A Matemática e os Temas Transversais

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O ensino da matemática está passando por varias mudanças de caráter curricular e metodológico, haja vista que os indicadores das avaliações nacionais apontam para essa necessidade. Contudo, não é apenas os resultados dessas avaliações que estimulam essas mudanças, faz-se necessário reformular o ensino da matemática para que a mesma passe a ter significado e consequentemente o processo ensino aprendizagem seja significativo.

Os temas transversais surgem na Educação a partir de questionamentos realizados em vários países sobre qual deve ser o papel da escola dentro de uma sociedade plural e globalizada e sobre quais devem ser os conteúdos abordados nesta escola.

Dessa forma, conforme grupos sociais politicamente organizados em diversos países reunidos em Organizações não-governamentais (ONGs) e também governamentais começaram a desenvolver projetos educacionais que incluíssem na estrutura curricular de suas escolas questões que abordassem conteúdos relacionados ao cotidiano da maioria da população. A fim de diminuir o fosso existente entre o desenvolvimento tecnológico e o da cidadania, uma das propostas feitas por esses grupos é a inserção transversal na estrutura curricular das escolas, sem abrir mão dos conteúdos curriculares tradicionais, de temas como: ética, saúde, meio ambiente, o respeito às diferenças, os direitos do consumidor, as relações capital-trabalho, e a igualdade de oportunidades.

De acordo com ARAÚJO (2000) um dos países que aprofundou essa proposta foi a Espanha, que ao reestruturar o seu sistema escolar, em 1989 fez a inclusão de temas transversais sistematizados em um conjunto de conteúdos considerados essenciais para a sua realidade.

No Brasil, a proposta de incluir os temas transversais no contexto educacional, deu-se a partir de 1998, após a apresentação do documento dos PCNs pelo MEC.

Os temas transversais propostos no documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais são: Ética, Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual e Trabalho e Consumo.  Os temas não constituem novas áreas do conhecimento e devem ser abordados contínua e sistematicamente ao longo de toda a escolaridade. A perspectiva transversal requer uma transformação da prática pedagógica, pois exige do professor o rompimento da atuação de atividades pedagogicamente formalizadas e aumenta o compromisso com relação à formação dos alunos. Entretanto, o que significa trabalhar transversalmente? E, o que é transversalidade?

De acordo com a concepção elaborada pela equipe de especialistas do MEC, os temas transversais devem perpassar os conteúdos curriculares. Assim “As áreas convencionais devem acolher as questões dos Temas Transversais de forma que seus conteúdos as explicitem e que seus objetivos sejam contemplados.” (Documento PCNs TEMAS TRANSVERSAIS, 1998, p. 27).

Convém destacar que os temas formam um conjunto articulado, gerando objetivos e conteúdos comuns ou muito próximos entre eles. Além disso, integração, a extensão e a profundidade da abordagem dos temas acontecerão em diversos níveis, de acordo com a prioridade estabelecida.

Devido à complexidade do processo educativo, Rafael YUS (1998) coloca que é oportuno mostrar os diferentes âmbitos da transversalidade, dessa forma distingue os seguintes tipos :

  • Transversalidade disciplinar: é a que acontece dentro de cada área específica, consiste no tratamento dado a um tema transversal ao longo do ano letivo.
  • Transversalidade no espaço: é o tratamento de um tema transversal por mais de duas áreas num ano letivo.
  • Transversalidade no tempo: devido à necessidade, de acordo com objetivos propostos, de se tratar um tema transversal por mais de dois anos letivos sucessivos.
  • Transversalidade curricular: consiste no tratamento curricular dado a um tema transversal, inclui os tipos de transversalidade acima citados.
  • Transversalidade ambiental: refere-se ao conjunto de todas as questões no ambiente escolar que promovam as condições favoráveis para o desenvolvimento de temas transversais.

Todos esses aspectos possíveis da transversalidade que dizem respeito ao âmbito escolar constituem a chamada transversalidade formal. O tratamento dado a um tema transversal por outras áreas da sociedade recebe o nome de transversalidade não formal.

