Desafio de ensinar em área diferente da sua formação

Professora de História

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É difícil? Lembro-me que, quando passou a vigorar o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa, eu percebi que precisava voltar à sala de aula para reaprender a escrever. Na primeira aula, a professora falou que, quando nos fosse incumbida a realização de algo que julgássemos complicado, em vez de dizer “é difícil”, deveríamos afirmar que “é um desafio”.

A realidade no ambiente laboral muitas vezes não corresponde ao imaginário profissional dos tempos de formação estudantil. E creio que isso valha para todas as profissões. Nós, professores, durante as nossas licenciaturas, tendemos a nos imaginar cheios de vigor ensinando assuntos que amamos a jovens interessadíssimos. Às vezes isso acontece sim, às vezes o brilho se apaga ainda no estágio curricular.

Quando fui nomeada professora de História na rede municipal, na metade do ano letivo, perguntei a uma grande amiga, também professora, como eu deveria proceder em visita que faria na escola dias antes de tomar posse no cargo. A primeira coisa que minha amiga me perguntou foi: tu vais dar aula de História ou de outra matéria?

Como assim? – Eu me interroguei. – Não era para isso que eu estava sendo chamada?

É muito comum professores lecionarem disciplinas para as quais não possuem formação. Eu mesma leciono, além de História, Artes. Mas eu estudei arte. Então não é difícil para mim. E quando o profissional precisa ensinar aquilo que pouco conhece?

Nos tempos de estudante, a disciplina mais complicada para mim era Geografia. Eu tinha muita dificuldade em entender. Em um dos semestres da faculdade, resolvi me matricular em uma disciplina básica do curso de Geografia para complementar minha formação acadêmica. Tranquei a matrícula porque eu simplesmente não consegui acompanhar o conteúdo.

No início de 2019, durante o recesso de verão, enquanto eu fazia o planejamento anual de História e Artes, entrei em contato com a gestão da escola para verificar meus horários, para que eu pudesse já iniciar os planos de aula conforme a grade semanal. Eis que tive a notícia assustadora: devido a alterações no corpo docente, coube a mim ministrar Geografia para o 7º Ano. E agora? – Divagava-me novamente. Em minha mente, ecoavam as palavras daquela professora de Português: não diga “é difícil”, diga “é um desafio”.

Resignada, busquei o livro do professor e pus-me a reaprender o conteúdo para elaborar os planos de aula. Enquanto lia sobre paralelos e meridianos, lembrei-me da dificuldade juvenil que tive para assimilar a diferença. Decidi que uma aula teórica não bastava, seria preciso atingir outros interesses dos estudantes.

Inicialmente, planejei um momento expositivo. E executei no dia previsto. Pedi que os estudantes imaginassem que aquele seria o meu aniversário e que faríamos uma torta redonda imaginária, a qual eu desenhei no quadro, e que seria o nosso planeta. Eles decidiram os sabores dos recheios. Falamos rapidamente sobre a confecção da massa de pão de ló, que seriam nossos Círculos Polares Antártico e Ártico e Linha do Equador, respectivamente.

A seguir, imaginamos a montagem do nosso planeta a partir dos paralelos. A base de pão de ló como Círculo Polar Antártico, uma camada de recheio como Trópico de Capricórnio, outro disco de pão de ló representando a Linha do Equador, outra camada de recheio sendo o Trópico de Câncer, o último disco de pão de ló como Círculo Polar Ártico, uma cobertura fina simbolizando nossa atmosfera e, por fim, não poderia faltar uma vela de “aniversário” simbolizando o Polo Norte como ponto de referência.

E os Meridianos? Considerando que estávamos imaginando um bolo de aniversário, sendo os paralelos as camadas, caberia aos meridianos serem as fatias. Os estudantes ficaram entusiasmados com o conteúdo e, a partir daí, consegui explicar a teoria, os conceitos de paralelos e meridianos e os movimentos de rotação e translação da Terra.

Mas ainda faltava uma coisa: a prática. Conversei com a diretora da escola sobre esta aula e ela sugeriu que fossem feitos o pão de ló e os recheios na cozinha da escola e a montagem em sala de aula. Nesse aspecto, é fundamental que haja boa sintonia, comunicação e colaboração entre gestão, professores e funcionários, propiciando a execução das propostas de forma harmoniosa.

Na data marcada, pedi que os estudantes fizessem um círculo com as classes para revisarmos o conteúdo enquanto solicitei à estudante recém transferida – e cujo comportamento não era propriamente bom – que me acompanhasse para buscar o material didático. Ela estranhou quando entramos no refeitório. Material didático aqui, sora? – disse a jovem. E eis que as funcionárias da cozinha nos entregam as panelas, a forma e os utensílios para montarmos a torta.

Ao entrarmos, surpresa geral entre os colegas quando entramos na sala com as guloseimas. Iniciei então a montagem, seguindo as instruções que os estudantes passavam.

- A base é o Círculo Polar Ártico! – Disse um.

- Não, cara! É na Antártico. – Repreendeu outro.

- Quem concorda com o colega? – Questionei.

E assim fomos montando nosso planeta, até o momento da avaliação: os meridianos. Não podiam chamar as partes do alimento utilizando termos culinários (bolo, camada, fatia, etc), somente termos geográficos (planeta, polo, paralelo, meridiano).

Fatiado e servido o planeta, aquela estudante que mencionei anteriormente, entregava um prato contendo um meridiano e um garfo a um colega, o qual deveria responder corretamente a uma pergunta da professora tocando o garfo no local certo (ex.: onde é a Linha do Equador?). Se a resposta estivesse correta, poderia comer. Se estivesse incorreta, o prato e o garfo eram entregues ao colega do lado que responderia outra pergunta, e quem errou deveria aguardar todos os demais serem avaliados para ter sua nova chance, até que todos acertassem. Foi uma experiência deliciosa!

Vez por outra, durante o ano letivo, os estudantes comentavam como essa aula fora bacana e que acharam o conteúdo fácil. Esse retorno positivo foi muito importante tanto pelo fato de eu ter me sentido bem-sucedida na proposta de trabalho (e vencido o desafio), quanto por poder proporcionar aos adolescentes um aprendizado prazeroso para que eles, indo para o próximo ano, então com professor especialista em Geografia, atribuíssem um sentimento bom à disciplina, facilitando assim sua aprendizagem.

 

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