas narrativas, é a procura de explicar o que muitas vezes nos parece inexplicável e inacessível, que se encontra a essência da obra da escritora. Mas, como ela mesma declara, essa essência é inacessível, daí seus inúmeros personagens se envolverem em dramas “em que a “atmosfera” joga um papel decisivo”.

Lygia mostra, então, “jogar” com essa atmosfera e obedecer às regras do inexplicável: "na infância, um mistério me puxou pela manga. Desde então o indefinível sempre me atraiu". O suspense se configura em grande número de seus contos, seus personagens mergulham em um universo íntimo, pleno de seus dramas interiores e com um grande medo de se enfrentarem com o “eu” verdadeiro. Daí a atuação do elemento que suspende o leitor e o conduz pelo ambiente sem definições e esclarecimentos desses conturbados seres humanos.

A opressão externa provoca uma relação antagônica com o indivíduo anônimo, (que Lygia escolheu para tecer suas obras) esmagando-o dentro de si, envolvendo-o numa ação de expectativa até o momento decisivo da grande revelação de si mesmo. Por isso estão interiormente desesperadas, perdidas, assustadas e até mesmo isoladas do mundo exterior.

Através da leitura do conto Uma branca sombra pálida, vamos analisar aspectos da estrutura do conto em questão e da obra da escritora. Este conto faz parte da coletânea A noite escura e mais eu, de 1995. A mãe de Gina conta a história da filha entre flashes enquanto vai ao cemitério depositar rosas brancas no túmulo da moça. A narração vai se desenvolvendo em torno da rivalidade entre a mãe e a amiga de Gina, Oriana, que sempre vai ao cemitério depositar rosas vermelhas, em um jarro vizinho ao das rosas brancas. Nessa relação de ódio e cumplicidade, a mãe da menina conta suas impressões sobre a vida e o suicídio de Gina.

Sobre sua filha ela tece comentários do tipo: “bonita, não, mas quando falava tinha um jeito tão gracioso de interrogar inclinado assim a cabeça e aquele jeito de rir, os olhos tão acesos e os cabelos de um castanho dourado tão profundo. O andar era de bailarina que não é mais bailarina e continua com a graça de quem vai assim flutuando…”, Gina parece sair de um mundo belo e romântico da infância ao lado da mãe e do pai e após a morte deste, vive em um mundo isolado e escondido, sempre sendo atendida em seus caprichos pela mãe. Até que conhece Oriana e é nela que se representa o elemento desestruturador tanto para Gina como para sua mãe. É a presença dela que muda o comportamento da moça, que a faz gostar de outro tipo de música, estudar Letras, trancar-se no quarto por horas e ativar o elemento do mistério que circunda a narrativa, já que o que se passava lá, para os leitores, torna-se um grande subentendido, uma lacuna que se desvenda pela perspectiva da narradora (mãe), mas que não se saberá exatamente o que acontecia na realidade.

Permeado de elementos simbólicos, a narrativa representa a opressão interior pela qual Gina passava, já que sua amizade com Oriana nunca seria realmente compreendida pela sociedade. A própria morte da garota é um desses elementos, já que provoca na mãe uma série de mudanças, das quais das mais simples às mais complexas, configuram-se como uma forma nova de enxergar a sua nova condição de solitária, Nelly Novaes Coelho comenta: “…dramas todos eles arraigados numa solidão interior (por vezes inconsciente…) profundamente trágica, pois revela-se de natureza ontológica… portanto irremediável. Note-se que as personagens de Lygia Fagundes Telles já nascem condenadas à solidão; esta não surge condicionada por uma falha no relacionamento entre os homens, mas é parte constitutiva do ser humano.”

A solidão da mãe de Gina agora é latente e, para que ela se aplaque, a rivalidade entre as duas rosas passa a alimentar essa mulher e ao pensar que um dia Oriana se cansaria de pôr suas rosas, será, para ela, uma grande traição.

Fonte:
COELHO, Nelly Novaes. O mundo de ficção de Lygia Fagundes Telles. In: Seleta de Lygia Fagundes Telles. Org. estudos e notas da profª Nelly Novaes Coelho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971.
TELLES, Lygia Fagundes. Uma branca sombra pálida. In: A noite escura e mais eu.1995

Arquivado em: Contos
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