Uma questão importante levantada por YUS (1998) refere-se ao nível de contribuição das diversas áreas em relação á transversalidade. Segundo esse autor, a contribuição das diversas áreas numa proposta transversal dar-se-á conforme o tipo de conteúdo a ser trabalhado. Assim, determinadas áreas terão grande contribuição no que tange a conteúdos conceituais (História, Geografia, Ciências); outras áreas contribuirão mais nas questões que envolvem conteúdos procedimentais (Matemática, Ciências); já os conteúdos atitudinais receberão contribuição de todas as áreas.

Uma consideração similar a esta é feita pelos PCNs (Documento PCNs MATEMÁTICA, 1998) ao colocarem que os temas, no caso da escola, precisam se articular às concepções da área e, portanto, isso pode ocorrer de maneiras diversas em função da natureza de cada tema e de cada área. Assim:

Tendo em vista a articulação dos Temas Transversais com a Matemática algumas considerações devem ser ponderadas. Os conteúdos matemáticos estabelecidos no bloco Tratamento da Informação fornecem instrumentos necessários para obter e organizar as informações, interpretá-las, fazer cálculos e desse modo produzir argumentos para fundamentar conclusões sobre elas. Por outro lado, as questões e situações práticas vinculadas aos temas fornecem os contextos que possibilitam explorar de modo significativo conceitos e procedimentos matemáticos. (Documento PCNs MATEMÁTICA, 1998, p. 29)

Existe uma estrutura prévia, formada pelas disciplinas tradicionais. Os conteúdos dos temas transversais são distribuídos em todas as disciplinas, cruzando ou transpassando as áreas de conhecimento.

De acordo com ARAÚJO (2000), isso pode acontecer de três formas diferentes:

  1. Na primeira forma conteúdos tradicionais e transversais estão misturados a ponto de não existir distinção entre eles, por exemplo, um professor de Matemática não conseguiria trabalhar seu conteúdo desvinculado da construção da cidadania e da democracia;
  2. Na segunda forma, conteúdos tradicionais e transversais são abordados pontualmente, ou seja, em algum momento o professor pára de trabalhar o seu conteúdo e insere algum tema transversal em sua aula na forma de projeto. Exemplificando essa proposta, nesse caso, o referido professor de Matemática não trabalharia somente o seu conteúdo, mas em determinado momento abordaria algum tema transversal em suas aulas;
  3. Na terceira forma os conteúdos tradicionais e os temas transversais integram-se interdisciplinarmente. Então, voltando ao nosso exemplo, o professor de matemática deve integrar o conteúdo específico de sua área tanto aos temas transversais como a conteúdos de outras áreas.

Dessa forma esse “giro” de noventa graus, onde os temas transversais assumem a posição de eixos vertebradores, possibilitará uma nova concepção de ensino, que permitirá ver as disciplinas curriculares atuais não como fins em si mesmas, mas como “meio” ou instrumento para se alcançar outros objetivos, mais voltados aos interesses e necessidades da maioria da população, aproximando dessa forma o científico do cotidiano.

Precisamos retirar das disciplinas científicas as suas “torres de marfim”1 e deixá-las impregnarem-se de vida cotidiana, sem que isso pressuponha, de forma alguma, renunciar às elaborações teóricas imprescindíveis para o avanço da ciência.

Dessa forma, as matérias curriculares são entendidas como meios através dos quais pretende-se desenvolver a capacidade de pensar e de compreender e interpretar adequadamente o mundo que nos rodeia. E se estes conteúdos estruturam-se em torno de eixos que exprimem a problemática cotidiana atual, convertem-se em instrumentos cujo valor e utilidade são evidenciados pelos alunos.

