Os estudos em Bioética tratam tanto de questões relacionadas ao Meio Ambiente quanto aos animais humanos e não-humanos. Mais especificamente, abordam certas complicações morais relacionadas à intervenção humana, tecnológica ou não, que possa afetar a vida em seu sentido amplo e estrito, resultando em aprimoramento, em sua interrupção ou alterando positivamente ou não sua qualidade. É um campo de atuação e investigação que recebe contribuições de pesquisadores, cientistas e médicos, incluindo perspectivas religiosas, sobre temas como pesquisas com seres humanos, longevidade humana, eutanásia e outros.
Como campo de estudos, a Bioética é bem recente. Foi em 1971 que Van Rensselaer Potter publica o primeiro livro sobre o tema, intitulado Bioethics: Bridge to the Future. O prefixo ‘bio’ estava relacionado à Biologia, e a intenção era construir uma ponte entre as ciências humanas e as naturais:
“A sabedoria é definida como o conhecimento de como usar o conhecimento para o bem social. A busca de sabedoria tem uma nova orientação porque a sobrevivência do homem está em jogo. Os valores éticos devem ser testados em termos de futuro e não podem ser divorciados dos fatos biológicos.” (POTTER, 1971 apud PESSINI, 2013, p. 10)
Enquanto o pensamento de Van Potter voltava-se para uma versão ecológica, trazendo preocupações sobre o futuro e a sobrevivência do homem, André Hellegers foi o responsável por reunir um grupo de pesquisadores interessados em aplicar reflexões morais à biomedicina e às questões clínicas.
Embora a preocupação com a atuação médica seja muito antiga, sendo o Juramento Hipócrates um dos mais antigos, casos de abusos em tratamentos médicos ganharam atenção no séc. XX, devido, em especial, às denúncias das atrocidades praticadas por médicos nazistas no Tribunal de Nuremberg (1946-1947) e ao fortalecimento do movimento dos direitos civis e humanos nos EUA após 1964.
Esse cenário culmina na criação do famoso relatório de Belmont, do qual participaram os filósofos Albert Jonsen, Stephen Toulmin e Tom Beauchamp. Esse documento estabeleceu três princípios de atuação no tratamento de seres humanos ou em pesquisas realizadas com seres humanos: a) respeito às pessoas: em termos da autonomia dos pacientes ou da tutela dos direitos daqueles com diminuição dessa; b) beneficência: no qual não provocar prejuízo está associado a fazer o bem; c) justiça: quanto a alocação equitativa dos benefícios e atendimento aos diretos. Percebe-se a importância desse relatório ao considerarmos que o Juramento de Hipócrates enfatiza a beneficência, mas é apenas com o Código de Nuremberg que o consentimento do paciente passa a ser uma norma.
O Principialismo tornou-se conhecido pela proposta de Tom Beauchamp e James Childress, exposta no livro Principles of Biomedical Ethics, cuja primeira edição foi publicada em 1979. O livro representa um desenvolvimento teórico baseado no relatório de Belmont, com a principal contribuição sendo a distinção entre a beneficência, que consiste no dever de promover o bem-estar, e a não-maleficência, que relacionam-se a obrigação de não causar dano, no sentido moral. Assim, seria proibido realizar qualquer ação que prejudique os interesses ou direitos de alguém.
Essas reflexões influenciaram o pensamento bioético brasileiro, que é considerado recente, mas já avançou muito nos últimos 15 anos. A resolução 196 (1996) do Conselho Nacional de Medicina é baseado no principialismo e regulamenta as pesquisas com humanos no Brasil. Essa resolução também criou a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Destaca-se também a primeira publicação brasileira sobre o tema, o livro Problemas Atuais de Bioética, do conhecido pesquisador e padre Léo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine.
Há outras teorias além do principialismo, como a perspectiva do filósofo Fermin Schramm, que contextualiza a reflexão bioética às políticas públicas de saúde, evidenciando o problema da vulnerabilidade:
“A bioética da proteção [...] pode ser pode ser aplicada, stricto sensu, a pacientes morais que identificamos como vulnerados, isto é, que não são capazes de se protegerem sozinhos ou que não possuem algum amparo que venha da família, do grupo ao qual pertencem, do Estado ou da própria Sociedade” (SCHRAMM, 2017, p. 1534, grifo do autor)
Referências bibliográficas:
PESSINI, Leo. As origens da bioética: do credo bioético de Potter ao imperativo bioético de Fritz Jahr. Revista Bioética, v. 21, n. 1, p. 09-19, jan./abr. 2013. Disponível em: <http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/784/849>. Acesso em 10.04.2018
FERRER, Jorge José; ÁLVAREZ, Juan Carlos. Para fundamentar a bioética: Teorias e paradigmas teóricos na bioética contemporânea. Tradução de Orlando Soares Moreira. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
SCHRAMM, Fermin Roland. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 5, p. 1531-1538, maio 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/1413-8123-csc-22-05-1531.pdf>. Acesso em: 23.04.2018
DALL’AGNOL, Darlei. Filosofia e bioética no debate público brasileiro. Ideias, v. 3, n. 1, p. 96-121, jan./jul. 2012. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8649365/15920>. Acesso em: 10.04.2018