O documento dos PCNs propõem, para o ensino fundamental, uma concepção de transversalidade, isto é, tomam como eixo vertebrador os conteúdos tradicionais, porém sugerem que o professor não interrompa seus conteúdos para trabalhar os temas transversais e nem que os trabalhe paralelamente, mas sim que estabeleça as relações entre ambos e os incluam como conteúdos de sua área, fazendo com que os alunos utilizem-se dos conhecimentos escolares em sua vida extra escolar.O que a nosso ver tende a ser a opção mais viável já que não implica em grandes mudanças da estrutura curricular,todavia o que parece ser uma qualidade pode tornar-se um defeito,pois uma mudança superficial acaba não obtendo os resultados esperados.

Assim: “A transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender na realidade e da realidade conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real e sua transformação (aprender na realidade e da realidade).” (Documento PCNs TEMAS TRANSVERSAIS, p. 30)

Dessa forma, a transversalidade leva a uma mudança na prática pedagógica na escola, pois está muito relacionada à postura do professor frente aos conteúdos abordados e a forma de abordá-los.

“A transversalidade acontece quando se tem ou se objetiva a efetiva transformação no modo de ser dos alunos. Ou seja, quando se produz mudança de valores e/ou padrões de conduta no grupo envolvido.” Portanto, se um tema for abordado numa perspectiva inter, trans, multidisciplinar, mas a proposta tratar apenas de seus aspectos relacionados aos saberes escolares, o professor não estará trabalhando a transversalidade. Assim, por exemplo, os PCNs enfatizam que o bloco Tratamento de Informações cria grandes possibilidades para se trabalhar a transversalidade, entretanto, se o professor não abrir espaços que proporcionem reflexões, ela não acontecerá.

Examinemos uma situação que pode exemplificar, numa outra perspectiva, a afirmação acima: durante uma aula de Matemática, após terminarem um trabalho envolvendo recortes e colagens de sólidos geométricos, o chão ficou repleto de lixo e alguns alunos se negaram a participar da limpeza, justificando que esse é um trabalho para as faxineiras da escola. Se o professor passa a promover de forma direta ou indireta reflexões sobre a responsabilidade de cada um em relação ao meio em que vive e sobre a discriminação de categorias de trabalhadores, provocando lentamente mudanças na postura de seus alunos; então esse professor está constituindo uma prática transversal.

Às vezes, mesmo sem saber, um professor pode estar praticando mais a transversalidade do que aqueles que tratam de um assunto em sua disciplina, “ensinando-o”, mas que intervêm pouco na mudança dos valores e padrões dos seus alunos.

Entre as diversas dificuldades encontradas para que a transversalidade aconteça a formação dos professores é apontada como uma delas.

Essa dificuldade ocorre porque os professores têm que pensar e colocar em prática uma proposta que eles próprios não vivenciaram em momento algum de suas vidas, portanto, há uma forte tendência aos enfoques instrutivos em detrimento dos educativos. O argumento anterior mostra o forte caráter de ação da transversalidade.

Contudo, esse conflito torna-se mais evidente quando a proposta transversal exige um planejamento globalizado, e o restante do currículo e a organização escolar persistem em seu planejamento analítico. Essa “dupla linguagem” se resolve a favor do paradigma atual, da ordem estabelecida, que também é o que sintoniza com a cultura do professorado, formado inicial e permanentemente por essas clássicas coordenadas.

Assim, para se levar a transversalidade adiante é preciso que se construa uma nova cultura acadêmica, com uma estrutura em função das novas exigências e mudanças na forma de entender o papel da escola na sociedade, e o papel da universidade na formação profissional do futuro professor. Isso, de maneira geral, implicará numa mudança de valores em relação a formação de professores de Matemática no que tange a sua postura como professor frente a disciplina que leciona.

Notas:
1 Torres de Marfim, quero ressaltar que devemos dar significados aos assuntos abordados em sala de aula, na vida diárias dos nosso aprendentes.

Referências Bibliográficas:
ARAÚJO, Paulo. O norte para a aprendizagem.Nova Escola, n 209, p.32- 39, jan/fev. 2008
Brasília: MEC/SEF, 1998. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Secretaria da Educação Fundamental.
Yus, Rafael, Temas Transversais: em Busca de uma Nova Escola, Ed. Artmed, 1998.

Arquivado em: Matemática, Pedagogia
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